Não há dúvida de que o titulo deste esboço de reflexão é ambicioso e que, aqui, só poderemos aflorar alguns problemas, mas também é deliberadamente ambíguo: para pensar a língua na sua dimensão política, é preciso pensar a língua enquanto entidade política. Necessitamos de um programa no interior da política, pois o objetivo não é transformar a língua num objeto da ciência, mas sim perceber em que medida ela pode constituir um instrumento indispensável para a ação. Adotar uma política da língua para a lusofonia não é, de modo algum, um regresso à colonização. Também não falamos de um enclausuramento num domínio antigo, mas de uma necessidade de uma política linguística para fins de proteção, promoção e arbitragem. Além disso, com a mundialização, e não a «globalização», a política linguística tornou-se muito mais complexa. Com efeito, uma política linguística já não pode ser puramente nacional, deve abranger, obrigatoriamente, três níveis: o nível micro (indivíduos, agregados), o nível meso (empresas, universidades, etc.) e o nível macro (sociedade, Estado, grupo de Estados, mundo). Com a combinação destes níveis, a política linguística assume uma nova dimensão, mais complexa, que se torna forçosamente geopolítica.

Numa época na qual os representantes políticos reconhecem a importância das questões relativas à politica da saúde ou à politica cultural, é chegado o momento de encarar com seriedade a elaboração de uma política da língua para a lusofonia. No mundo lusófono, além dos discursos de circunstância, não há muitas políticas linguísticas, ignorando-se, aparentemente, que as linguas existem para servir os homens, e não o contrário: nós não estamos ao serviço das linguas. Seria muito positivo apresentar propostas construtivas de política linguística como, por exemplo, relativamente ao estatuto do português nas Nações Unidas, mas também contemplar a questão da gestão linguística da Europa, sobre a qual ninguém deseja falar.

Uma política da língua tem vários objetivos: integrar harmoniosamente os cidadãos na sociedade, lutar contra a exclusão, fomentar a criatividade, sensibilizar para a tolerância, incentivar a participação da nossa economia nas inovações tecnológicas mais promissoras, etc. Infelizmente, os aspetos da linguagem dos grandes problemas sociais ou económicos são frequentemente relegados para segundo ou terceiro plano. No entanto, estão um pouco por toda a parte: na política científica (práticas de difusão dos resultados, de divulgação), na política de defesa do consumidor (manuais de instruções, segurança), na política da formação e do emprego, na política de contacto entre o cidadão e as autoridades públicas (simplificação da linguagem administrativa, jurídica, etc.), na politica do desenvolvimento informático, na politica da integração, designadamente, quando a integração em causa diz respeito às pessoas excluidas pelas suas origens culturais ou sociais... Por conseguinte, uma política da língua também deve ter como missão sensibilizar os interessados – e os decisores – para todas estas questões.

Todos os Estados democráticos deveriam dotar-se de instrumentos que lhes permitissem alcançar estes objetivos de política linguística: uma administração e um laboratório de ideias da sociedade civil (um grupo de cidadãos e de especialistas), cuja missão consistiria em emitir pareceres para os diferentes governos sobre os eixos da respetiva política línguistica.

A melhor estratégia para defender uma língua é falá-la, mantendo-a viva e, com ela, a sua identidade e a sua cultura. Lembremo-nos de que falar uma língua significa produzir pensamento nessa língua, desenvolver conceitos e produzir raciocinios, uma lógica.

Logo, todos os intervenientes têm em mãos uma missão delicada. Ainda que os recursos da CPLP não sejam imoderados, a sensibilidade para estes desafios que a língua implica nem sempre é clara. Recordemos igualmente que uma política linguística eficiente não deve considerar unicamente a língua portuguesa, base da nossa Comunidade, mas também as outras línguas que ela mobiliza – línguas regionais, linguagem gestual, línguas utilizadas no meio profissional, línguas de imigração – para que nada fique por explorar nesta riqueza cultural e linguística, com a sua multiplicidade de variantes lexicais e terminológicas. Além disso, salientamos que existem enormes diferenças de relação com a lingua, inclusivamente, no seio da Lusofonia: uma verdadeira marca identitária no Brasil e em Portugal, onde é a língua materna da grande maioria da população, ao passo que, na maioria dos países africanos e em Timor, é um simples veículo de comunicação. Neste caso, a Lusofonia dita «linguística real» abrange, parcialmente, as diversas realidades da lusofonia geográfica, na medida em que os Estados-membros da lusofonia não partilham a mesma realidade linguística. Em última instância, o que nos interessa é compreender o que significa uma política da língua na era da globalização.

Ao refletirmos sobre a dinâmica das línguas de hoje e sobre a sua capacidade de se imporem noutros espaços linguísticos, devemos tomar em consideração três critérios fundamentais. O primeiro diz respeito ao dinamismo da comunidade que fala essa língua e, designadamente, ao seu dinamismo económico. Não há dúvida de que o inglês é a lingua dominante por conta da globalização económica, dado ser a lingua do dólar e das transações comerciais. Mas não nos podemos esquecer de que o dinamismo de uma língua também depende da sua capacidade de expressar as invenções e as técnicas, ou seja, o progresso científico. Uma língua ocupa o primeiro plano quando acumula todos os seus critérios positivos: o dinamismo económico, a função de língua de expressão científica e a dimensão simbólica, e mesmo artística. No que diz respeito ao português, podemos compreender a sua angústia linguística, pelo facto de ser uma língua que exprime uma identidade, mas que ainda não é um veículo que impõe novos significados... não sendo ainda considerado uma língua de prestigio num determinado plano. É preciso fomar uma frente geopolítica do português, simultaneamente externa – a força dos Estados que aderem à sua filosofia, com consequências a nível da influência – e interna, tornando-se num meio fiável de promoção social. O futuro da língua portuguesa também vai depender da sua capacidade de rentabilizar o valor da sua extensão geográfica e o seu lugar na vida moderna.

