Ao visitar a Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro mergulhei em sua história e me transportei para outras inesquecíveis bibliotecas da Humanidade. Caminhando pelos corredores e estantes, eu me encontrei com outra mulher fazendo o mesmo em outra grande biblioteca, do outro lado do mundo: Hipátia, na Biblioteca de Alexandria.

Hipátia viveu por volta do ano 360 em Alexandria, atual Egito, e vivia mergulhada naquela que é considerada a biblioteca mais antiga do mundo, o que a possibilitou tornar-se a primeira mulher matemática do mundo e uma referência em estudos de Filosofia, Astronomia e Medicina. Hipátia trilhou um caminho intelectual diferenciado das mulheres de seu tempo. Estudou na Grécia e tornou-se professora da Academia e Museu de Alexandria, além de conselheira de políticos importantes do Império Romano. Sempre que penso na Biblioteca de Alexandria, eu a vejo desbravando seus livros.

Com Hipátia ao meu lado como fonte de inspiração, fomos juntas descobrir a História das bibliotecas e, especialmente, daquela que se apresentava a mim de forma tão impactante: a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

A palavra Biblioteca nos remete à ideia de um lugar onde se guardam livros, normalmente aberto ao público em geral. Hoje esse conceito foi bastante ampliado e sabemos que nem sempre foi assim. Na maior parte da História, eram lugares fechados e acessíveis apenas a uns poucos estudiosos. Hipátia viveu essa época e era uma das estudiosas que frequentou a Biblioteca de Alexandria. É um privilégio viver em um tempo em que as bibliotecas se abrem para quem quiser acessá-las.

A humanidade sempre buscou registrar e resguardar o seu conhecimento nos suportes que lhe estavam disponíveis: das pinturas rupestres aos registros digitais. As primeiras bibliotecas surgiram no Oriente e eram locais onde se guardavam as tabuletas de argila nas quais se faziam os registros escritos. O uso dos pergaminhos no Mundo Antigo disseminou muito a escrita e fez surgir espaços mais próximos das atuais bibliotecas.

A biblioteca reconhecida como a mais antiga da Humanidade e que era praticamente a casa de Hipátia era a “Biblioteca de Alexandria”, mas havia muitas outras na Antiguidade como a de Nínive no atual Iraque e a de Pérgamo na atual Turquia. Em Roma havia grandes bibliotecas particulares, fruto de saques de guerra, como a Vila dos Papiros descoberta sob as cinzas do Vesúvio. Também em Roma surgiram as primeiras experiências próximas do que chamamos atualmente de Bibliotecas Públicas.

Infelizmente todas as gigantescas bibliotecas da Antiguidade foram destruídas por incêndios, guerras e catástrofes naturais e políticas. Assim ocorreu com a Biblioteca de Hipátia, ou melhor, a Biblioteca de Alexandria. Junto com os incêndios e saques, a maior parte da produção dessa grande intelectual e pensadora foi perdida. Se hoje conhecemos um pouco do que pensou e escreveu, devemos à correspondência que trocou com um de seus muitos alunos: o filósofo Sinésio de Cirene.

Durante a Idade Média, todo o acervo bibliográfico ficou longe da população, restrito e protegido nos mosteiros e conventos. Os monges copistas foram responsáveis por reproduzir manualmente obras únicas. O livro e o filme “O nome da Rosa” de Humberto Eco mostram bem a aura e a importância das bibliotecas medievais.

No século XIII, com o ressurgimento das cidades e nascimento das primeiras universidades, as bibliotecas foram reabertas à consulta e disseminadas por diversos países. No século XV ocorreu uma das maiores revoluções da Humanidade: a invenção da imprensa por Johannes Gutemberg. Este alemão, leitor voraz, criou um sistema mecânico de tipos de caracteres móveis que permitiu a produção de livros em massa, tornando-os mais baratos e acessíveis à população. Gutemberg possibilitou a circulação do conhecimento e a ampliação dos acervos das bibliotecas de todo o mundo. A partir daí, surgiram grandes bibliotecas reais, religiosas e universitárias que estão em funcionamento até hoje e que introduziram um caráter democrático e acessível ao público.

Em Portugal, a Família Real formou ao longo dos anos uma considerável biblioteca, a Livraria d’El Rei, mas grande parte de seu acervo foi perdido no grande incêndio provocado pelo terremoto que destruiu Lisboa em 1755. O pouco que sobrou foi o começo daquela que se tornaria a nossa Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.

