Os últimos meses têm sido particularmente desafiantes para a maioria dos portugueses, havendo poucos sinais para uma qualquer melhoria num futuro próximo.

O aumento da inflação e do geral custo de vida faz com que várias famílias tenham a responsabilidade de alocar de forma mais cuidada os seus recursos. Claro está que estas se vão resumir às necessidades básicas como a aquisição de bens essenciais (principalmente alimentação) e as despesas da casa.

No meio disto tudo destaca-se o crescente número de famílias que pede ajuda a associações de apoio alimentar. Contudo, não é só a questão sócio-financeira e a educação que se vêm afectadas por esta realidade. O entretenimento e a cultura também sofrem com isto.

A partir do momento em que as nossas despesas estão condicionadas, torna-se difícil entrar ou participar num qualquer hobby. Seja na indústria dos jogos (videojogos, jogos de tabuleiro, jogos narrativos), livros, música, filmes, pintura, teatro, entre outros; o preço de entrada tem o seu quê de significativo, principalmente quando o dinheiro está contado. Mas, ainda assim, é importante para nós desfrutar de algum tipo de entretenimento. É um dos mecanismos ao qual temos acesso para obter um equilíbrio interno, ao mesmo tempo que descomprimimos das frustrações do dia-a-dia. É aqui que entram as opções gratuitas. Sejam os conteúdos televisivos de diferentes teores, ou as paragens em redes sociais com conteúdo audiovisual de curta duração, existe um denominador comum: a obtenção rápida de gratificação.

É inegável que vivemos tempos em que tudo tem que acontecer “agora”. Não há tempo nem paciência para esperar, tudo graças a um sentimento sempre presente de urgência e de necessidade. Não há tempo para grandes reflexões. Não há tempo para desconstruir conteúdo e reflectir sobre o seu propósito. Não há tempo para parar e discernir se algo é bom ou não, se é correcto ou se é errado. Perante a necessidade de obter algum equilíbrio, consome-se aquilo que é de rápido consumo e nos faz sentir bem.

Este último ponto seria algo irrelevante se fossemos instruídos a desenvolver espírito crítico e o nosso próprio meio o encorajasse. Graças a ele conseguimos desconstruir o conteúdo em questão e tratá-lo de acordo com aquilo que ele é. Contudo, a ausência deste cuidado faz com que a superficialidade dos temas abordados sejam banalizados e, consequentemente, encarados como algo normal, acabando por ser incluídos na nossa forma de ser e de estar.

No plano geral, temos uma crise financeira que dificulta a nossa subsistência, mas também compromete a nossa instrução. Tudo o que não esteja directamente relacionado com o acto de ter comida na mesa e manter uma habitação com as mínimas condições, acaba por rapidamente ganhar o estatuto de luxo. E, como luxo, abre um perigoso pretexto: o de ser algo que está apenas ao alcance de alguns.

Note-se que este retrato se resume a uma generalidade excessiva. Continuam a existir excepções à regra. Continuamos a deter livre-arbítrio. No fim do dia cabe-nos a nós decidir o que queremos ou não fazer com o nosso tempo, independentemente da tendência de seguir influências externas. Apesar dos aumentos, a cultura continua a ocupar somente 0,43% do Orçamento de Estado, vários programas desportivos e com o formato de reality shows inundam as televisões e no domínio virtual predominam as stories do Instagram e os videos do TikTok.

Vivemos numa altura em que predomina a informação mas carece a sabedoria para a filtrar e a usar. Vivemos numa altura em que conseguir pensar é cada vez mais importante, pois a alternativa é ter outros a pensar por nós.