…The remedy lies in breaking the vicious circle and restoring the confidence of the European people in the economic future of their own countries and of Europe as a whole.

(George C. Marshall, U.S. Secretary of State. Harvard University, 5 June, 1947)

[…A solução reside em quebrar o círculo vicioso e restaurar a confiança dos povos europeus no futuro económico dos seus próprios países e da Europa como um todo.]

(George C. Marshall, Secretário de Estado dos EUA. Universidade de Harvard, 5 de junho de 1947)

Neste novo artigo apresento a Europa pós Segunda Guerra Mundial, na sua forma política e económica, sem esquecer toda a mudança de status-quo que ocorreu na segunda metade do século XX. A concentração do poder hegemónico em blocos antagónicos levou à criação do Plano Marshall, um plano de ajuda essencialmente económica mas que tinha subjacente toda uma estratégia política por parte da administração Truman.

Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, a Europa apresentava-se como um continente completamente devastado. O conflito militar que durou de 1939 a 1945 teve um efeito trágico por todo o mundo, quer em perdas humanas, económicas ou materiais. Com a vitória das forças aliadas deu-se a dissolução do Terceiro Reich, do Império do Japão e do Império Italiano, mas também o enfraquecimento do Reino Unido, já para não falar da França, que havia sido rapidamente neutralizada pelas forças alemãs.

É neste contexto de vitória por parte das forças aliadas, mas de fragilidade das outrora grandes potências europeias, que surgem as duas grandes nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). As duas nações vão iniciar entre si um conflito de ordem política, militar, económica, tecnológica, social e ideológica, sendo que esta disputa vai ultrapassar as suas próprias fronteiras e repercutir-se por todas as suas zonas de influência. A este período que dura de 1945 a 1991 dá-se o nome de Guerra Fria e vai dividir o mundo entre dois blocos, o do capitalismo, representado pelos EUA, e o do socialismo, caracterizado pela URSS – o leitor deve ter em conta que a partir dos anos 60 há uma divisão do bloco socialista.

Ainda neste contexto da Guerra Fria surge o movimento dos chamados países não-alinhados – países que se mantiveram fora do conflito demarcando a sua posição em relação aos blocos pró-URSS ou pró-EUA. Mais tarde acabaram por formar um terceiro bloco que consistia na representação de países neutros ao conflito, o Movimento Não Alinhado.

É de notar que a aliança entre os aliados ocidentais e a URSS já se tinha começado a deteriorar devido às inúmeras divergências que opunham os dois tipos de liderança. A Alemanha acaba assim dividida em dois Estados independentes, a República Federal da Alemanha (RFA) - aliados ocidentais - e a República Democrática Alemã (RDA), notoriamente soviética. Além da Alemanha também toda a Europa acaba por ser dividida em esferas de influência ocidentais e soviéticas. A divisão pós-guerra do mundo foi formalizada por duas alianças militares internacionais, a NATO, liderada pelos EUA, e o Pacto de Varsóvia, liderado pela URSS. Devido ao conflito militar ocorrido a economia mundial sofreu grandes reveses, apesar de os participantes da Segunda Guerra Mundial terem sido afetados de forma diferente. Tendo em conta a grande interdependência do comércio internacional, este levou à estagnação da economia europeia e ao atraso no que se refere à recuperação por parte do continente europeu. Esta fragilização por parte das nações europeias permitiu que os EUA promovessem planos de apoios económicos à Europa aliada, para que estes países se reconstruíssem e mostrassem as vantagens do capitalismo ao invés do socialismo. Assim, a 5 de Junho de 1947, o então recente Secretário de Estado dos Estados Unidos, George Marshall, propõe a criação de um amplo plano económico, que viria a ser conhecido através do nome de Plano Marshall.

Estas resoluções eram, na verdade, um aprofundamento da Doutrina Truman - conjunto de ações a nível mundial por parte do governo norte-americano, no período da Guerra Fria, que procuravam conter a expansão do comunismo junto das nações mais fragilizadas do sistema capitalista. A Doutrina Truman provém do presidente norte-americano Harry Truman, que expôs a 12 de Março de 1947, diante do Congresso Nacional dos EUA, um discurso afamado assumindo o compromisso de "defender o mundo livre contra a ameaça comunista." É então, na sequência da Doutrina Truman, que vai surgir o Plano Marshall sendo que este, resumidamente, consistia na concessão de vários empréstimos com juros baixos e alguns investimentos públicos de forma a facilitar o fim da crise na Europa Ocidental e impelir a ameaça do socialismo entre a população descontente.

