A ciência é uns dos bens mais prezados que existem, e os seus progressos para a história da humanidade são sempre grandes actos fundacionais da cultura identitária de uma nacionalidade. O caso do problema da determinação da longitude é uns dos mais clarividentes. São vários os países que desde a idade moderna tentaram se apropriar deste problema, e também da sua solução. O patriotismo científico desenvolvido, por exemplo, por Inglaterra no controle e domínio das distâncias é significativo. Ainda hoje continua a mostrar ao mundo que o problema da longitude é um problema inglês, ou melhor, um avanço mundial, um bem comum feito por um relojeiro inglês chamado John Harrison por volta de 1730. É quase uma aberração, um artesão que com as suas mãos conseguiu fabricar o tempo e com ele conseguiu medir o espaço. Esta foi a exitosa imagem divulgada pela escritora americana Dava Sovel no seu best-seller Longitude: The True Story of a Lone Genius Who Solved the Greatest Scientific Problem of His Time (1995).

Trezentos anos depois da convocatória do premio, e com os novos meios tecnocientíficos que oferece o nosso tempo, a agência inglesa de inovação Technology Strategy Board e a organização benéfica Nesta têm publicado o Longitude Prize 2014 (1), no qual há envolvido mais de 10 milhões de libras. Como explicou recentemente uns dos seus representantes ao seu passo por Lisboa, este macroprojecto é mais uma tentativa de pôr na esfera pública, ao conhecimento de toda a gente, uns dos grandes problemas científicos da modernidade, isto é, mostrar ao mundo todo que a longitude tem passaporte (inglês). Não falta o apoio dos grandes meios de comunicação anglo-saxónicos, nem das prestigiosas universidades e museus ingleses.

Pôr um problema destas características na esfera pública é sem dúvida uma grande ideia, e nos faz lembrar da mesma estratégia política adoptada pelo rei Filipe II de Espanha quatrocentos anos antes quando, publicando um prémio económico para quem fosse capaz de resolver o problema, tentava ao mesmo tempo mostrar que a longitude devia ser sobretudo um problema espanhol, e devia responder a uma conceição Habsburgo do universo. O prémio foi tão divulgado que até Galileu se interesso pelo problema da longitude.

No entanto, este deveria ser um problema sem bandeira, um problema global em todos os sentidos, ou talvez um problema com muitas bandeiras. A solução de Harrison foi tão importante como a própria história do problema, que não por acaso é uma longa história. A história da longitude é tão longa e tão ampla que não começa nem acaba em Harrison e não se desenvolveu só na Inglaterra, também não só em França, Espanha ou Portugal. Todos eles contribuíram à solução do problema e, como acontece na maioria dos avanços científicos, todos eles facilitaram a chegada de Harrison. Neste sentido, o Museu de Marinha, em Belém, oferece desde o dia 6 de Junho até o 28 de Setembro a sua própria versão do problema, por acaso uma notável versão: 300 anos Longitude Act (2). Provavelmente não seja a última. Depois de tudo, não há dúvida, todos os governos querem que a ciência jogue na sua selecção nacional, mesmo que as vezes não o mereça.

Notas
(1) www.longitudeprize.org
(2) Museu Marinha