Quando conheci Leandro Júnior na primavera de 2022, durante minha primeira visita ao Brasil, fiquei imediatamente impressionado com seu trabalho. Não era apenas o peso dos materiais ou a riqueza de suas superfícies, era a forma como suas pinturas e esculturas pareciam respirar a vida do Vale do Jequitinhonha. A terra não estava simplesmente representada; ela era uma colaboradora viva. Em Entre terra e memória, sua exposição individual de estreia na Aura, encontramos um artista que recusa a falsa fronteira entre criador e matéria, entre criatividade individual e herança coletiva. Sua prática emerge de um diálogo profundo com o lugar, a história e a comunidade, onde a própria terra se torna simultaneamente tema e meio, testemunha e voz.
Nascido em 1984 em Cachoeira, Chapada do Norte, Leandro foi criado em uma comunidade quilombola fundada por africanos que escaparam do trabalho nas minas de Minas Gerais. Essa herança de resiliência e engenhosidade forma a base de sua sensibilidade artística. Ele começou a pintar ainda criança, guiado pela intuição e pelo mundo ao seu redor. O Vale do Jequitinhonha, celebrado há muito tempo por suas tradições cerâmicas, moldou gerações de artistas cujas práticas articulam necessidade e expressão. Leandro se situa firmemente nessa linhagem, mas vai além — transformando saberes herdados em uma linguagem que parece ao mesmo tempo antiga e nova. Sua arte não busca preservar a tradição, mas ativar a memória. Por meio da terra, do pigmento e do tempo, ele escava a arqueologia emocional do lugar, revelando como geografia e identidade se entrelaçam.
Após obter seu diploma na Faculdade São Luiz de Jaboticabal, Leandro retornou à sua região para ensinar arte a jovens do Quilombo de Cuba e por meio do CRAS, o Centro de Referência de Assistência Social. Esse compromisso com a educação não é um ato de caridade, mas de continuidade, uma forma de garantir que o conhecimento ancestral e artístico perdure. Para Leandro, arte não é extração, mas troca; um diálogo entre gerações que honra a sabedoria do passado enquanto molda a imaginação do futuro. Seu engajamento com os jovens mantêm vivas e em evolução as tradições do Vale, assegurando que o que ele cria no estúdio permaneça inseparável da comunidade que o sustenta.
Os materiais centrais em sua prática — barro, terra em pó, esterco de vaca e pigmentos naturais — são colhidos diretamente da terra. Esse gesto não é simbólico, mas um método enraizado na experiência vivida. O mesmo barro que forma as paredes das casas rurais torna-se a base de suas telas; o mesmo solo que nutre as plantações fornece as cores que animam suas composições. Nas mãos de Leandro, a terra se transforma em linguagem, e a geologia, em autobiografia.
A série Lágrimas parte diretamente da arquitetura do Vale do Jequitinhonha. Sua pesquisa junto a comunidades quilombolas revelou como o barro vermelho, misturado ao esterco de gado, é usado na construção das casas, posteriormente revestidas com argila branca da comunidade de Tabatinga. Durante o período das chuvas, quando os telhados apresentam goteiras, a água escorre e dissolve o revestimento branco, deixando o vermelho transparecer — o que o artista chama de “lágrimas”. Muitas obras trazem pregos cravados nas paredes, elemento comum nas casas da região, usados para pendurar ferramentas essenciais ao cotidiano. Através dessas superfícies texturizadas, Leandro transforma a arquitetura doméstica em metáfora — um registro de resistência, vulnerabilidade e do diálogo íntimo entre corpo, casa e terra.
A série Casinha amplia essa reflexão, apresentando pequenas construções tridimensionais feitas de barro e esterco sobre páginas de livros fixadas à tela. Essas formas modestas narram as histórias vividas em seu interior — casas como recipientes de memória, carregadas com os resíduos da experiência cotidiana. Aqui, como em toda sua prática, Leandro funde material e metafísico, enraizando a memória na própria matéria.
