Está para nascer alguém que não goste de viajar, de conhecer novas pessoas, novos lugares, novas culturas, novos sons e sabores... Se você recebesse um passaporte com a possibilidade de carimbá-lo por completo, sem gastar nada por isso, o que faria? Acharia estranho ou até insano alguém não embarcar na viagem? Triste pensar na quantidade de histórias, experiências e conhecimentos que seriam deixados de lado por essa pessoa, não é mesmo? Essa é a sensação que tenho quando vejo livros fechados, pois assim como um passaporte nos permite viajar para outros países e culturas, a leitura nos concede a oportunidade de transcender nosso cotidiano e embarcar em jornadas emocionantes e transformadoras.

O ato de aprender a ler é a única prática capaz de tornar o homem mais humano. É no constante desejo de decifrar e interpretar o sentido das coisas, de perceber o mundo sob diversas perspectivas, de relacionar a realidade ficcional com a real, que o aprender a ler tornou-se o principal requisito de sobrevivência. Porém, é fato que não são todas as pessoas que têm a oportunidade da alfabetização, mas, infelizmente, alguns "alfabetizados" não usufruem dessa dádiva. Como bem disse Mario Quintana: "Os verdadeiros analfabetos são os que aprendem a ler e não leem."

Não há como negar que a era digital promove a leitura por meio de cliques e touchs, dá acesso a estantes virtuais, possibilita a personalização da leitura e promove a interação por meio do compartilhamento de ideias e reflexões de maneira rápida. No entanto, este artigo olha com carinho para o livro físico e quer resgatá-lo da estante empoeirada, trazendo à tona a sensação afetiva e cinestésica que suas páginas possibilitam. Mas, independentemente de sua escolha — digital ou física —, leia!

Por meio das páginas de um livro, podemos navegar por mares tempestuosos com piratas destemidos, desvendar mistérios em castelos medievais ou explorar planetas distantes. A cada página virada, a mente do leitor se torna um palco vibrante onde personagens ganham vida, cenários se desenrolam e emoções se afloram. A leitura nos convida a sentir a alegria do primeiro amor, a tristeza de uma perda, a adrenalina de uma aventura e a angústia de um dilema moral. Ao nos transportar para diferentes realidades, ela nos permite experimentar a vida sob diferentes perspectivas, desenvolvendo nossa empatia e compreensão do mundo, além de estimular a criatividade, expandir o vocabulário, aprimorar a capacidade de argumentação e desenvolver o senso crítico.

Há quem acredite que a leitura não seja tão necessária. Esses jamais terão a extensão do prazer, serão eternos "conformados" dos grilhões internos que os limitam e não experimentarão o sumo bem de Aristóteles: o conhecer para ter a eudaimonia1. De acordo com o filósofo supracitado, a felicidade só pode ser alcançada pela prática das virtudes, e a leitura é uma ferramenta capaz de promover o desenvolvimento moral e incutir valores como prudência, coragem, justiça e temperança. Quem não lê, dá brecha para que a visão de mundo permaneça embaçada e o futuro com expectativas restritas, afinal, a leitura é uma chave importante para conectar informações e transformar contextos. Sim, ler é empoderar-se.

Em suma, ler é uma atividade que traz muitos benefícios para a mente e para o corpo, seja com o propósito de entreter, aprender ou para fomentar o desenvolvimento pessoal, pois estimula o raciocínio, a memória, a concentração e a criatividade.

Benefícios cognitivos

  • Raciocínio: A leitura exige que o leitor pense sobre o que está lendo, fazendo inferências, identificando relações de causa e efeito e solucionando problemas.
  • Memória: A leitura ajuda a consolidar a memória, pois o leitor precisa lembrar de informações apresentadas anteriormente para compreender o texto.
  • Concentração: A leitura exige que o leitor se concentre por um período de tempo, o que ajuda a melhorar a capacidade de concentração.
  • Criatividade: A leitura pode ajudar a estimular a criatividade, pois o leitor é exposto a novas ideias e conceitos.

Benefícios emocionais

A leitura pode ajudar a reduzir o estresse, melhorar a qualidade do sono e promover o bem-estar emocional.

