A Praça da Sé, em Olinda, cidade Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO desde 1982, é o coração de um sítio histórico composto por mais de duas dezenas de igrejas e doze capelas, casario, farol, campanários, marcos de pedra calcária, obras de arte barrocas e contemporâneas, ateliês de arte e artesanato, sinos que dobram (por todos), ladeiras íngremes e visuais fantásticas...

Vizinha ao Recife, sua cidade irmã, fica a apenas doze quilômetros do Marco Zero da capital. Olinda se divide entre o novo e o antigo, entre colinas, encostas e o mar aberto, a encantar os olhos de quem a visita. A cada esquina uma surpresa. Uma janela antiga, uma parede de pedra, uma cruz, uma cor.

A Sé é a sede. A mais alta colina. É o largo, é o vivo; é onde tudo acontece e onde a cidade começou. Foi ao chegar nesse lugar, em 1535 que, segundo a lenda, vendo a bela paisagem, o governador da Capitania Hereditária de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira, teria feito a famosa exclamação: “Ó linda situação para uma vila!” ... E daí teria nascido o nome da cidade. “Linda” já na origem, Olinda foi elevada à categoria de vila em 12 de março de 1537 e o Recife surgiu como seu porto natural. Com o tempo, a sede se espraiou em ladeiras e ruelas, num traçado urbanístico ao estilo medieval, e inúmeros monumentos foram sendo erguidos.

Forjada na influência católica da colonização portuguesa, o grande número de igrejas barrocas em Olinda é um destaque na paisagem... Seja no verão do carnaval que a esta altura do ano já começa, com os ensaios de agremiações de frevo, maracatu e batuques vários; ou sob as águas da chuva que lavam o calçamento secular nos meses de inverno; seja nas luzes e cores de natal ou nas procissões da Semana Santa; a qualquer tempo, os monumentos compõem um cenário único. Mas é, sem dúvida, no carnaval, que ocorre a máxima expressão da cultura popular, numa explosão de alegria, ritmos e festa, em meio à bela arquitetura da cidade.

Na Sé, ponto de convergência sociocultural, de expressões artísticas tão espontâneas quanto fartas, o ambiente entremeado de natureza viva, mostra-se diferente a cada luz do dia ou da noite, a cada tempo diferente do ano. Nela, quatro monumentos foram erguidos e construíram um rico diálogo espacial, criando um ambiente peculiar que chama à contemplação. Numa perspectiva aérea, poder-se-ia ver o traçado de um “trapézio arquitetônico” imaginário formado pela Igreja da Sé, pelo Museu de Arte Sacra de Pernambuco, pelo Observatório Astronômico e pela Caixa D'Água de Olinda...

Esses monumentos, cada um deles um vértice dessa figura, representam momentos históricos diferentes da expressão arquitetônica de Olinda... Exemplares de quatro tempos distintos da história da cidade, em cada vértice um século, desde os primórdios do Brasil à moderna arquitetura brasileira: XVI, XVII, XIX e XX. Tudo ali reunido, a poucos passos, à vista. Aula aberta de arquitetura, num cenário de exuberante natureza, na vegetação das encostas, ou no mar que “barbariza” a paisagem... Azul do céu de sol e das barracas de comidas das “tapioqueiras” , fazendo suas delícias a encantar o paladar dos turistas... Verde da exuberante vegetação atlântica, em contraste com o claro de alvas fachadas, e com o céu... Cores não faltam. Nem história. Nem festas. Nem flores de pequenos jardins caseiros “em cantos” e, eu diria, nem amores... A Sé de Olinda convida a observar, a retardar o relógio ou acelerar o coração... Ou ambos!

Século XVI - O primeiro vértice desse trapézio é a Igreja da Sé...

Fácil observar que o monumento domina o cenário da praça e reina no ambiente. A Igreja de São Salvador do Mundo, construída originalmente no século XVI, exatamente em 1535, surgiu como uma pequena capela de taipa e, com a elevação de Olinda à categoria de Vila, por Duarte Coelho Pereira, transformou-se na primeira paróquia do Nordeste do Brasil, tendo sua construção como matriz em 1548 e passando a Catedral da Arquidiocese de Olinda e Recife em 1676.