Incêndios foram cruéis com as bibliotecas ao longo da História e Hipáfia foi testemunha disso. A Biblioteca de Alexandria sofreu incêndios que destruíram as obras escritas e consultadas por ela. Mas guerras e conflitos políticos e religiosos foram os maiores responsáveis pela destruição da biblioteca e da própria vida de Hipátia. Ela foi assassinada e linchada nas ruas de Alexandria por cristãos que a consideravam uma traidora por lecionar para alunos de todas as religiões e por não abandonar sua fé pagã. A intolerância religiosa sempre foi inimiga da razão, da humanidade e da sabedoria.

Voltando a nossa História, o movimento de reconstrução de Lisboa após o terremoto previa a recomposição do acervo e a criação da Real Biblioteca de Ajuda, o que foi feito com numerosas aquisições e doações. Mas a invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte em 1808 mudou o rumo dessa História, trazendo o acervo dessa biblioteca para o Brasil. Mas, antes disso, enfrentou muitos percalços.

Como se sabe, a Família Real partiu de Portugal rumo ao Brasil às pressas e de forma bastante tumultuada. Toda a sede de um governo foi transferida de um continente para o outro em 36 navios em fuga. Cerca de 5 a 15 mil pessoas e todo o aparato de governo embarcaram e disputaram espaço nos navios. Aos que ficaram, restou apenas o conselho de receber os invasores franceses pacificamente, evitando grande derramamento de sangue. Os relatos do embarque são chocantes!

No meio desse turbilhão, o acervo da Real Biblioteca foi encaixotado e levado ao porto para envio ao Brasil. Entretanto, foi esquecido no cais, assim como milhares de portugueses que clamavam pelo embarque em algum navio. Parece absurdo, mas aconteceu: a biblioteca ficou para trás, no porto de Portugal. A “biblioteca esquecida” foi salva por bibliotecários que também não conseguiram embarcar e a esconderam da rapina do exército francês de Napoleão. Impossível não lamentar o fato de ninguém ter salvado as obras de Hipátia e tantas obras raras e únicas da Biblioteca de Alexandria.

Tão logo soube do fato, D João VI solicitou que a biblioteca fosse enviada ao Brasil, o que foi feito em três viagens secretas entre 1810 e 1811. Quantos perigos de destruição enfrentaram os diversos caixotes de livros e documentos em Portugal e ao atravessarem o Atlântico!

No Brasil, o acervo foi instalado em locais e sedes provisórias. A Biblioteca foi oficialmente criada em 1810 e abrigada nas catacumbas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo. Até ganhar o atual e deslumbrante prédio que a abriga no centro do Rio de Janeiro, em 1910, a biblioteca continuou vivendo momentos imprevisíveis.

Em 1820, o Rei D João VI foi obrigado a retornar à Lisboa por exigência dos portugueses. Um dos responsáveis pelo acervo da Biblioteca, ao saber do Processo de Emancipação do Brasil, partiu secretamente para Portugal levando consigo cerca de cinco mil preciosos manuscritos. A maior parte do acervo, entretanto, permaneceu no Brasil. Mas pagamos caro por isso!

No processo de reconhecimento de nossa Independência, aceitou-se que a nova Nação pagaria à Família Real Portuguesa uma indenização pelos bens deixados no Brasil. Dos dois milhões de libras pagos a Portugal, oitocentas eram para pagamento de indenização pela Real Biblioteca. Após a Proclamação da República, D Pedro II e a Família Real também foram para Portugal, mas desta vez doaram para a Biblioteca cerca de 100 mil obras, o que foi a maior doação recebida na História. Foi preciso ampliar as instalações para comportá-la.

A História da Biblioteca Nacional se confunde com a História da Nação Brasileira, assim como a História da Biblioteca de Alexandria se mistura com a de Hipátia. Seu nome mudou de acordo com a situação política do país. Foi fundada como Real Biblioteca quando o Brasil era colônia de Portugal; passou a ser chamada de Biblioteca Imperial e Pública da Corte quando nos tornamos um país independente governado por Imperadores. Mais tarde, ganhou o nome de Biblioteca Nacional, mais apropriado a uma República.

Atualmente, a Biblioteca Nacional é a maior biblioteca da América Latina e uma das dez maiores do mundo segundo a UNESCO, e tem um acervo de mais de nove milhões de itens. Esse acervo cresce vertiginosamente, sobretudo devido a uma política implantada desde 1907 que exige que toda publicação realizada no território nacional envie um exemplar à Biblioteca Nacional.

Os egípcios, como Hipátia, chamavam as bibliotecas de tesouro dos remédios da alma. Quem conhece os prazeres e poder de transformação da leitura, compreende bem esse conceito egipcio. No Brasil, temos inúmeras almas doentes clamando por esses remédios e vários tesouros que podem salvá-las em diversos recantos do país. A Biblioteca Nacional e Hipátia são inspirações e suas Histórias demonstram a força e o valor que todas as bibliotecas carregam em sua essência.