  • Redução do estresse: A leitura pode ser uma ótima forma de relaxar e de aliviar o estresse. A leitura de histórias envolventes pode ajudar a tirar a mente das preocupações do dia a dia e a proporcionar um momento de descontração.
  • Melhora da qualidade do sono: A leitura antes de dormir pode ajudar a relaxar e a facilitar o sono. A leitura de histórias tranquilas pode ajudar a acalmar a mente e a preparar o corpo para o descanso.
  • Promoção do bem-estar emocional: A leitura pode ajudar a promover o bem-estar emocional, pois pode proporcionar sentimentos de alegria, satisfação e conexão com os outros. A leitura de histórias inspiradoras pode ajudar a aumentar a motivação e a esperança.

Benefícios físicos

Estudos mostram que a leitura pode ajudar a reduzir o risco de doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson.

  • Redução do risco de Alzheimer: A leitura pode ajudar a proteger o cérebro contra o declínio cognitivo, pois estimula a atividade cerebral.
  • Redução do risco de Parkinson: A leitura pode ajudar a reduzir o risco de Parkinson, pois pode ajudar a proteger as células nervosas do cérebro.

Ler é um processo intrínseco e complexo. Ao lermos um livro, o nosso cérebro inaugura uma série de vários novos circuitos, novas ligações que ele não faz em nenhum outro momento. Temos cerca de 86 bilhões de neurônios e cada um é capaz de fazer entre 10.000 a 20.000 conexões, que chamamos de sinapses. E as conexões chegam à casa dos trilhões. Quando lemos, essas sinapses são formadas por regiões do cérebro responsáveis por coisas totalmente diferentes, como a visão (quando eu vejo as letras), a audição (escuto o fonema), a sensação e os afetos (quando mergulhamos nas páginas de um livro, somos co-criadores da história, porque apesar dos autores determinarem características para os personagens, as diferentes experiências de mundo vão moldar a maneira como interpretamos a história). A leitura propicia até o uso das regiões responsáveis pelo movimento, para verem quão complexo é o ato de ler.

De acordo com a neurocientista cognitiva Maryanne Wolf2, para que façamos inferências, compreendamos os conceitos abstratos e reflitamos sobre os textos mais complexos, é preciso desenvolver as seguintes habilidades cognitivas:

  • Processamento visual: a capacidade de reconhecer palavras e símbolos escritos.
  • Processamento auditivo: a capacidade de compreender a linguagem falada.
  • Memória de trabalho: a capacidade de armazenar e processar informações temporariamente.
  • Pensamento crítico: a capacidade de analisar e avaliar informações.
  • Pensamento criativo: a capacidade de gerar novas ideias.

Estudos neurocientíficos mostram que a leitura ativa diferentes áreas do cérebro, incluindo a área de Broca (responsável pela linguagem), a área de Wernicke (responsável pela compreensão da linguagem) e o córtex pré-frontal (responsável pelo raciocínio, planejamento e solução de problemas). Um estudo publicado no Journal of Neuroscience mostrou que a leitura de histórias pode aumentar a atividade no córtex pré-frontal, o que está associado à atenção, ao aprendizado e à memória, aumentando a conectividade entre diferentes áreas do cérebro, o que pode ajudar a melhorar o raciocínio e a criatividade.

Nas páginas dos livros, o leitor mergulha no texto e se confunde com ele, em busca de seu sentido. Experimenta novas experiências, conhece mais do mundo, já que a leitura permite a reflexão. Nesse momento, histórias de super-heróis podem tornar-se reais e as estrelas por detrás das nuvens podem ser acariciadas se quiser. O fato é que quem aprende a ler, aprende a alcançar o inalcançável. Aprende de forma contínua e diária. Conforme disse Leonardo Da Vinci, “a mente nunca cansa de aprender”, por isso quem lê, vive relendo e escrevendo novos contextos.

Na releitura da leitura, conclui-se que o ato de aprender a ler é o passaporte para o crescimento humano e que a leitura é a simbolização do mundo. Ler não empobrece, não machuca e não retalha ideias, quem lê não se arrepende de aprender a reler sua própria história estampada em tantas outras, engrandece sua consciência e nunca se cansa das aprendizagens da vida. A leitura faz do leitor o coautor de sua própria existência.

Assim, em um mundo cada vez mais conectado e digital, onde a atenção é disputada por telas e notificações constantes, a leitura emerge como um refúgio para manter a mente ativa e saudável, tornando-se um passaporte para a imaginação. Por isso, embarque nessa viagem! Mais do que uma ferramenta para decodificar palavras, a leitura é um processo multifacetado que contribui para o desenvolvimento intelectual, emocional e social do indivíduo. Portanto, ficar sem ler? Deus me LIVRO!!!

Notas

1 Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
2 Wolf, M. O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era. São Paulo: Editora Sextante.