Não é de hoje que a situação política do Brasil passa por “crise de identidade”, na medida em que, como sempre, há intensa troca de acusações entre o governo e a oposição. Na perspectiva mais inocente, poder-se-ia dizer que a culpa é toda do governo. No entanto, tal perspectiva é quase inexistente. Hoje em dia, está ainda mais difícil “tirar do buraco” a imagem política brasileira, porque a roubalheira, há muito tempo, deixou de ser crime (algo que, independentemente da frequência, ainda tem controle) para ser cultural. Ou seja, ajudou a construir o imaginário realista de que o Brasil não é um país desenvolvido porque não sabe distribuir renda, a diferença entre as classes é “infinita”. E, com a quantia assustadora que arrecada, o governo poderia fazer muito mais pelo país, mas não faz ou porque tem que “tapar os buracos” ou desvia dinheiro popular para benefício próprio.

Assim, na perspectiva política, a gestão governamental do país, pode ser comparada a uma gestão informal de boteco. Digo informal, porque é uma gestão despreparada, sem noções administrativas e muito menos de como gerir o negócio. Assim, de maneira geral, é o padrão dos governos que assumem a nação. Pois, planejam mal sua gestão, roubam sempre, tapam buraco com aumento dos preços e não retribuem em favor da população. Do ponto de vista econômico, por exemplo, tal analogia fica ainda mais clara. O Brasil é um dos únicos países (se não o único) onde se pode comprar e pagar depois (bem depois, na verdade), com a função crédito ou os carnês de pagamento. É como se no boteco, os clientes comprassem mais fiado (pago na próxima, anota que depois eu passo pagar), hábito típico de “comércios da vizinhança”, mas que, do ponto de vista moral, é crime.

Além disso, o brasileiro ainda tem o péssimo costume de criticar o governo como se o povo fosse perfeito. Mas, quando uma sociedade, mesmo que “irrelevante” nacionalmente, permite a “filosofia do fiado”, perde o direito de criticar, uma vez que, nela mesma, evidencia-se a mesma prática (claro, em “mínimos” padrões, mas existe).

Dessa maneira, ainda sob o ponto de vista econômico, a melhor solução seria abolir o crediário, o cartão de crédito, permanecendo somente a forma correta, o “compro, pois pago agora”, o débito. Seria já um enorme passo que, mesmo que à médio prazo, incentivaria o povo a não cometer mais “pequenos furtos”, tendo, por consequência, total razão em criticar.

Mas, vale lembrar, a partir do momento em que o roubo ajudou a construir o imaginário político-social do país, foi-se “por água abaixo” toda e qualquer solução “simples” (de curto prazo” de conscientização social pela justiça “econômica” e o primeiro passo para a igualdade social).

Portanto, enquanto uma prática que interrelaciona práticas culturais com cultura política, tem-se ciência do porquê as escolhas políticas nacionais refletem práticas de pouca confiança e transparência. Sem mencionar, como praxe distorcida entre “o que falar para convencer a população” e o que será feito (independente se for por problemas de planejamento, preparo político ou falha moral), fato é que, a filosofia de boteco, o clássico jeitinho brasileiro transparece na história política do Brasil como um retrato autêntico dos hábitos culturais da população.

Como uma prática enraizada no seio da cultura sociopolítica do país, temos ciência de que não basta a troca do comando político. É preciso ir além. Campanhas de educação política precisam ser incentivadas não apenas para conscientizar de que a obrigatoriedade do voto não deve recair como uma penitência, um sacrifício, mesmo que tenha respaldo histórico. Nesse sentido, assim como no esporte (a exemplo do futebol, que quando o time não corresponde em campo é o técnico e sua comissão que pagam com o emprego tal resultado), na política há medidas extremas como o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e, no início dos anos noventa, de Fernando Collor de Melo, são atitudes que pouco surtem efeito se não houver mudança na educação política da população civil ativa.