A enfermidade contagiosa é causada por espiroquetas do tipo Leptospira, sendo considerada uma das zoonoses mais comuns e disseminadas globalmente (Adler, 2015). Embora possa ocorrer tanto em ambientes rurais quanto urbanos, nos últimos anos tem-se concentrado nas cidades, particularmente em comunidades marginalizadas e com situações higiénicas delicadas.

Ela é transmitida especialmente pelo contacto com a água ou solo infectados por urina de animais infectados, que actuam como principais reservatórios da doença (Bharti et al., 2003). A rápida expansão urbana desordenada, combinada com mudanças climáticas e infraestrutura insuficiente, tem intensificado a propagação da leptospirose em ambientes metropolitanos.

Este artigo busca explorar os aspectos ambientais e sociais que contribuem para a transferência da doença em áreas urbanas, enfatizando a necessidade de intervenções integradas baseadas em evidências epidemiológicas e análise espacial.

Epidemiologia e impacto global

A leptospirose ocorre excessivamente em zonas quentes e húmidas, onde factores climáticos como chuvas torrenciais e inundações intensificam a sua propagação (Lau, Smythe, Craig & Weinstein, 2010). Em países desenvolvidos, os casos estão frequentemente associados a actividades recreativas em ambientes aquáticos contaminados.

Já em países em desenvolvimento, a doença afecta principalmente populações vulneráveis que vivem em assentamentos informais, marcados por infraestrutura inadequada e acesso limitado a serviços básicos. A forma clínica da doença pode variar desde sintomas leves até complicações graves, como insuficiência renal, hepatite hemorrágica e síndrome pulmonar.

A taxa de mortalidade pode ultrapassar 70% em casos não tratados (Costa et al., 2014). Além disso, a similitude clínica com outras arboviroses, como dengue e Zika, contribui para a subnotificação e o diagnóstico tardio (Larocque, Saint-Hilaire, Bérubè & D'Amours, 2005).

Factores ambientais associados ao risco

A transmissão da leptospirose está directamente ligada a factores ambientais e sociais. Entre os principais estão:

  • Chuvas intensas e inundações frequentes;

  • Deficiência no saneamento básico;

  • Infraestrutura urbana inadequada;

  • Acúmulo de lixo e resíduos sólidos;

  • Baixa qualidade das habitações.

Em áreas urbanas, esses factores são mais comuns em assentamentos informais, onde a densidade populacional elevada e a carência de serviços básicos potencializam o risco de surtos.

Papel dos roedores na disseminação da doença

Os ratos urbanos, especialmente Rattus norvegicus e Rattus rattus, destacam-se como vectores na transmissão da leptospirose. Estudos realizados em Salvador, Bahia, revelaram que mais de 60% dos ratos capturados eram portadores de Leptospira spp. (Costa et al., 2014).

Esses animais excretam a bactéria na urina por longos períodos, mantendo-a viável no ambiente por semanas ou meses, dependendo das condições climáticas (Levett, 2001). Como os roedores são assintomáticos, métodos sorológicos podem ter baixa sensibilidade.

Nesse contexto, técnicas moleculares como PCR têm-se mostrado mais eficazes para detectar a presença da bactéria nos rins desses animais (Pfeiffer et al., 2008).

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico desta zoonose pode ser realizado através dos seguintes métodos:

  • Soroaglutinação microscópica com amostras pareadas (Bharti et al., 2003);

  • PCR, técnica molecular rápida e precisa;

  • Cultura bacteriana, embora específica, é lenta e pouco sensível.

O tratamento envolve antibióticos como penicilina e doxiciclina e, em casos graves, suporte hospitalar com monitorização renal e respiratória (Waggoner & Pinsky, 2016).

Análise espacial e identificação de áreas de risco

A análise espacial tem sido uma ferramenta valiosa para identificar áreas de alto risco de leptospirose. Técnicas como SIG (Sistemas de Informação Geográfica) permitem mapear a distribuição de casos humanos e factores ambientais associados (Brasil, 2006).