A série Vale marca um desdobramento em direção à paisagem como topografia tátil. Pintadas inteiramente com pigmentos naturais, essas composições — cheias de montanhas que se dissolvem no céu — capturam a relação porosa entre terra e atmosfera. A série é profundamente pessoal, pois a própria terra representada fornece os pigmentos que a compõem. Sua continuação, Sertão, aprofunda essa investigação, introduzindo os tons azul-claro do céu que também aparecem na série Costas. As pinturas da série Horizonte avançam ainda mais nessa exploração, utilizando pinceladas rítmicas e graduais para evocar o calor árido e a luz enevoada do Vale, onde poeira e sol confundem horizonte e terra até que o sertão e o céu se tornam indistinguíveis.
As séries Sonho e Cabo Verde foram meu ponto de entrada no trabalho de Leandro. Essas figuras, vistas de costas — caminhando, trabalhando, dançando — capturam momentos de movimento silencioso e solidão. Pintar as costas é revelar algo desprotegido, algo profundamente humano. No contexto do Vale, essas figuras evocam tanto as exigências físicas do trabalho agrícola quanto o peso psíquico da migração. Os sujeitos de Leandro, frequentemente jovens afro-brasileiros, são representados com presença escultórica e delicadeza pictórica. Não há vestígios de vitimização; há, antes, orgulho, postura e persistência.
A mesma empatia molda a série Viúvas de maridos vivos. Por meio da pintura e do cinema, Leandro homenageia as mulheres deixadas para trás quando os homens migram para cidades distantes em busca de trabalho. Suas vidas se desenrolam no espaço entre presença e ausência, amor e perda. Ao dar forma visual e emocional a essas histórias, Leandro oferece não espetáculo, mas testemunho — colocando a dignidade e a complexidade no centro onde antes havia silêncio. As esculturas de Leandro, modeladas em barro e queimadas em fornos rústicos, articulam ainda mais seu diálogo entre tradição e contemporaneidade. Seu compromisso com a sustentabilidade não é teórico, mas praticado diariamente — uma forma de trabalho que respeita tanto o equilíbrio ecológico quanto a conexão humana. Muitas de suas esculturas homenageiam figuras que moldaram o cenário cultural e político do Vale, garantindo que seus legados permaneçam visíveis. Cada uma se torna um ato de reconhecimento, um gesto de cuidado.
Ao longo de Entre terra e memória, Leandro incorpora materiais brutos – terra, pigmento e esterco — ao lado de obras finalizadas, permitindo que o público testemunhe a transformação no coração de seu processo. Essa escolha desmistifica a criação ao mesmo tempo em que amplifica sua qualidade alquímica. Lembra-nos que toda obra começa com trabalho: a coleta dos materiais, a modelagem das formas, o engajamento prolongado entre mão, espírito e solo. Ao pintar as paredes da galeria com os mesmos tons usados nas casas rurais do Vale do Jequitinhonha, Leandro estende essa intimidade para o próprio espaço expositivo. O ambiente torna-se um limiar — parte casa, parte paisagem, parte memória — colapsando a distância entre galeria urbana e origem rural.
Ao percorrer essas séries interconectadas, emerge um artista que trabalha com notável coerência ética e estética. A prática de Leandro Júnior aborda migração, raça, trabalho, gênero e ecologia sem perder contato com o tátil, o pessoal e o real. Ele constrói sentido lentamente, camada por camada, por meio do material e do gesto, da paciência e da presença. Em um mundo da arte frequentemente movido pela rapidez e pelo espetáculo, seu trabalho oferece um contraponto vital — enraizado, deliberado e profundamente humano.
A terra do Vale do Jequitinhonha encontra voz nas mãos de Leandro, e essa voz ressoa muito além de seu ponto de origem. Lembra-nos que a memória vive não apenas em histórias e símbolos, mas na matéria em si — no que tocamos, no que moldamos e no que escolhemos levar adiante.
(Texto de Larry Ossei-Mensah, curador e co-fundador da Artnoir)