A Europa enfrentava então cada vez mais manifestações de contestação em relação aos governos nomeados. O Plano Marshall é criado após uma análise detalhada por parte dos EUA no que respeita à crise vivida na Europa, tendo estes concluído que tamanha recessão punha efetivamente em risco todo o futuro do capitalismo, algo que poderia originar uma expansão do comunismo. O plano de reconstrução foi desenvolvido num encontro de vários Estados europeus em Julho de 1947. Tanto a URSS como os diversos Estados da Europa Oriental foram convidados mas, depois de alguns reveses, Josef Stalin, líder da União Soviética, entendeu o plano como uma ameaça e não permitiu a participação de nenhum dos países que se encontravam sob domínio soviético. O Plano Marshall, oficialmente conhecido como Programa de Recuperação Europeia, teve a duração de quatro anos e inicialmente os recursos foram utilizados para comprar alimentos, rações e fertilizantes para reaver a agricultura. Posteriormente os países europeus foram adquirindo matérias-primas, produtos semi-industrializados, máquinas e combustíveis. Quando o Plano Marshall terminou, a economia dos países que tinham recebido ajuda dos EUA, com exceção da Alemanha, tinha crescido acima dos níveis anteriores ao conflito. Nas décadas que se seguiram, a Europa aliada conheceu um crescimento interessante e uma prosperidade que não se antevia antes do plano lançado por George Marshall.

A necessidade da aceitação de parcerias transatlânticas e o estabelecimento de diversas empresas norte-americanas no continente europeu é uma realidade atual mas que conheceu o seu grande momento expansionista no pós-guerra, com a administração Truman a saber aproveitar a situação desfavorável que a Europa enfrentava, fornecendo uma ajuda preciosa para a reconstrução das diversas nações afetadas mas, ao mesmo tempo, garantindo o controlo de diversos mercados por parte do governo e empresas norte-americanas. Aproximadamente 70% dos bens existentes na Europa tinham origem nos Estados Unidos, sendo que estes, após a criação da NATO, procuraram garantir ainda mais a exportação dos seus excedentes para o mercado europeu, originando uma situação extremamente favorável para a sua economia enquanto crescia a hegemonia económica norte-americana no continente europeu.

De referir também que os grandes beneficiários foram, de longe, o Reino Unido e a França, sendo que esta viria a criar o seu próprio plano de ajuda, o Plano Monnet. O Plano Marshall tinha implícito, segundo o próprio idealizador afirmou, o princípio de acabar de vez com o círculo vicioso que se fazia sentir na Europa e restaurar a confiança dos vários povos europeus no futuro da sua economia e na visão de uma Europa unida, perspetivando o continente europeu como um todo e não como um conjunto de nações que, desde sempre, se haviam digladiado por forma a garantir a sua superioridade individual. Apesar do bilateralismo mundial que se verificou até aos anos 90, podemos verificar que se deu a tentativa de acabar com os conflitos na Europa e passar de um sistema predominantemente bilateral, onde parte dessa fração correspondia aos EUA, para um sistema visivelmente multilateral. Seguindo o pensamento de Tony Judt (Pós-Guerra - História da Europa desde 1945) podemos facilmente concluir que, após o exposto, o Plano Marshall foi sem dúvida um programa de recuperação a nível económico mas teve sempre como finalidade evitar o aparecimento de uma ou mais crises políticas.

Observado todo o processo do pós-guerra e que levou à intervenção económica dos EUA na Europa, é fundamental observar que os pilares de uma Europa reerguida somente poderiam ser forjados através da reconciliação entre a França e a República Federal Alemã, sendo que um dos objetivos futuros passava pela união da RFA e da RDA, para que a Alemanha pudesse novamente ser uma grande potência e um esteio do velho continente segundo os princípios democráticos e capitalistas ocidentais. Podemos contudo constatar que no final da Segunda Guerra Mundial, a reconciliação franco-alemã, que todos consideravam como condição necessária à paz na Europa, parecia incerta.