Ao cruzar dados sobre infraestrutura, saneamento, ocupação urbana e presença de roedores, é possível identificar “hotspots” de transmissão e planear acções preventivas mais eficazes (Pfeiffer et al., 2008).

Estudo de caso: leptospirose em Quelimane, Moçambique

No município de Quelimane, em Moçambique, a leptospirose tem ganho destaque devido às precárias condições de saneamento e elevada densidade populacional em áreas próximas ao aterro sanitário municipal.

Um estudo recente demonstrou como principais factores de transmissão da doença:

  • Ausência de abastecimento de água potável;

  • Falta de rede de esgoto canalizado;

  • Acúmulo de lixo a céu aberto;

  • Infestação de roedores.

A metodologia dividiu os sectores censitários em áreas de alto e baixo risco, com base em nove indicadores ambientais. Amostras de rim de ratos capturados foram analisadas por PCR, revelando correlação directa entre a presença de Leptospira spp. nos roedores e a incidência da doença na população (Paulino, 2023).

Considerações finais

A leptospirose geralmente afecta indivíduos em situação de vulnerabilidade social. O seu controlo requer políticas públicas integradas, com melhorias no saneamento, controlo de roedores e educação da população.

A utilização de tecnologias espaciais pode auxiliar na priorização de áreas críticas e na redução da morbimortalidade associada à doença. Investir em abordagens multidisciplinares, como a Saúde Única (One Health), é essencial para enfrentar esse problema de forma eficaz.

Além disso, a validação de metodologias de classificação de risco por sector censitário pode transformar a gestão local de saúde, tornando as intervenções mais precisas e direccionadas.

Referências bibliográficas

Adler, B. (2015). Current Topics in Microbiology and Immunology and Leptospirosis. Berlin, Germany.: Springer Berlin Heidelberg.
Bharti, A. R., Nally, J. E., Ricard, J. N., Matthias, M. A., Diaz, M. M., Lovett, M. A., & Vinetz, J. M. (2003). Leptospirosis: A zoonotic disease of global importance. The Lancet Infectious Diseases., 757-771.
Brasil, M. S. (2006). Abordagens Espaciais na Saúde Pública. Brasília.: Editora do Ministério da Saúde.
Costa, F., Ribeiro, G. S., Felzemburgh, R. D., Santos, N., Reis, R. B., santos, A. C., & Ko, A. I. (2014). Influence of Household Rat Infestation on Leptospira Transmission in the Urban Slun Environment. PLoS Neglected Tropical Diseases., 8-10.
Larocque, G., Saint-Hilaire, A., Bérubè, F., & D'Amours, A. (2005). An Integrated Approach to Assessing Environmental Impacts of Mine Effluents on Rivers. Mine Water and the Environment., 115-125.
Lau, C. L., Smythe, L. D., Craig, S. B., & Weinstein, P. (2010). Climate Change, Flooding, Urbanization and Leptospirosis: Fuelin the fire? Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene., 631-638.
Levett, P. N. (2001). Leptospirosis. Clinical Microbiology Reviews., 296-326.
Paulino, G. T. (2023). Prevalência e Factores de Risco Associados à Leptospirose na Saúde das Comunidades Próximas ao Aterro Sanitário Municipal da Cidade de Quelimane: Os perigos associados aos ratos. Quelimane.: Univercidade Católicade Moçambique.
Pfeiffer, D. U., Robinson, T. P., Stevenson, M., Syevens, K. B., Rogers, D. J., & Clements, A. C. (2008). Spatial Analysis in Epidemiology. Reino Unido: Oxford University Press.
Waggoner, J. J., & Pinsky, B. A. (2016). Multiplex Molecular Assays for the Diagnosis of Leptospira Infection: An update. Expert Review of Molecular Diagnosticis., 11-25.