Penso que seria conveniente que os Estados e os governos lusófonos aproximassem as suas estratégias nos domínios da política linguística e também da educação, da ciência e, inclusivamente, da economia. Poderiamos ainda acrescentar os erros económicos que enfraqueceram a língua, e que confirmaram à classe empresarial a impressão de que o sistema anglófono é o mais eficaz. O que está manifestamente errado, como, aliás, se começa a notar.

Também é necessário insuflar uma nova dinâmica naquilo que já existe e, sobretudo, reforçar o sentimento de que pertencemos a uma coletividade que não é um mero agrupamento de interesses, mas antes um verdadeiro projeto cultural e humano, ainda que a única linguagem que conta, aparentemente, seja a da economia. Todas as políticas da língua devem manter-se atentas ao perigo de um colonialismo socioeconómico e cultural exercido por um «cilindro compressor» económico, para benefício da hegemonia anglo-americana e de uma cultura de massa materialista, que empobrece o património da Humanidade. Num momento em que se trava uma luta mundial pelo poder, o português pode tonar-se uma lingua de «contrapoder», face à normalização cultural e à uniformização crescente do pensamento único. Nesta perspetiva, o português reúne condições para ser uma língua de mediação, de intercâmbio, de intercompreensão cultural, tornando-se ainda mais rico.

Sob o prisma de uma política linguística, os paises lusófonos devem tomar muito rapidamente consciência das medidas a adotar com mais firmeza, mas também cabe aos intervenientes no terreno – docentes de português de todos os níveis – garantir o futuro da língua portuguesa e da diversidade cultural. Os paises lusófonos dispersos pelos vários continentes e que vivem realidades politicas, económicas, sociais, culturais e linguisticas tão distintas, devem adotar uma politica da lingua para o presente e para o futuro, e frisar a responsabilidade partilhada dos membros da Lusofonia, das suas instituições e da sociedade civil na promoção da língua portuguesa.

Afigura-se crucial refletir sobre um novo equilíbrio linguístico mundial, daí a importância de uma política integrada de promoção da língua portuguesa, como por exemplo:

  1. Reforçar a posição e a ressonância do português no panorama internacional: a Lusofonia deve continuar a empenhar-se para desenvolver uma acção decisiva nas estruturas internacionais de concertação e de decisão, sejam de ordem política, económica, cultural ou desportiva.

  2. Enfrentar o desafio político do multilinguismo: a Lusofonia deve garantir a posição e a ressonância do português no novo cenário mundial, tendo em conta as novas relações entre as línguas internacionais, numa ótica de colaboração e reciprocidade.

  3. Adaptar a ação multilateral aos contextos linguísticos regionais e nacionais: as ações multilaterais de promoção da língua portuguesa serão mais eficazes se contemplarem os estatutos e os usos diferentes, designadamente, em África e na Ásia, com uma realidade muito especifica, mas rica em diversidade linguística e cultural.

  4. Consolidar a lingua portuguesa como lingua de acesso ao saber para todos: a educação deve permanecer no cerne da Lusofonia, e a lingua portuguesa deve continuar a ser um dos principais vetores do ensino, da investigação e das ciências.

  5. Frisar o contributo da língua portuguesa para o desenvolvimento económico: o interesse da lngua portuguesa deve ser procurado prioritariamente nos domínios que satisfazem necessidades das populações (mundo empresarial e profissional, em geral, acesso à cooperação e aos recursos financeiros internacionais).

  6. Valorizar muito mais a imagem da língua portuguesa e a sua presença nos meios de comunicação social e no mundo digital: é essencial reforçar uma unidade e coordenação dos esforços de todos os agentes da Lusofonia e demonstrar a qualidade e a diversidade das suas ações.

Chegou o momento de nos dedicarmos a uma estratégia internacional para a língua portuguesa através de uma visão ambiciosa e inovadora, moderna e progressista. Por conseguinte, tanto a nível da política linguística quanto da política em geral, devemos tentar antecipar e prever temas e cenários, refletindo sobre um reordenamento da língua. O estatuto da língua portuguesa é uma «porta de entrada» para a problemática do ordenamento linguístico, ou da política linguística em geral, mas, de certo modo, cabe aos políticos desenvolver o planeamento do estatuto das linguas, recorrendo à ajuda de linguistas e outros especialistas... Será necessário analisar os diferentes estatutos da língua portuguesa:

  • Um estatuto de facto centrado no multilinguismo que, a meu ver, é frequentemente uma construção de cariz político.
  • Um estatuto jurídico da língua.
  • Um estatuto regulamentar da língua.
  • Uma língua de tradução.
  • Um estatuto linguístico e sociolinguístico também deve ser explorado.
  • Um valor económico.
  • Um valor cultural.
  • Um valor psicossociológico, com referência às noções de purismo, empréstimo, anglicização...
  • Um valor sentimental: os Catalães usam o termo «autoodi» para designar o ódio contra a própria lingua. Talvez se pudesse inventar um termo para designar o amor pela própria lingua.

Se pretendemos uma verdadeira política da língua e que a língua portuguesa preserve o seu papel de língua internacional, é indispensável que os representantes políticos e os altos representantes atuem como embaixadores e abdiquem de uma certa «anglomania» que, por vezes, os caracteriza, para dar resposta às lógicas diplomáticas táticas. A intransigência lusófona também passa por relembrar algumas regras de base: numa instância internacional na qual a língua portuguesa é a língua de trabalho, é inadmíssivel que os agentes lusófonos comuniquem em inglês, como acontece frequentemente, chegando a roçar o absurdo.