Tendo como recorte o início da carreira de Gal Costa, o filme busca explorar a sua ida para São Paulo e Rio de Janeiro, onde reencontra seus amigos baianos Gilberto Gil, Caetano Veloso e Maria Bethânia, interpretados respectivamente por Dan Ferreira, Rodrigo Lélis e Dandara Ferreira, que já vinham realizando trabalhos reconhecidos pela crítica.

O fato do filme abordar apenas uma pequena parte da vida de Gal pode soar estranho e incômodo para alguns fãs, que foram aos cinemas com a expectativa de encontrar uma cinebiografia. Entretanto, o objetivo da diretora Dandara Ferreira era, justamente, focar nas mudanças ocorridas na vida pessoal e profissional da cantora com o começo da fama.

Interpretada por Sophie Charlotte, escolha da própria Gal Costa, a cena que abre o filme é da estreia do famoso show Fa-Tal, que ocorreu em outubro de 1971, na inauguração do teatro Tereza Raquel, em Copacabana. Em seguida, voltamos no tempo com uma Gal adolescente, treinando a emissão de sua voz dentro de uma panela, fato que foi diversas vezes citado pela cantora em suas entrevistas.

O período em que a história se passa é um dos mais importantes na cultura brasileira, assim como um dos mais difíceis e sombrios, devido ao golpe militar instaurado. Ao mesmo tempo em que havia um movimento de valorização da cultura nacional por meio das classes artísticas, também havia uma censura desmedida que tentava a todo custo calar qualquer tipo de manifestação a favor da liberdade.

Essa mudança de comportamento e atitudes que ocorriam na vida dos brasileiros, se faz presente, também, na vida de Gal. Saída da Bahia uma menina muito tímida e reservada, ela se vê tendo que sair de sua zona de conforto e revelando-se um dos maiores símbolos femininos da época.

Introduzida num ambiente de muita liberdade, o choque cultural causa certa resistência e medo na cantora. Gal não tem outra saída a não ser se adaptar à sua nova realidade na capital, que vai desde a mudança do nome artístico, que passou de Maria da Graça para Gal Costa, até a mudança de atitude e visual.

Uma das viradas de chave em sua carreira que o filme aborda com maior profundidade é, justamente, quando ela começa a atender tudo o que está acontecendo no país. Enquanto Gil e Caetano eram engajados politicamente, Gal só tinha uma única preocupação: cantar. Mas com a repressão ficando cada vez mais forte e perseguindo seus amigos, ela entende que não podia se dar ao luxo de permanecer neutra.

Com sua participação na Tropicália, aquela cantora tímida e acanhada, passa a tomar uma posição mais agressiva e ousada em suas apresentações, como no 4º Festival de MPB da TV Record, em 1968, cantando Divino, Maravilhoso.

Para além da vida profissional, o filme se preocupa em mostrar a influência e importância de certas figuras na vida pessoal de Gal, como seu empresário Guilherme Araújo, um dos principais responsáveis pelo seu sucesso, sua melhor amiga Dedé Gadelha, também esposa de Caetano, e sua mãe, Dona Mariah.

Mesmo que não gostasse de falar sobre sua vida amorosa, fato que também está presente em uma das passagens do filme, a diretora aborda esse lado da vida de Gal de maneira muito sutil. Sua bissexualidade é exposta de maneira natural e sem a necessidade de grandes aprofundamentos.

O longa consegue cumprir seu objetivo ao reunir os episódios mais relevantes que a levaram a ser uma das maiores cantoras do país. Com o exílio de Gil e Caetano, Gal acaba se tornando a representante do movimento da Tropicália e da resistência contra os padrões impostos pelo governo militar.

Com sua morte antes da estréia do filme, este acaba se tornando uma homenagem para a artista. Gal deixa um legado enorme, com canções que marcaram vidas e uma voz que sempre será a mãe de todas as vozes.