Cerca de três anos após tecnologias baseadas em prompts terem se popularizado, como ChatGPT, Dall-E, Midjourney e Sora, as interações entre arte e inteligência artificial continuam a provocar reflexões profundas. Simultaneamente, surge a questão de como o meio artístico dialoga com o acelerado cenário tecnológico contemporâneo. Entre especialistas e pessoas fora do campo, há um consenso de que nos encontramos em uma nova era da IA, marcada por especulações amplas e um entendimento ainda incerto sobre seu verdadeiro potencial.
Quando tratamos de IA, referimo-nos geralmente a modelos desenvolvidos a partir de infraestruturas fundamentais, as chamadas foundation models, criadas por um pequeno grupo de grandes corporações tecnológicas sediadas majoritariamente nos Estados Unidos. Essas empresas concentram a maior parte dos investimentos e recursos, produzindo sistemas complexos e custosos tanto em termos financeiros quanto ambientais.
Posteriormente, tais tecnologias são disponibilizadas para desenvolvedores menores, permitindo-lhes utilizar pontos de partida robustos sem precisarem idealizar soluções do zero. No entanto, o filósofo Yuk Hui, em seu livro Art and Cosmotechnics, adverte contra a percepção de que a IA é neutra e universal. Para ele, a inteligência artificial não é apenas um empreendimento técnico, mas também um projeto metafísico, enraizado em uma visão cartesiana que reduz as capacidades humanas a algo mensurável e replicável por máquinas. Hui propõe um caminho alternativo: desenvolver a IA sob influência de cosmologias não ocidentais, possibilitando que ela ultrapasse os limites da busca pela eficiência.
Nessa perspectiva, a IA poderia se tornar um meio de ampliar a criatividade humana e fomentar a interconexão, promovendo novas formas de interação e expressão em lugar de simplesmente priorizar produtividade ou otimização.
Nos últimos anos, as interseções entre arte e tecnologia digital têm revelado tendências que surgem com grande alarde apenas para, em seguida, perderem relevância. Há cerca de cinco anos, o NFT e o metaverso foram promovidos como revoluções iminentes, mas logo foram deixados de lado. Em contraste, a inteligência artificial avançou de forma avassaladora e irreversível. Em uma era de hiperconsumo de imagens na internet, conteúdos gerados por sistemas autônomos, como os deepfakes, integram-se ao fluxo visual de maneira quase indistinguível.
A distinção entre imagens “verdadeiras” e “falsas” tornou-se praticamente inviável — uma dualidade que, na verdade, desapareceu há muito tempo. Desde a manipulação de fotografias no século XIX, como as “fotografias de espírito” que simulavam manifestações paranormais por meio de truques de luz, até ferramentas como o Photoshop, usadas há mais de três décadas, razões para duvidarmos do que vemos não são recentes.
Hoje, a ideia de que a inteligência artificial pode imitar a realidade e habilidades humanas gera sentimentos mistos de fascínio e desconforto, amplamente refletidos nas redes sociais. Apesar de sua sofisticação, textos que aparentam ser gerados por IA — como aqueles associados ao ChatGPT — são comumente vistos como medianos, desinteressantes ou pouco inspirados. No campo das artes visuais, os primeiros trabalhos criados a partir de prompts em sistemas como o Midjourney inicialmente despertaram fascinação pelo progresso tecnológico. Contudo, à medida que tais ferramentas se tornaram acessíveis a um público maior em questão de meses, a sensação de novidade rapidamente se dissipou, reduzindo essas produções a algo comum e ordinário.
Um dos exemplos mais fascinantes na interseção entre arte e inteligência artificial é o trabalho da artista e compositora Holly Herndon. Junto com seu parceiro Mat Dryhurst, ela tem explorado amplamente as possibilidades do aprendizado de máquina na criação artística, especialmente no campo musical. Em 2019, no álbum PROTO, Herndon apresentou Spawn, um algoritmo de voz sintética que interagia diretamente com suas composições. Para ela, a IA não é apenas uma ferramenta, mas também uma potencial parceira criativa.
Mais recentemente, desenvolveu o Holly +, um algoritmo treinado com sua própria voz, permitindo interpretar canções de terceiros sem sua participação direta. Isso levanta a provocativa questão: essas criações poderiam ser consideradas colaborações com a própria Herndon? Por meio desses experimentos, ela desafia conceitos tradicionais de autoria e singularidade artística, ao mesmo tempo em que intensifica o antigo debate sobre apropriação e consentimento no campo das artes. Ampliando esse diálogo, Dryhurst e Herndon criaram a plataforma Have I Been Trained?, onde criadores podem verificar se suas obras estão sendo utilizadas no treinamento de IAs e impedir seu uso caso desejem.
Outro marco significativo da arte gerada por inteligência artificial é a obra Unsupervised (2022), de Refik Anadol, uma instalação que conquistou ampla atenção do público e da mídia no MoMA, em Nova York. A obra consiste em uma imponente tela de LED no lobby do museu, onde imagens dinâmicas são geradas por um algoritmo que interpreta dados do vasto acervo da instituição. Este espetáculo visual foi apelidado jocosamente pelo crítico Jerry Saltz de "a glorificada lava lamp do MoMA" em seu artigo para a revista Vulture, refletindo o ceticismo que cerca alguns experimentos artísticos envolvendo IA. Em vez de temer, devamos explorar esse novo território.