Este artigo contribui para o debate sobre a saúde digital, oferecendo diretrizes baseadas na neurociência e na psicologia para pais, educadores e profissionais da saúde, a fim de promover um uso equilibrado e saudável das tecnologias desde a infância até a vida adulta.

A Lei nº 15.100/2025 foi instituída para organizar o ambiente educacional e evitar o descontrole decorrente do uso imoderado de celulares pelos estudantes. Essa legislação, que restringe o uso de celulares nas escolas públicas e privadas de educação básica em todo o território nacional durante as aulas — inclusive no período do recreio e nos intervalos — tem como objetivo reduzir distrações e promover um ensino mais focado e estruturado.

A tecnologia permeia quase todos os aspectos da vida moderna, e o acesso a dispositivos digitais e redes sociais tornou-se parte integrante do cotidiano de crianças e adolescentes. Embora esses recursos possam oferecer conteúdos educativos e oportunidades de interação, o uso excessivo pode comprometer o desenvolvimento cognitivo, emocional e social dos jovens.

A neurociência evidencia que a exposição prolongada – especialmente à luz azul, emitida por celulares, tablets e computadores – interfere na formação de conexões neurais essenciais. Essa exposição prejudica funções vitais, como a atenção, a memória e o processamento emocional, além de provocar alterações no ciclo do sono. Estudos, incluindo os divulgados pela Clínica Consulta, demonstram que a inibição da produção de melatonina, causada pela luz azul, altera o ritmo circadiano e compromete a qualidade do sono.

Por sua vez, a psicologia ressalta a importância de uma mediação ativa por parte de pais e educadores. O diálogo e a definição de limites são fundamentais para ajudar os jovens a construir uma autoimagem saudável, prevenindo comportamentos compulsivos, bem como reduzindo os riscos de ansiedade e depressão.

Estudos em neurociência e psicologia apontam que cada fase infantil possui vulnerabilidades específicas, e o impacto do consumo excessivo de telas pode se estender até a vida adulta, afetando a atenção, a qualidade do sono, a saúde mental e a habilidade de socialização.

Fase 0 a 3 anos: desenvolvimento inicial e sensibilidade a estímulos

Nessa fase, o cérebro está em um período crítico de desenvolvimento, altamente sensível aos estímulos sensoriais. A exposição precoce e excessiva a telas pode prejudicar o desenvolvimento da linguagem e da coordenação motora, além de favorecer padrões de atenção passiva. Bebês e crianças pequenas necessitam de interação humana direta para estimular conexões neurais essenciais, e o uso abusivo de dispositivos pode levar a atrasos comunicativos e dificuldades de aprendizagem.

Recomenda-se evitar a exposição a telas antes dos 2 anos de idade. Em vez disso, deve-se priorizar a estimulação ativa por meio de brincadeiras interativas, contato visual e atividades que envolvam a manipulação de objetos reais. É primordial incentivar a interação humana, promovendo o contato com os pais e cuidadores, de forma que os momentos de brincadeira estimulem a comunicação e o desenvolvimento motor.

Fase 4 a 7 anos: desenvolvimento da imaginação e socialização

Durante a fase pré-escolar, as crianças começam a formar a imaginação e a aprender regras sociais por meio da interação com os outros. O uso excessivo de dispositivos, como tablets e celulares, pode reduzir o tempo destinado às brincadeiras ao ar livre e à interação face a face, prejudicando o desenvolvimento da empatia e da criatividade. A exposição prolongada à luz azul dos dispositivos também pode interferir no ciclo do sono, afetando o humor e a capacidade de aprendizado.

Como solução, é necessário estabelecer limites claros para o uso das telas, restringindo-o a uma hora por dia – sempre com supervisão. Além disso, é importante incentivar atividades presenciais, como brincadeiras coletivas e atividades lúdicas ao ar livre, bem como promover ambientes livres de dispositivos durante as refeições e horas de descanso.

Fase 8 a 12 anos: consolidação do conhecimento e autonomia

Nesta fase, crianças começam a desenvolver autonomia e a construir conhecimentos de forma mais independente. Contudo, o uso excessivo de telas — seja para jogos, redes sociais ou acesso irrestrito à internet — pode incrementar comportamentos compulsivos e reduzir a motivação por atividades offline. A dependência digital pode dificultar a formação de relações interpessoais saudáveis e comprometer o desenvolvimento de habilidades socioemocionais essenciais para a vida em grupo.