Em 1584 passou pela primeira reforma e daí, por várias outras “versões”. No decorrer do tempo foi barroca, neogótica, neobarroca alemã. Chegou a ter suas capelas laterais “emparedadas”. A grosso modo, os párocos que passavam tinham o poder de fazer reformas e alterações à sua maneira e gosto.

Em 1631 os holandeses atearam fogo em Olinda e se estabeleceram em Recife e a igreja, como todos os outros monumentos da cidade (à exceção da igreja de São João Batista dos Militares, que serviu de quartel para os invasores) foram destruídos. Quinze anos após a expulsão flamenga, que se deu em 1654, o movimento conhecido como a Restauração Pernambucana reconstituiu os monumentos incendiados pelos holandeses e a igreja foi reconstruída em perfil gótico. Em 1911 foi transformada em exemplar neobarroco alemão e, antes da feição atual, a mais próxima possível que se chegou da original, perseguida por profundos estudos arqueológicos realizados na década de setenta do século passado e um projeto de restauro conduzido pelo arquiteto da Universidade Federal de Pernambuco, José Luiz da Mota Menezes (meu “adorável professor”), a igreja guardava uma configuração eclética desde 1939.

Após a reconstituição de sua feição primitiva, concluída em 1983, a Sé assumiu uma fachada simples, colonial maneirista, de uma expressão pura e harmônica. Duas torres na “mais completa simetria... Tudo em métrica e rima...” equilibram a composição. Três grandes portas de madeira almofadada, sendo a central, de maiores proporções, ladeada por colunas jônicas. O conjunto formado por suas duas torres, a portada principal contornada por um limpo trabalho de cantaria e o frontispício, carrega o peso dos anos e convida à beleza da simplicidade.

A igreja possui pé direito alto, o interior é despojado e o ambiente faz um contraponto à “agitação” do exterior. Três naves principais cercadas por colunas monolíticas de pedra sustentam o teto em arcada. A igreja tem uma capela principal com teto em abóbada, altar mor dedicado ao Salvador do Mundo, padroeiro de Olinda, e duas capelas laterais barrocas, com rico trabalho de entalhamento e douramento. Nas naves laterais encontramos cinco altares. Há um pátio externo lateral do qual se vislumbra a paisagem das cidades do Recife e Olinda, um adro frontal que permite espaço para melhor observá-la e possui murada com elementos esculpidos em pedra...

O óculo da fachada principal, que “perfura” a espessa parede de pedra e cal e outras aberturas superiores para entrada de luz, são elementos remanescentes de seu passado gótico e um detalhe chama a atenção... Em determinado período do ano, a abertura da fachada principal permite a passagem de um feixe de luz do sol que incide diretamente sobre no altar mor, fazendo um jogo de luz e sombra e uma “brincadeira” arquitetônica de raro estilo. A intencional iluminação direta no altar tenta trazer aos “simples mortais” um efeito em referência e reverência ao divino.

Século XIX - O segundo Vértice é o Observatório Astronômico...

O local de sua construção, no que hoje é a Praça da Sé, foi escolhido de modo especial pelo astrônomo francês Emanuel Liais, a convite de Dom Pedro II. O imperador, astrônomo amador, solicitou ao visitante que indicasse o sítio que oferecesse as melhores condições no Brasil para a observação da passagem de um cometa que se avizinhava... O cometa pôde ser visto em 26 de janeiro de 1860 e sua visualização foi registrada... O astro leva o nome de seu observador francês, mas é chamado de “Cometa Olinda”, fazendo da cidade a única do Brasil a ter um cometa com seu nome... Tal fato, aliado à visualização, em 1882, de um raro fenômeno astronômico conhecido como “Trânsito de Vênus” - alinhamento da Terra, Sol e do planeta, gerando o efeito de um eclipse solar -, levou à construção, em 1890, do edifício em alvenaria de estilo neoclássico.

Durante os anos de 1922 e 1960, o monumento teve seu uso alterado, passando de observatório astronômico para meteorológico. Foi restaurado em 2000 e hoje está vinculado ao Espaço Ciência , chegando a receber mais de 50.000 visitantes a cada ano, entre estudantes, turistas e interessados em Astronomia e História. Em seu terceiro e mais alto piso, possui uma cúpula metálica que se abre para o funcionamento do telescópio modelo MEAD LXD-55. O observatório, um dos mais antigos do país, é o menor monumento dentre os quatro vértices do trapézio, mas não menos importante. E não passa despercebido... Em sua cilíndrica e funcional simplicidade, como uma “sentinela” da Sé, de “capacete de aço”, parece guardar os céus de Recife e de Olinda...

