Intimidade com o outro, com os contextos é o que caracteriza os relacionamentos enquanto presença e presente.

Perceber o outro e o que acontece, através de referenciais mediadores, metamorfoseia as situações.

No instante seco e total, estar com o outro, com o que ocorre, é não ter referenciais mediadores. O contato direto é a comunicação que permite intimidade e familiaridade. Este encontro é o estar diante, o perceber (conhecer), que leva às categorizações, ou seja, aos reconhecimentos significativos e deteminantes.

Perceber o autista, por exemplo, saber que existe uma atitude solicitada, cria, quando esta vivência é aceita, um distanciamento estruturador. É frequente nas relações de isolamento, como é o caso do autismo, a própria mãe não existir enquanto ser dialogante. Ela é como um impedimento, não sinalizante de participação. Esta configuração - não sinalização de participação - pode possibilitar vivências de aceitação de impedimentos, de aceitação de solidão e isolamento, pode criar intimidade com o limite.

Através da aceitação do que se evidencia - possibilidades e impossibilidades – dispensamos os apoios e proteções que nos distanciam do que ocorre. Perceber e aceitar estas evidências significa começar a entender o que já foi metamorfoseado por Nietzsche, quando dizia: “o homem é uma corda atada entre o animal e o além do homem - uma corda sobre o abismo”.

Ser um caminho, para mim, é estar estendido entre contradições, é o constante vir-a-ser, é tornar-se capaz de transcender limites ao percebê-los e aceitá-los.

Em situações extremas, com referenciais reduzidos (como é o relacionamento com autistas), estar junto, tornar-se íntimo das impossibilidades do outro, é o que propicia relacionamento, é o que propicia transformação. Absorver e integrar o limite, amplia, cria intimidade ao neutralizar referenciais distanciadores. As organizações perceptivas, relacionais, que possibilitam discernimento, resultam destas vivências.

Ser íntimo é apoderar-se do dado, é apreender o insinuado, é predizer o implícito (closuras), é apoderar-se dos entendimentos que contextualizam os relacionamentos, a comunicação com os dados evidenciados, com os dados existentes e consequentemente, substitutos do que se almeja. O desejo, as expectativas, criam ilusões, antecipam o não existente, tanto quanto sepultam, arruínam o que ocorre.

Basta estar diante do outro, do que acontece, para que a magia da intimidade se evidencie, abrindo, assim, infinitas possibilidades. Quando o que acontece é percebido como o que acontece, independente de interpretações construídas em outros contextos diversos do que está acontecendo, os significados vivenciados são presentificados. Ser e parecer são idênticos, não são referências que se cruzam para criar pontos de elucidação. O relacional deixa de ser o enigma a ser decifrado ou algo a ser completado. Desaparecem as esfinges (“decifra-me senão devoro-te”) e aparece o homem, o ser, os fatos com seus estruturantes; surgem explicações que podem ser globalizadas, apreendidas em um enfoque que não agride; este processo é bem diferente da criação de híbridos resultantes de moldes pré-fabricados.

Ter intimidade implica em estar disponível, inteiro para o outro, para o que ocorre. É um processo não frequente, pois, constantemente se está ocupado em colar, consertar e copiar, sempre tentando realizar objetivos, sempre tentando atingir algo, sempre tentando melhorar.