Estabelecendo cortes longitudinais na história da humanidade ou nas nossas histórias pessoais, no nosso cotidiano, sempre encontraremos repetições e padrões. Tudo é previsível. Não poderia ser diferente pois o ser humano é estruturado como organismo mantido por relógio biológico, por demandas celulares e fisiológicas. Ele é também estruturado em sociedades e culturas, que por sua vez são determinadas por fatores econômicos e produtivos.

Será que isso sempre ocorre? Serão a mesmice e a previsibilidade os traços mais marcantes das histórias? Tudo isso muda quando se atinge a dimensão de transcendência dos limites estabelecidos, sejam eles os limites sociais ou os biológicos. Quando surge o outro, o encontro, o desencontro, surgem as possibilidades de mudança e de transformação.Tudo pode ser diferente, único e inédito, pois as variáveis configuradoras do encontro são inimitáveis.

Convém considerar essa inimitabilidade. Quando os encontros são deslocamentos das necessidades de sobreviver, de manter, respeitar ou negar as regras sociais e biológicas, a previsibilidade se insinua e será atingida, é apenas uma questão de tempo. Tudo é processado no tempo e no espaço, tudo pode ser continuado ou descontinuado e pode, consequentemente, ser previsto. Mas quando os encontros realizam integração e transformações que ultrapassam fronteiras e limites, nos deparamos com a imprevisibilidade. São, por exemplo, os célebres que se eternizam, mesmo ao virar protótipos romanceados: Romeu e Julieta, Madame Bovary, Raskólnikov.

A qualidade nova de um acontecimento cria motivações que ultrapassam as características já explicadas como determinantes dos fatos, pouco significando o ocorrido, mas sendo muito significativa a possibilidade de ter ocorrido. É essa condição de, essa possibilidade de, que identifica, individualiza e torna irrepetível a motivação humana. Mesmo quando alguém é considerada igual a Madame Bovary ou considerado igual a Raskólnikov, não se é nem um nem outro. O duplo não cobre o único, pois existir como duplo, como cópia, só é validado pela fonte, pela unidade que o gerou. O original, como dizia René Chateaubriand, não é o que não imita, é o que não pode ser imitado.

São essas vivências únicas, essas individualidades, esses encontros, que tornam inesquecíveis as ações humanas e as pessoas com as quais interagimos. Interagir só é possível entre seres humanos. Quando surge a coisificação, quando se transforma o outro em objeto, surge a troca de pessoas, como se troca de móveis, casa ou roupas, tudo é repetição, tudo é substituível. Essas repetições geram solidão e depressão. O uso aliena. Transformar o outro em objeto é também se coisificar. É perder dinâmica, é abrir mão da interação possibilitadora de vivências únicas e surpreendentes.