“Garota de Ipanema'' é uma das canções brasileiras mais consagradas da Bossa Nova. Foi criada por Antônio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto, em 1962. No mesmo ano, Pery Ribeiro produziu a primeira gravação comercial e, no ano seguinte, uma versão internacional foi escrita por Norman Gimbel.
A obra se tornou uma das canções mais conhecidas mundialmente após ter sido gravada por Frank Sinatra, em março de 1967, com a gravação do álbum ‘Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim’. A música é a segunda canção mais regravada do mundo, ficando atrás apenas da música “Yesterday”, dos The Beatles.
A Bossa Nova é uma renovação do samba do Rio de Janeiro no fim da década de 1950. O Samba foi criminalizado em 1890, dois anos após a promulgação da Lei Áurea, como crime de “vadiagem”, punindo pessoas negras que estivessem reunidas em grupos ou tocando pandeiro.
Isso nos recorda o que acontece atualmente com o funk, estilo musical que vem da periferia e não é bem-visto pelos olhos da elite do país. E como diz a bailarina Arielle Macedo, que acompanha e trabalha com a Anitta desde o início da carreira, esse preconceito não é só relacionado à música, mas também ao que há por trás dela, a cultura, o preto, o pobre e a mulher periférica rebolando.
Como mencionado por Spartakus em sua análise da música de Anitta:
Nesse contexto (bossa nova), saem os cantores pretos e entram os intelectuais brancos e a cultura de uma minoria tem seus símbolos embranquecidos, deixando o samba mais próximo da música americana para agradar à elite e torná-lo mais comercial.
Uma diminuição e comoditização do rico estilo afro-brasileiro, trazendo uma hegemonia cultural, termo usado por Gramsci para expor o tipo de dominação ideológica de uma classe social sobre outra.
Larissa de Macedo Machado, mais conhecida por seu nome artístico “Anitta”, é cantora, compositora, dançarina e empresária, nascida e criada na periferia de Honório Gurgel, na zona norte do Rio de Janeiro. A cantora começou sua carreira cantando funk no baile da Furacão 2000 e hoje mistura vários estilos musicais em seus álbuns, mas o Pop com uma pitada de Funk é o queridinho da artista.
Anitta conta com mais de 64,5 milhões de seguidores no Instagram, 19,6 milhões no X e no Youtube mais de 17,8 milhões de inscritos, onde contabiliza mais de 8,4 bilhões de views em seus trabalhos. Devido ao impacto da canção ‘Garota de Ipanema’, ela fez uma jogada de marketing para que o seu primeiro álbum internacional tivesse uma correlação com a música mais conhecida do Brasil no mundo.
Utilizou elementos da sua vivência para gravar o clipe da canção “Girl From Rio”, e, ao mesmo tempo que ela homenageia a Bossa Nova, também faz críticas sociais em relação à desigualdade social e racial na indústria musical brasileira. No início do clipe, ela mostra um Rio de Janeiro bonito, sem defeitos, como retrata a Bossa Nova.
Deixa eu te contar sobre um Rio diferente
Aquele de onde eu venho, não o que você conhece
Aquele que você conhece quando não tem 1 real(Girl from Rio, canção de Anitta)
E nesse momento do clipe, a paisagem começa a mostrar a cidade pelos olhos dos moradores das comunidades, a cidade “real”, de como a comunidade periférica enxerga.
O vídeo nos remete ao Piscinão de Ramos, instalado no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, local onde Anitta fez seu primeiro show de Ano Novo ainda em 2012. Nessa cena inicial em que Anitta está saindo do ônibus, somos remetidos à reportagem de Os Pobres Vão à Praia, exibida no programa Documento Especial da antiga Rede Manchete, em 1989.
Essa reportagem premiada registrou o preconceito de pessoas da elite que viviam em Ipanema e Copacabana com os farofeiros que viviam nas zonas pobres do Rio de Janeiro e iam para a praia para um momento de descontração. Momentos cotidianos que ocorrem em praias mais populosas, como pessoas dançando ao lado da sua caixa de som, comendo frango frito com arroz e farofa, ou brigando.
O clipe percorre entre essas imagens do Rio de Janeiro criadas por Hollywood e a imagem que Anitta tem da realidade pobre do Rio de Janeiro. Nas cenas do piscinão, por exemplo, a artista faz questão de desconstruir a imagem da Garota de Ipanema, e começa a mostrar uma diversidade de corpos magros e gordos, cabelos lisos, cacheados, crespos e trançados.
A artista sempre buscou mostrar de onde veio e a cultura local em seus videoclipes, como em ‘Vai Malandra’, produzido na Favela do Vidigal, onde retrata o dia a dia dos moradores que utilizam mototáxis, jogam sinuca em barzinho e fazem marquinhas e bronzeamento com fitas isolantes nas lajes de suas casas.
Assim, além de expor para o mundo a realidade da desigualdade social de muitos, ela também mostra as belezas do Rio e a alegria de seu povo, e nesse enredo, também consegue unir a bossa nova e o funk em sua canção, que são dois ritmos importantes da cultura brasileira.