Quando fiz 40, há uns anos, tive a alegria de passear em Madrid. Rapidinho. Aproveitei uma vantagem de ser companheira de comissário de bordo, naquela altura, e... alô, terra de Cervantes, aí vou estar!

A Espanha tem um encanto especial que eu não sei explicar. Nunca lá tinha estado e não tenho laço algum com aquelas terras. Enquanto escrevo escuto as castanholas e o vermelho vibrante que canta por todo lado em minha mente. Um vermelho de saudade.

Cheguei! Eu queria sair e curtir tudo o que caberia naquele breve espaço de tempo marcado no calendário do mês de maio.

Gosto de andar a pé. Ver tudo da calçada, chegar perto, sentir os cheiros, parar em praças e parques. O centro histórico de Madrid é convidativo e sedutor. Construções e concreto, flores, plantas e árvores passeiam em contraste espontâneo em cada canto que eu apreciava. Para mim, já estava tudo uma delícia e olha que eu fiquei no básico (conheci os lugares próximos uns dos outros para facilitar) por causa do tempo...

A Plaza Mayor, imponente retângulo com pórticos, tem Felipe III a cavalo bem no meio (pelo que li, uma das artes de maior valor que se encontra nas ruas de Madrid), estava cheia de gente, pois é o coração de Madrid, a parte velha da cidade. Historicamente, nestes terrenos encontrava-se o mercado mais popular da vila e o nome era Plaza del Arrabal. A energia do antigo mercado ainda está lá, nos bares, lojas e todo comércio. Sem contar o encanto natural que estes bairros antigos respiram. A primeira coisa que vejo nas muitas casas de artigos turísticos: vários odres, de tamanhos e peles diversas. Lembrei-me do meu pai, inevitavelmente. Ele tinha um da Pamplona. Deveria ter ganhado de alguém. E por lembrar do pai, começamos bem com cerveja acompanhada de tapas.

A Plaza del Oriente tem Felipe IV ao centro. Em volta desta simpática praça estão as estátuas de parte da realeza espanhola que coroaram o Palácio Real. Dentre as obras de arte está Rainha Sancha de León. E não que eu saiba sobre ela, mas acho curioso contar que este não é um nome comum e eu conheci uma querida, também mineira, com o raro nome. Tirei fotos com a xará da saudosa d. Sancha Boaventura.

A Plaza del Oriente é uma delícia para descansar e apreciar as suas jardineiras. Não que eu quisesse descansar, mas apreciar as flores, com certeza! Dediquei um tempo especial para isso. De um lado desta praça está o Palácio Real e, do outro, o Teatro Real. Também na referida praça há o solar onde Velázquez viveu. Três edifícios emblemáticos que eu não explorei. Apenas uma piscadinha.

O Mercado de San Miguel situado na praça de mesmo nome é um exagero. Sua estrutura em ferro de 1916 foi mantida nas reformas ao longo do tempo e hoje é um charmoso mercado gourmet. Ele encanta pela beleza, e seus postos nos fisgam rapidamente. Tapas, queijos, jamón, frutas, verduras e doces, de toda parte da Espanha! Eu degustei tudo. Todos os mimos. E mais cervejas e tapas. Ganhei uma linda rosa vermelha que até hoje não sei se foi porque o vendedor era um daqueles personagens que armam um palco para vender (e é preciso ficar livre dele rapidamente) ou se realmente queria dizer "Feliz aniversário, eu te amo." De toda forma, louca por rosas, adorei a prenda.

O Mercado de San Miguel é um conquistador. E eu não fiquei isenta. Muita alegria e calorosa receptividade (flamenco toca ao fundo no meu coração).

Em Plaza de España, Cervantes! A praça do Dom Quixote e Sancho Pança. A fonte das conchas com duas mulheres que jogam a água de uma ânfora - Fuente del nacimiento del agua ou de las Conchas - é mais um charme desta encantadora praça. Há edifícios importantes - e imponentes - que não tive oportunidade de prestar muita atenção. Dediquei-me a namorar o Monumento de Cervantes, as fontes encantadoras, além dos lindos jardins. Eu sempre me encanto com lindos jardins...

