Não sei como era em Sampa nesta época, mas a minha lembrança de início de chuva, na minha infância e adolescência em Salvador, é de cheiro de terra molhada. Me recordo da deliciosa sensação de estar assistindo uma sessão da tarde, ouvir os primeiros pingos de chuva e logo em seguida subir aquele cheiro de terra molhada. Atualmente não percebo mais este cheiro, talvez esteja insensível ou seja o excesso de asfalto e concreto da cidade, mas, de fato, não mais percebo aquele delicioso aroma.

Creio que os jovens atuais não guardarão esta doce recordação da chuva da sua infância e adolescência, ao menos uma boa parte dos de São Paulo. Ao contrário, para eles talvez a chuva esteja mais atrelada a apreensão, ansiedade de que algo ruim virá.

Há alguns anos quando entravámos na época das tempestades de verão, o nosso temor eram os raios, engarrafamentos, alagamentos, quedas de árvores e semáforos no amarelo piscante. Não sei a razão, mas os semáforos em São Paulo não são a prova de chuva ou são programados para mudarem o seu padrão de funcionamento para amarelo piscante todas as vezes que chove.

Tempos depois esta lista evoluiu e passou a constar a interrupção esporádica da energia elétrica. A justificativa todos conhecemos: raios e árvores caídas!

Costumamos dizer que o nosso pet avisa com uma boa antecedência a chegada da chuva, pois ele morre de medo do clarão dos raios e do barulho dos trovões. Creio que em uma ou duas horas de antecedência já sabemos que uma chuva ou tempestade se aproxima, pois ele muda de comportamento. Começa a ficar apreensivo olhando para as janelas de orelhas em pé, em posição de alerta.

Atualmente parece que a energia elétrica em São Paulo tem o mesmo comportamento. Se um vento mais forte invade um bairro de São Paulo, a luz já dá uma primeira piscada. Cai e volta, como se fosse um aviso do que se acerca. Quando o vento se intensifica, mesmo sem a chuva ainda, automaticamente podemos ser surpreendidos pela queda total da energia. Às vezes a chuva não dura mais do que dez minutos, intensa, forte, com raios e trovões, porém rápida. Mas, não importa, a luz se despedirá pelas próximas duas, três, quatro horas, um dia, dois, três... É uma loteria!

A empresa de energia da cidade informa que a interrupção foi em decorrência dos raios e árvores caídas e, que apenas a prefeitura pode retirar as árvores caídas. A prefeitura esclarece que para retirar as árvores necessita que a empresa de energia desenergize o poste, os fios etc. Uma chega num horário, a outra em outro. Não se encontram. Volta o processo burocrático das solicitações. Ficamos na dependência de ocorrer uma conjunção astral, daí quem sabe eles se encontram e o serviço é executado.

Agora, temos até um novo padrão: Se o serviço de meteorologia emite um boletim alertando sobre o risco de fortes ventos e chuva é possível sermos informados pela empresa de energia que haverá riscos de queda no fornecimento.

Em nossa casa temos um aparato de sobrevivência: velas, lanternas e, pasmem: lampiões! Sim, lampiões a querosene! Ainda bem que atualmente existem versões com cheiro de citronela. Falta luz e começamos a distribuir o aparato pela casa. Ah! Sempre lembrar de outras regrinhas de sobrevivência:

  • Evitar abrir a geladeira e freezer para que tudo lá dentro se conserve por mais tempo;
  • Se a luz não retornar em um dia e a empresa de energia não informar a previsão de retorno, sair para comprar gelo para manter os seus itens congelados;
  • Sempre que possível retirar os aparelhos das tomadas, pois a luz volta e cai algumas vezes, antes de cair ou retornar de uma vez;
  • Ligar, entrar no site da empresa ou mandar sinal de fumaça para informar que estamos sem energia. Importante ter em mãos o seu número de cliente;
  • Se o seu condomínio possui gerador para áreas comuns e elevadores, buscar se há alguma tomada disponível para carregar os celulares;
  • Se o seu condomínio não possuir gerador, então deve carregar o celular no carro;
  • Se não tiver nenhuma dessas opções, resta buscar um shopping ou algum estabelecimento público mais próximo para carregar o celular;
  • Em caso de queima de eletrônicos e eletrodomésticos entrar na ‘Via Crúcis’ de solicitar o reembolso da empresa de energia.

Enquanto a agenda global passa por temas da ESG (Environmental, Social and Governance – ou práticas ambientais, sociais e de governança), o desespero e a sensação de abandono faz com que as pessoas que vivem em condomínios passem a discutir a necessidade de instalação de geradores de energia, movidos a combustíveis fóssil, que atenda a todas as unidades e não apenas as áreas comuns e elevadores ou, que, minimamente, atenda a área da cozinha para que não se perca os itens ali armazenados.

Talvez este seja um bom exemplo da completa falta de coordenação do mundo atual: cidadãos, empresas e governos alinhados num discurso ESG, porém sem nenhum afinamento na prática!

Tento imaginar o lado bom de acender um candeeiro relembrando e contando as histórias da antiga residência dos meus avós que usávamos como casa de veraneio. A luz do pequeno vilarejo era fornecida por um gerador que operava das 18:00 às 22:00 e quando ia se apagar dava primeiro três sinais e na sequência se ia. Neste momento, para o azar da minha avó, nós, os netos, começávamos uma completa algazarra com gritos, gargalhadas, corre-corre e travesseiros arremessados.

Mas após o retorno definitivo da luz tomo consciência que, assim como o nosso pet, também nos transformamos em pessoas apreensivas todas as vezes que uma chuva, vento ou tempestade se anuncia. Então, com tristeza, volto a lembrar da saudade quando a chuva me trazia apenas uma boa sensação:

O cheiro da terra molhada!