A medicina estética tem crescido exponencialmente nas últimas décadas, tornando-se uma das áreas mais populares da medicina moderna. Com isso, surge uma série de questionamentos sobre os limites bioéticos e legais dos procedimentos estéticos e cirúrgicos, especialmente no que tange às mulheres, que são o público majoritário desses procedimentos. Questões como autonomia do paciente, responsabilidade médica, consentimento informado e regulação jurídica são essenciais para garantir uma prática segura e ética.
A busca incessante pela perfeição estética impulsionou o mercado, tornando procedimentos como harmonização facial, preenchimentos e cirurgias plásticas cada vez mais acessíveis. No entanto, os riscos associados e as implicações éticas dessas intervenções nem sempre são considerados com a devida seriedade, levando a consequências adversas tanto para os pacientes quanto para os profissionais envolvidos.
O crescimento da medicina estética e seus impactos
De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS, 2021), os procedimentos estéticos aumentaram em mais de 50% na última década. No Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP, 2022), o país está entre os líderes mundiais em procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos.
Esse crescimento tem sido impulsionado pela busca pela juventude, pressões sociais e influência das redes sociais. "As pessoas estão cada vez mais influenciadas pelo que vêm na internet, muitas vezes sem considerar os riscos envolvidos" (Dr. Ricardo Lemos, cirurgião plástico, entrevista para a revista Saúde & Estética, 2023). A exposição excessiva às padrões irreais de beleza tem levado muitas mulheres a buscarem procedimentos sem avaliação criteriosa dos riscos e dos impactos psicológicos.
Além disso, a banalização de intervenções médicas está diretamente ligada ao fácil acesso a clínicas que oferecem procedimentos a preços reduzidos, muitas vezes sem o devido respaldo legal ou qualificação adequada dos profissionais envolvidos. Em muitos casos, pacientes acabam se submetendo a procedimentos sem a mínima compreensão dos possíveis efeitos colaterais, como rejeição de materiais biocompatíveis, infecções e até deformidades permanentes.
A regulação jurídica dos procedimentos estéticos
No Brasil, a atuação dos profissionais da medicina estética é regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A Lei nº 12.842/2013, conhecida como Lei do Ato Médico, determina que procedimentos invasivos devem ser realizados exclusivamente por médicos, garantindo maior segurança ao paciente.
Contudo, há um problema recorrente no Brasil: a prática de procedimentos estéticos por profissionais não habilitados. Casos de aplicações de toxina botulínica e preenchedores por não-médicos têm gerado complicações graves. Em 2022, a ANVISA divulgou um alerta sobre os riscos do uso inadequado de bioestimuladores de colágeno, após diversos relatos de necroses faciais e cegueira (ANVISA, Relatório de Incidência, 2022).
Além disso, a fiscalização dessas práticas muitas vezes se mostra ineficaz, permitindo que profissionais sem formação médica adequada realizem procedimentos de alto risco. A falta de regulamentação clara e punições severas para infrações também contribui para a proliferação de clínicas clandestinas, onde pacientes são expostos a produtos de qualidade duvidosa e técnicas inadequadas.
Bioética e autonomia do paciente
A bioética é um dos pilares na medicina estética. Um dos princípios fundamentais é o respeito à autonomia do paciente, ou seja, seu direito de escolher ou recusar um procedimento. No entanto, essa autonomia deve ser exercida com base em informação clara e verdadeira.
O consentimento informado é um requisito essencial antes de qualquer intervenção. O paciente deve ser esclarecido sobre os benefícios, riscos e alternativas. A falha nesse processo pode levar a processos por erro médico. "Muitos pacientes assinam termos sem compreender os riscos reais. Isso pode configurar falha na comunicação médica e resultar em ações judiciais" (Dra. Carolina Pires, advogada especialista em direito médico, Congresso de Direito da Saúde, 2023).
Além disso, há um aspecto psicológico envolvido, no qual pacientes muitas vezes são influenciados por padrões de beleza irreais impostos pela mídia e redes sociais. Dessa forma, cabe aos profissionais de saúde garantir que os pacientes estejam buscando procedimentos por razões legítimas e não apenas para atender a pressões externas.
Responsabilidade médica nos procedimentos estéticos
A responsabilidade civil do médico na área estética é uma questão delicada. Diferente da medicina tradicional, onde muitas vezes o objetivo é salvar vidas, na medicina estética, os pacientes buscam melhora na aparência e, consequentemente, expectativas elevadas são criadas.
Casos de influenciadores digitais que promovem clínicas e procedimentos sem os devidos registros também são passíveis de ação judicial. Recentemente, um cirurgião plástico foi condenado por publicidade enganosa ao divulgar imagens de "antes e depois" editadas digitalmente (Tribunal de Justiça de São Paulo, Processo nº 100XXXX-XX.2023.8.26.XXXX).
Além disso, médicos podem ser responsabilizados caso não sigam protocolos de segurança adequados, utilizem materiais inadequados ou falhem em comunicar os riscos reais do procedimento. Assim, a medicina estética deve ser praticada com total transparência, garantindo que o paciente esteja plenamente ciente das possíveis complicações.
Mais recentemente, a 4ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Processo: REsp 2.173.636, entendeu que o médico cirurgião plástico deveria ser condenado a indenizar paciente pelo resultado da cirurgia de manas não tê-la agradado, ou seja, por mais que o médico, tenha usado a melhor técnica, conforme o art. 14 do CDC, a cirurgia plástica estética esta vinculada ao resultado, assim, não estando satisfeita a paciente com o resultado, o médico tem o dever de indenizar1.
Os limites éticos da medicina estética
Outro ponto crítico na medicina estética é a ética na indicação dos procedimentos. Existe uma linha tênue entre o que é realmente necessário e o que é impulsionado por modismos e pressões sociais. Muitas mulheres buscam procedimentos por influência de celebridades e redes sociais, sem avaliação dos impactos psicológicos.
Estudos apontam que a dismorfia corporal tem aumentado com o uso excessivo de filtros e aplicativos de edição. "Pacientes chegam ao consultório pedindo para ficar iguais às suas fotos editadas, o que é um desafio bioético para o médico" (Dra. Juliana Mendes, dermatologista, Jornal da Medicina Estética, 2023). Cabe também discutir a responsabilidade dos profissionais de saúde em não realizar procedimentos desnecessários apenas por lucro. Muitos casos de complicações graves poderiam ser evitados se houvesse maior critério na seleção de candidatos a determinadas intervenções.
Conclusão
A medicina estética tem avançado e proporcionado resultados impressionantes, mas também levanta questões legais e éticas importantes. A regulação precisa ser cumprida rigorosamente para evitar danos à saúde das mulheres. É essencial que profissionais atuem com transparência, que pacientes estejam bem-informadas e que o poder público fiscalize o setor adequadamente. A bioética deve ser um guia permanente na medicina estética, garantindo que a busca pela beleza jamais ultrapasse os limites da segurança e do respeito à dignidade humana.
Além disso, o avanço da tecnologia e o surgimento de novos procedimentos exigem que a legislação seja constantemente atualizada para garantir a segurança dos pacientes. O compromisso com a ética e a transparência é fundamental para que a medicina estética continue sendo uma ferramenta para a melhoria da autoestima e qualidade de vida, sem colocar em risco a integridade física e emocional dos pacientes.
Nota
1 STJ: Médico responde por cirurgia que não atingiu "senso comum estético".