O monumento é uma homenagem ao escritor espanhol Miguel de Cervantes. Ele é a figura central do monumento, a segurar seu livro Don Quixote de la Mancha. Nas laterais, a amada Dulcineia, a imaginada e a camponesa. A sua frente, Dom Quixote e Sancho Pança. Na parte de cima do monumento, cinco mulheres leem o clássico da literatura, a representar os continentes, enquanto sustentam o mundo, a simbolizar a universalidade do romance de Cervantes. Fiquei contemplando este monumento... "A liberdade, Sancho, não é um pedaço de pão... A vida sempre nos surpreende..." (eu a contemplar). A praça não estava cheia no horário que lá estive, não tinha evento naquele dia. Pareceu-me um movimento normal. Sorte a minha.

Passei rapidamente pela Puerta del sol, um mar de gente e seus três emblemáticos points – O urso e a árvore, que é um pé de medronho (sim, um medronheiro). Aqui em Portugal fazem uma “cachaça” de medronho; na Espanha, tem licor de medronho. Li que esta imagem é um símbolo de Madrid, e uma curiosidade, não é um urso, é uma ursa. O Quilômetro Zero, que hoje se sabe que não é ponto central de Madrid e muito menos da Península Ibérica, está lá como referência histórica e todo mundo tira uma foto sobre ele. E o relógio da Casa de Correios, famoso por badalar na noite de ano novo, onde a praça fica cheia de pessoas que fazem festa e comem as uvas da sorte. Era maio, eu fiquei só imaginando mesmo...

Com o tempo que me restava teria de escolher entre o Museu do Prado e o Jardim Botânico. Optei pelo primeiro. Só de ver o Museu do Prado já é uma emoção e só de ver a fila para entrar, uma desilusão... fiquei triste, caminhei pelo adro do museu, cheguei lá na porta, mas voltei. Eu queria visitar um museu e, então, fui ao Reina Sofia. Menor (que o Prado, pelo menos), sem filas e um primor! Um centro de arte moderna inaugurado oficialmente em setembro de 1992 e que alberga El Guernica, o manifesto contra a violência, um dos mais importantes e conhecidos quadros do Picasso.

A visita ao Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia foi sensacional. A sala da Guernica, a mais requisitada. Exclusiva para a obra. Não fotografei. Fiquei ali em presença. Até hoje guardo esta memória. A declaração de guerra contra a guerra, a Espanha e sua dor. Gritos por liberdade. Para o mundo todo. Pelos pisos do museu, Dali, Miró e muitos outros - era permitido fotos, apenas a sala da Guernica, não. Passeei pelos jardins do museu, um desfrute. O dia estava lindo com o Pássaro Lunar - criatura andrógina surreal do Miró - escultura exposta no jardim e com a Carmen, peça lúdica de Alexander Calder, que brinca com a conexão da base fixa do ferro e a volatilidade colorida que dança no ar. Depois eu li que o otimismo é intrínseco a obra deste artista. Perfeito para o clima da viagem.

Quando achei que não teria tempo para mais nada, ainda fui ao Parque de El Retiro. Não o conheci em sua totalidade, optei por apreciar o lago grande (as pessoas podem passear de barquinho!) e visitar o Palácio de Cristal. O Parque do Retiro é arborizado e possui muitos jardins. Tem muitas esculturas, espaço para prática esportiva, outro palácio, o de Velázquez, e proporciona eventos relacionados à botânica e outros.

O Palácio de Cristal atualmente é usado como sala para exposições temporárias do Museu Reina Sofia. Na ocasião, a exposição era do artista visual mexicano Damián Ortega, El cohete y el abismo. Ao rever as fotos da exposição no Palácio de Cristal para escrever este texto, bateu uma saudade e junto, a essência desta exposição: os ciclos de construção, destruição e reconstrução e a passagem inexorável do tempo.

E o tempo... já são sete anos deste passeio e eu fiquei dois dias em solo espanhol, 48 horas divertidas e felizes. E no meio de tudo isso: mais cervejas, mais comida no mercado, lojinhas de artesanato e peças para turista (leque para todo lado, bandeira e cores de Espanha, touro, espanhola tradicional de vestido vermelho, castanholas e mais e mais símbolos), namoro (na ocasião, fomos sem os filhotes), metrô, hotel parceiro da companhia aérea (ostentação), risadas, fotos, as animadas vozes espanholas nos acompanhando, falando alto, e o povo agitado e caliente...

Hoje, em Portugal, fico só namorando o mapa. Alô, terra de Cervantes, aí vou estar!