Século XVII - Terceiro vértice: o Museu de Arte Sacra de Pernambuco – MASPE

É na fachada do museu que encontramos a placa da UNESCO que declara Olinda como Patrimônio Cultural da Humanidade. O prédio do século XVII foi inaugurado como MASPE em 1977, tendo passado por inúmeras funções ao longo de sua existência. O casarão em que funcionou o antigo Palácio dos Bispos de Olinda, já havia sido anteriormente a primeira Casa de Câmara e Cadeia e, no século XIX, passou por mudanças para abrigar moradia para religiosos, colégio e, posteriormente, foi quartel do Exército Brasileiro durante a 2ª Guerra Mundial.

O antigo brasão episcopal permanece em sua fachada branca e limpa. A tradicional coberta colonial, com telhas de barro cozido e beiral tríplice, são marca da arquitetura barroca portuguesa e presença constante nos monumentos de Olinda.

O interior abriga um acervo permanente que teve início a partir de peças cedidas pela Arquidiocese. São centenas de obras eruditas antigas em policromo e douradas, do século XVI. Pinturas e também a arte sacra popular compõe o acervo, bem como elementos e objetos de culto católico.

Século XX - Quarto vértice: A Caixa Dágua de Olinda...

Desta obra é especial prazer falar, pois desde os tempos da faculdade de Arquitetura encantou-me fortemente o contraste das suas linhas retas no ambiente colonial do Alto da Sé...

A Caixa D'Água surge, modernista, em 1934, pelo traço do arquiteto Luís Nunes, num momento de mudanças conceituais na arquitetura. Faz uso de concepções Corbusianas de fachadas cegas e vazadas, pilotis (trazendo a estrutura ao patamar de elemento de composição e não apenas de sustentação) e utiliza, pela primeira vez no Brasil, o elemento vazado conhecido como “cobogó”, cujo uso posteriormente foi amplamente difundido através das obras modernistas.

Ao projetar a Caixa D’água, o arquiteto guardou o gabarito das torres da Igreja da Sé (na versão em que a igreja se encontrava nos anos trinta do século passado) ao definir a altura da Caixa D’água, como forma de estabelecer um “diálogo” entre os dois elementos sem desmerecer o monumento secular... Em 2011 foi anexado ao edifício de vinte metros de altura um elevador panorâmico com estrutura metálica, e o terraço superior foi transformado em um mirante. As obras de requalificação permitiram, com o novo uso, a apropriação por parte do público desse espaço de enorme potencial turístico, antes inexplorado.

Estar no mirante é estar em um dos vértices de nosso trapézio e dele, poder ver os demais... É avistar Recife e Olinda praticamente inteiras... São 360 graus para observá-las. Um cenário que se divisa em planos até onde a vista alcançar. Um círculo perfeito que circunda o nosso “trapézio” monumental...

Mas, cabe dizer, ainda que não se possa limitar a riqueza cultural e arquitetônica da Sé de Olinda em qualquer formato (pois seria minimizar a imensidão de expressões dessa cidade histórica e mágica), coube-me usar esse recurso de retórica para organizar o pensamento... Fazendo uma “brincadeira geométrica”, num jogo de palavras e informações e tentando traduzir um pouco da Igreja da Sé, do MASPE, do Observatório e da Caixa D'água de Olinda... Nossos quatro pontos com milhares de perspectivas a descortinar...

Mas, ainda, creio eu, a melhor forma de se desfrutar desse belo cartão postal do estado de Pernambuco é lá estar comendo uma gostosa tapioca, bebendo água de coco, com a melhor vista do Recife que se poderia querer, como costumam dizer os vizinhos recifenses...

Para conhecer: http://whc.unesco.org/en/list/189 (Página sobre Olinda no site da UNESCO)

Vídeos:

(Vídeo da UNESCO – em inglês)

(Olinda para ver do alto, por Max Levay)