Lembra do cheiro de tinta, daquela sensação asquerosa de mergulhar as mãos em um pote de cola fresca, ou de sujar a roupa inteira de lama, ao ponto de não conseguir ver a cor original da camiseta? Estas são memórias que muitos de nós partilhamos quando se trata das nossas infâncias. Momentos de pura risada, adrenalina e sujeira - isto porque a infância é suja, e é bagunçada - ou pelo menos deveria ser.

À medida que crescemos, nossas percepções mudam sobre quase tudo - incluindo o conceito de bagunça. Adultos tendem a ter um objetivo bem claro de prezar pela ordem, de manter-nos sempre limpos e o nosso ambiente sempre organizado. Evitamos sujeira à toa, somos calculosos para não nos bagunçarmos, e sabemos que cada objeto tem seu lugar. Inclusive, aprendemos isso desde bem cedo: repetimos às crianças quase como um hino: ordem é bom, desordem é ruim. Sempre? Sempre.

Mas se isso é sempre verdade, como explicamos o prazer que sentimos naqueles momentos tão libertadores da infância: a permissão para se melecar, se sujar, e quebrar com os parâmetros da ordem? E seriam esses momentos simples brincadeiras bobas, ou lições valiosas? Acredito na segunda opção. É extremamente importante para nós conhecermos a desordem desde que somos pequenos, e permitir que crianças o façam sob um ambiente controlado. Afinal, como podemos conhecer a organização sem entender sua origem? Não podemos.

Em um mundo tão regrado, perder o controle é muitas vezes sinônimo de liberdade. As tintas se misturam e o azul agora é verde, a areia vira castelo e buraco vira um poço; corda de pular vira portão e o mundo inteiro passa a ter outro significado. O ponto é que, quando as crianças experimentam brincadeiras para além da ordem, aprendem que a ordem e a estrutura andam lado a lado e, por alguns instantes, os pequenos tornam-se exploradores, autorizados a questionar e melhor compreender os seus sentidos, e como se relacionam com o mundo físico. Isso os encoraja a serem detetives, a serem aventureiros, fazerem perguntas e, muito literalmente, botar a mão na massa para encontrar respostas. Devemos incentivá-los a experimentar com pintura e outros materiais de forma realmente orgânica. Eles poderão, assim, explorar com texturas, cores e padrões diferentes; além de se divertirem, eles aprendem no processo.

A desordem também é importante, uma vez que pode levar à ordem. O papel da limpeza e a possibilidade de reorganização permite às crianças perceberem o quão capazes elas são. Isto lhes traz um sentido de estrutura relevante, e de realização, à medida que conseguem ver com os seus próprios olhos um ambiente passar de arrumado a caótico, e arrumado de novo. Este é um padrão que se repetirá inevitavelmente ao longo de suas vidas, de todas as maneiras possíveis e em todos os aspectos da existência. Assim, as crianças veem com seus próprios olhos o papel da estrutura e os benefícios da organização, sendo capazes de questionar aquilo que lhes foi ensinado e as regras deixam de ser tão arbitrárias. Eles passam a fazer parte da organização da sua vida, sendo cada vez agentes menos passivos.

Como adultos e como educadores, devemos ter isto sempre em mente. Muitas vezes, focamos tanto em manter um ambiente organizado, limpo e regrado, que esquecemos de questionar o que está por trás disso. Embora seja claro o quanto é importante ensinarmos aos nossos alunos e crianças o valor da disciplina e da organização, nós por vezes esquecemos (ou talvez apenas não queremos lidar com) a enorme confusão que é tão valiosa na infância, e o fato de que crianças precisam ver a bagunça para entender a ordem. Sugiro arregaçar as mangas e mergulhar as mãos na tinta, espalhar massinha no chão e misturar aquarela - depois vamos lavar as mãos, fechar os potes, guardar tudo em seu lugar, e fazer tudo de novo.