São Paulo, 29 de Maio de 1983, neste dia a senhora Maria Creusa da Silva chegou à maternidade para o nascimento de sua filha, Sara, mas até aqui nada se diferencia de tantos cenários que vemos todos os dias: um bebê prematuro com 37 semanas de desenvolvimento, ainda fora de posição e sua mãe com perda de líquido sendo internada para realizar o procedimento cirúrgico de cesariana. O que não se sabia é que a partir de uma decisão e diagnóstico ruins, fornecidos por um médico, seria possível testemunhar uma das grandes histórias de amor e superação dentro da educação.

Como descrito, o cenário demandava cuidados, mesmo assim, Maria foi enviada de volta para casa com prescrição de remédios que supostamente serviriam para mudar o bebê de posição, mas algum tempo depois a bolsa rompeu e mais uma vez, ela retornava ao hospital. Sara nasceu com falta de ar e cianótica devido ao fato de que a placenta aderiu à sua face. Esta situação promoveu a queimadura de sua retina e do nervo óptico, desta forma, a pequena menina apresentou cegueira total no olho direito lhe restando apenas 10% de visão no olho esquerdo.

Com o passar dos anos, Sara foi se desenvolvendo e se adaptando à sua condição até que chegou o momento de ir para a escola quando completou 4 anos de idade, mas infelizmente a pequena não conseguiu se adaptar e foi transferida para uma escola estadual que possuía classes com recursos para deficientes visuais onde permaneceu até os 7 anos de idade. Ao final da Educação Infantil, Sara precisou ser transferida novamente para uma escola primária mas que não possuía nenhum tipo de adaptação ou protocolo para atender suas necessidades, foi neste momento que sua mãe iniciou um caminho pavimentado por amor, dedicação e resiliência que eu chamo de Protocolo Sara.

Como Sara não enxergava a lousa, Maria requisitava o caderno de um de seus colegas para que, ao chegar em casa, pudesse copiar as informações transmitidas em sala de aula. Segundo seu relato, foi aí que Deus lhe deu a ideia de enviar folhas sulfite e papel carbono para a escola, desta forma uma colega de Sara depositava o material embaixo de suas folhas de caderno enquanto copiava, fato que agilizou o processo de transferência de conteúdos, cabendo a Maria a missão de apenas acompanhar sua filha em dias de prova, isto porque mais uma vez, o sistema educacional brasileiro não previa acompanhantes para deficientes visuais em salas de aula.

Um fato curioso é que as próprias professoras requisitavam sua presença para ajudar Sara, sendo que este modelo foi adotado até o Ensino Médio. No dia da formatura de Sara, Maria também recebeu um certificado como gesto carinhoso da escola. Importante salientar que Maria não havia concluído seus estudos até então e quando sua filha chegou na antiga quarta-série, ela, ao identificar dificuldades com expressões numéricas, realizou sua matrícula em supletivo da escola municipal, desta forma, ela pôde ao longo do percurso concluir seus estudos, junto com sua filha.

Sara é uma menina muito estudiosa e dotada de uma memória privilegiada e foram estes fatos em conjunto com a disponibilização de uma ledora por parte da faculdade que contribuíram para seu acesso ao ensino superior no curso de Letras – licenciatura em português e inglês. Foi aí que mais uma vez, Maria acionou o Protocolo Sara. Com o objetivo de ajudar sua filha a concluir os estudos, ela também prestou o vestibular para o mesmo curso, entrou e cursou até o terceiro ano.

Ao final do 3º ano a condição de saúde de Maria apresentou um limitador ao processo. Portadora de fibrilação arterial, ela foi internada no HCor para um procedimento no coração e foi em virtude desta situação que a faculdade permitiu que Sara finalizasse seus estudos em sistema remoto e ainda realizou uma pós-graduação em psicopedagogia constitucional. Hoje em dia, Sara trabalha como tradutora e intérprete em uma grande faculdade de São Paulo.

O cenário pedagógico brasileiro é marcado por uma invasão de anglicismos metodológicos, discussões sobre uso de tecnologia, métodos avaliativos diferenciados e um aparente sucateamento do processo formativo docente e é em meio a este cenário que surge uma senhora com poucos recursos financeiros, sem formação pedagógica e nos apresenta a essência do que é ser professor: o amor pelo desenvolvimento de seu aluno.

Este amor é responsável por qualificar e direcionar o olhar, também é o principal elemento que ativa a criatividade e encontra nos recursos à mão, as alternativas para adaptar a realidade vigente para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça. Como educador, escrevo este pequeno artigo para os professores, pais e mães de todo mundo como um manifesto pela educação que deve ser pautado nas relações humanas, resiliência, dedicação e amor: este é o Protocolo Sara.