Portanto, torna-se necessária a mediação dos pais para estimular o diálogo sobre o uso saudável da tecnologia, orientando-os quanto aos perigos do uso excessivo. Além disso, atividades diversificadas podem ajudar a promover hobbies que não envolvam o ambiente digital, como leitura, esportes e artes, e a educação digital deve instruir sobre os riscos do uso inadequado das redes sociais, enfatizando a importância do equilíbrio entre o mundo virtual e o real.

Adolescência (13 a 18 Anos): construção da identidade e vulnerabilidades emocionais

A adolescência é marcada por intensas transformações cognitivas e emocionais, onde o uso das redes sociais e de dispositivos digitais torna-se onipresente. Nesta fase, o excesso de telas pode aumentar a ansiedade, a depressão e os problemas de autoimagem devido à constante comparação social. O vício em jogos digitais e o uso compulsivo das redes podem também comprometer o desempenho escolar e dificultar o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas. Estratégias de autocontrole, como a prática de “desconectar” periodicamente e o estabelecimento de horários livres de tecnologia — especialmente antes de dormir — podem reduzir esses riscos.

A intervenção psicológica também é importante; recomenda-se o acompanhamento profissional quando sinais de ansiedade ou depressão forem detectados, prevenindo o agravamento dos quadros de saúde mental. Além disso, criar ambientes seguros que estimulem o diálogo sobre as pressões sociais e promovam a construção de uma identidade saudável pode fortalecer a autoestima dos adolescentes.

Consequências e soluções na fase adulta

O impacto prolongado do uso excessivo de telas durante o desenvolvimento pode se manifestar na vida adulta1 de diversas formas. Entre as consequências, destacam-se os déficits de atenção, que dificultam a manutenção do foco e a concentração em atividades que exigem reflexão profunda; problemas de sono, evidenciados por alterações no ciclo circadiano2 e insônia decorrentes da exposição contínua à luz azul; a saúde mental3 prejudicada, que se traduz em maior vulnerabilidade a quadros depressivos e ansiosos, além de dificuldades na regulação emocional e nas relações interpessoais; e a dependência digital, com comportamentos compulsivos relacionados ao uso excessivo de redes sociais, que dificultam a desconexão e o equilíbrio entre o mundo virtual e as responsabilidades da vida real.

Para mitigar esses riscos, é fundamental adotar medidas de redefinição de hábitos, promovendo a prática de atividades offline que estimulem o bem-estar, como hobbies, exercícios e interações sociais presenciais; investir em terapia e acompanhamento psicológico, visando o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e controle do uso excessivo de tecnologia; e incentivar a educação contínua sobre saúde digital e o manejo consciente do tempo em frente às telas.

Considerações finais

O uso excessivo de celulares, computadores, notebooks, tablets, videogames e redes sociais é um fenômeno que acompanha a evolução tecnológica, mas que também acarreta riscos reais para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Cada fase do desenvolvimento possui desafios únicos: desde os déficits sensoriais e motores na primeira infância até as vulnerabilidades emocionais e comportamentais na adolescência. Como consequência, muitos desses efeitos podem se estender até a idade adulta, comprometendo a saúde mental, as relações interpessoais e a capacidade de concentração.

A solução passa, antes de tudo, pelo incentivo ao diálogo e à mediação consciente dos pais e educadores, aliados ao desenvolvimento de políticas públicas e programas de orientação que promovam o uso equilibrado da tecnologia. Dessa forma, será possível minimizar os riscos e transformar as telas em ferramentas que potencializam, e não comprometem, o desenvolvimento humano.

Fontes e referências

1 O Perigo das Telas: Como o Uso Excessivo Afeta os Adultos.
2 Como o uso excessivo das telas afeta o cérebro.
3 Sem limite de idade: uso excessivo de telas piora saúde mental de diferentes gerações.
Oswaldo Cruz Foundation – IFF/Fiocruz. O uso das telas e o desenvolvimento infantil.
Scientific Society Journal. Saúde mental: os riscos em crianças e adolescentes pelo uso excessivo de telas: uma revisão integrativa.