Quando eu tinha 11 anos de idade eu li o primeiro livro da saga Harry Potter. Tendo em vista a fama justificável dessa história, não preciso dizer que os próximos 6 livros foram devorados em pouquíssimo tempo.

A partir desse momento, deu-se início a uma jornada. Clássicos, biografias adolescentes, ficções, não ficções e momentos de ressaca literária também permearam meu relacionamento com os livros. Inclusive, acredito que eles tenham tido um grande papel na minha decisão de ser jornalista.

Não foi muito interessante ver, ao final dos meus quase 5 anos de curso, que o mercado editorial estava abalado. As revistas em sua maioria fecharam ou reduziram significativamente suas equipes de redação, e suas estratégias mudaram para uma atuação maior como plataforma digital.

E esse movimento de transformação também chegou na indústria literária.

Acredito que a rápida adaptação à novas realidades cria a sustentabilidade de atuação de negócios e pessoas.

É normal que a transformação digital gere uma nova forma de consumo em relação aos padrões anteriores. Com o impacto do mercado editorial e de conteúdos impressos, veio uma nova forma de leitura: os e-books.

Em 2012, a Livraria Cultura comercializou o primeiro e-reader (dispositivo para leitura de livros eletrônicos), propagando, junto com a Amazon, a cultura dos e-books no Brasil.

Recentemente, a mesma livraria Cultura, uma das mais tradicionais do país, com 70 anos de história, declarou falência pela segunda vez.

No começo de 2023, 10 anos depois da primeira venda do e-reader, a rede ameaçou fechar as portas com a falência decretada pela justiça, mas entrou com o pedido de recuperação judicial que foi invalidado há poucos dias.

O futuro dessa livraria em específico é incerto, mas mesmo para os que não são fãs da leitura é triste ver um grande espaço cultural, marco da cidade de São Paulo, ameaçado. Será que a realidade da livraria Cultural é um espelho do mercado literário?

Avaliemos alguns números.

Durante o primeiro ano da pandemia do COVID-19, a venda de livros digitais no Brasil deu um salto, uma alternativa clara para os tempos de quarentena. Foram vendidos 83% mais e-books do que no ano anterior (2019).

As vendas de livros físicos obviamente caíram durante o mesmo ano de 2020. A queda foi de mais ou menos 20%. Mas já em 2021, houve um crescimento de 30% em relação a 2020, ultrapassando, inclusive, os anos anteriores à pandemia.

A Associação Nacional de Livrarias (ANL) ainda afirmou que no ano passado (2022) mais livrarias foram inauguradas do que fechadas. O maior índice de encerramento foi entre as livrarias grandes e de rede, enquanto as inaugurações ficaram por conta de livrarias menores e mais intimistas.

Impressionantemente, os livros físicos também tiveram crescimento. No ano de 2022, de acordo com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), houve um aumento de quase 3% na venda de livros físicos.

Em suma, apenas 6% do mercado literário do Brasil é composto por conteúdo digital, dado que enfraquece a teoria de que os livros físicos perderam o seu espaço.

Recorte interessante: mesmo na China, país altamente tecnológico e com o histórico de e-books ainda mais antigo do que o nosso, a leitura de livros digitais não se equipara a do livro impresso, com uma diferença de 7,6% a menos de venda.

A leitura de um livro pode ser representada por diferentes fatores para quem o faz. A capa do livro, a textura da página, o cheiro do papel, o uso de marcadores simbólicos e outras particularidades características que fazem da leitura de um livro físico uma experiência única.

Um ponto interessante é que a cultura dos e-books também beneficiou o mercado literário. Hoje, a Amazon tem um programa chamado Kindle Direct Publishing (KDP) que permite a publicação gratuita de livros por qualquer pessoa, proporcionando espaço para autores que poderiam não ter a chance de divulgar suas obras.

O mundo está cada vez mais híbrido. A coexistência de comportamentos tradicionais junto de novas condutas é essencial para lidarmos com as transformações aceleradas.