Vinha eu dirigindo no percurso habitual entre minhas duas casas — 250 quilômetros é a distância que as separa — quando já mais de dois terços percorridos, comecei a notar o que pareciam ser corpos de cães atropelados a uma distância de aproximadamente 500 metros entre um e outro, sendo que estavam dispostos, em sua maioria, no meio fio da pista de mão dupla (tanto de um lado quanto do outro) e alguns no acostamento. Além disso, havia outro detalhe que vinha compor o que me pareceu ser um padrão: os corpos estavam achatados, com os intestinos expostos, o que evidenciava que não haviam sofrido um abalroamento aleatório, mas pareciam ter sido esmagados pela roda de um trator em toda a sua extensão. Foram ao todo aproximadamente entre 15 e 20 corpos.

Profundamente impactada, vinha eu refletindo que esse padrão na disposição e no formato dos corpos sugeria uma ação planejada, quando logo mais adiante, ao longo de uma curva, me deparei com um grande depósito do que parecia ser banha e / ou restos de bovinos abatidos. Havia um cheiro muito forte de carniça no ar... Nenhum urubu, entretanto, pairava ao redor. À medida que ia visualizando a cena, comecei a “ouvir” ganidos desesperados de cães, gritos e risadas de humanos...

Algo de sinistro e sombrio pesou sobre mim, me provocando calafrios e um grande mal-estar... “Meu Deus, o que aconteceu aqui?”, perguntei-me ao mesmo tempo em que comecei a rezar.

Aquela atrocidade só podia ter sido obra do “bicho-homem”, que em sua perversidade, frieza e em seu mais profundo sadismo, resolveu desta forma fazer a “limpeza” da cidade exterminando seus animais de rua ou quem quer que estivesse fora do cercado... Rezei para que a alma daqueles animais tivesse sido acolhida pelos gnomos e bons espíritos e conduzida a algum santuário e/ou recanto escondido das esferas paralelas onde sua vida tivesse o devido valor e lhes fosse dado conhecer finalmente o amor...

Devo confessar que rezei também para aplacar a angústia e meus próprios sentimentos de terror e impotência face à crueza do ser humano e a horrenda constatação do que ele é capaz de realizar...

“O que é preciso que aconteça na vida de um ser humano para que lhe caia a ficha?”, pensei comigo. E ainda: “Como um coração empedernido e cruel pode finalmente se deixar tocar pelo amor e cultivar o respeito a uma outra forma de vida?” O novo coronavírus parece que não trouxe qualquer impacto para a vida dessas pessoas, refleti. Quantas vidas lhes seriam necessárias para descobrir que o único caminho a seguir é o caminho da retidão e que uma existência sem amor é como estar sob o sol implacável de 40º em um deserto escaldante?

O Prof. Hermógenes, mestre pioneiro de Hatha Yoga no Brasil, já falecido, deixou em seu legado de várias obras, sábias palavras e pistas preciosas para se viver em harmonia com o Universo e consigo mesmo. Assim, ele recomenda que para alcançar a “eutimia” 1 e a cura quântica é necessário:

Para seu próprio bem, trate de cultivar e mesmo cultuar belas sensações e sentimentos puros e nobres; refugie-se na fortaleza da equanimidade, do contentamento e da alegria. Erga sua cabeça acima dos altos e baixos, ganhos e perdas, vitórias e derrotas...

(p. 197)

Ainda outro trecho:

Sorrir em benefício próprio é um excelente negócio. Mas melhor ainda é sorrir beneficiando alguém. Que seu sorriso ilumine o ambiente, desanuvie amargurados e resgate os coitados engolidos pela tristeza. Sorrindo você pode fecundar muitas almas...

(p. 202)

Quem não se sentiu amado e não foi tocado pela magia de um sorriso, mantém sua alma embrutecida e desconhece que ao infringir a regra do respeito ao meio ambiente estará dando um tiro no pé e desferindo uma flecha contra si próprio.

É fato que as ações do outro, sejam elas boas ou más, extrapolam a nossa esfera de ação porque elas pertencem justamente ao domínio do outro e, por isso mesmo, fogem ao nosso controle.

Além disso, o mundo será sempre esse território imperfeito e inacabado, um campo de provas onde cometemos acertos e erros. Se formos ver, ao longo da história – Antiguidade Clássica, Idade Média, Era Contemporânea – o homem sempre cometeu atrocidades (talvez o holocausto seja a que está mais viva em nossa memória). A natureza do ser humano possui um caráter heterogêneo, há pessoas que puxam a humanidade para frente e outras que se recusam a seguir a corrente da evolução e que se colocam na contramão das coisas. Infelizmente esta parcela resistente da população, por alguma razão, parece que não consegue aprender com seus erros ou nem sequer admite que cometeu erros. Há pessoas com diversos níveis de consciência operando na face do planeta Terra.

A dança das polaridades é uma constante em nossas vidas e isto se processa tanto interna, quanto externamente. O atrito entre pessoas de diferentes níveis de consciência e a manifestação de suas ações costuma ser dolorido para quem está num grau mais avançado de lapidação de sua consciência.

Não há muito o que fazer em relação ao outro além de esperar que a “alma fecundada” possa enfim germinar, lembrando que a escola da vida contém em si a mais eficaz e contundente pedagogia.

Em relação a si próprio, é possível ter a consciência tranquila de que fazendo cada qual a sua parte, estaremos contribuindo com a somatória de nossas pequenas ações construtivas para mudar a face do planeta.

Nota

1 Eutimia: estado psicossomático de serenidade, paz, tranquilidade e harmonia. Por sua vez, a cura quântica envolve técnicas terapêuticas que possuem como objetivo a mudança de uma situação ou realidade. A ideia principal da cura quântica é que suas ideias e informações criam uma disposição psicoemocional que determina a forma como você enxerga, escolhe, age ou reage e percebe a realidade.

Referências:

Hermógenes: Saúde na Terceira Idade. 12ª. ed. Rio de Janeiro, Editora Nova Era, 2004.