A política levada a cabo pelo governo francês procurava, por diversas razões históricas que haviam culminado nas duas Grandes Guerras, impedir a ascensão alemã, e o sentimento antifrancês era muito forte na Alemanha, principalmente na área de ocupação francesa. No decorrer do longo e árduo processo de reconciliação e, não menos importante, de cooperação franco-alemã, foram várias as datas a registar. Robert Schuman, ministro francês dos Negócios Estrangeiros, em Maio de 1950, pronunciou o inovador conceito de construção da Europa “passo a passo”, a visão e a ideia de uma Europa organizada, requisito indispensável para a manutenção de relações pacíficas entre todos os Estados europeus. Esta proposta visava a meta da criação de uma Europa organizada, como já foi dito anteriormente, mas também a ideia de uma Europa unida. A asserção enunciada por Schuman e arquitetada pelo político francês Jean Monnet, conhecida como Declaração Schuman, é considerada o começo do que é hoje a União Europeia. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), criada em 1951, foi sem dúvida um marco no processo da reconciliação franco-alemã e provavelmente serviu não só a intenção de uma integração económica, como era intento do plano traçado pela Doutrina Truman, mas também a prevenção de uma eventual Terceira Guerra Mundial, fazendo da França e da Alemanha Ocidental dois dos seis pilares/países desta nova ideia de Europa. Desde então, as relações políticas e culturais só se têm intensificado. Os Tratados de Roma, atualmente conhecidos como Tratado Constitutivo da Comunidade Europeia, assinados em 1957, simbolizam a reconciliação e cooperação franco-alemã como condição e motor da construção europeia. Esta teve início com a criação da CECA após diversas tentativas do Chanceler Konrad Adenauer e de Robert Schuman de aproximar a RFA e a França, criando a integração política e económica dos países da Europa Ocidental, integração essa também desejada pelos EUA e preconizada pelo Plano Marshall. Podemos considerar a CECA como a primeira instituição europeia onde existiu realmente a transferência dos direitos de soberania de alguns Estados para uma instituição europeia ou supranacional.

A 22 de Janeiro de 1963, Adenauer e Charles de Gaulle, assinaram o Tratado de Cooperação Franco-Alemã, também conhecido como Tratado do Eliseu. O Tratado tem três objetivos: firmar simbolicamente a reconciliação franco-alemã, fomentar uma verdadeira amizade entre ambos os países e incentivar a construção de uma Europa unida. O Tratado estabelece ainda uma agenda vinculativa de encontros regulares entre os diversos gabinetes com o objetivo de criar uma constante dinâmica de colaboração entre os dois países.

Caro leitor, observando o que foi enunciado é importante recordar que esta aproximação, que posteriormente deu lugar a uma reconciliação franco-alemã, teve como ponto de partida a reabilitação político-económica levada a cabo pelos EUA e aceita por diversos Estados europeus através do Plano Marshall. Analisando toda a evolução do continente europeu pós Segunda Grande Guerra constatamos que, na realidade, o Plano Marshall acabou por impulsionar iniciativas franco-alemãs que resultaram nos grandes avanços da construção europeia, como são os casos da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, do Tratado Constitutivo da Comunidade Europeia, do Ato Único Europeu, do Tratado de Maastricht, ou do Tratado de Lisboa. Com o impulso crucial do Plano Marshall, a sagacidade de Schuman e Monnet, a persistência de Adenauer e a conivência de Charles de Gaulle, tornou-se possível a tão desejada reconciliação franco-alemã. Esta forma atualmente, no decorrer do século XXI, o motor de uma Europa algo fragilizada, para mais com a guerra que se verifica na Ucrânia após a invasão russa, mas, ainda assim, deu origem ao nascimento do Euro, do Espaço Schengen e de uma Política Externa e de Segurança Comum (PESC).

Os princípios fundamentais do Plano Marshall de criar uma Europa economicamente forte, estável e viável através da união dos seus Estados constituintes, anulando barreiras e criando instituições para coordenar a economia, tiveram na reconciliação franco-alemã a base de toda uma estratégia que, "passo a passo", tem vindo a manter a Europa unida e num rumo que esperamos que seja o correto.