A escola certamente não foi o lugar onde eu comecei a gostar de literatura. Lembro-me do encanto inicial com o aprendizado da leitura nos primeiros anos do ensino fundamental, mas de achar as aulas de língua portuguesa e de literatura um grande tédio durante o ensino médio. Não havia conversas sobre o que nós, alunos, estávamos lendo, ou se não gostávamos de ler ou sobre o que havíamos conhecido a partir dos livros.

A memória mais nítida que possuo dessa época escolar remete à leitura de trechos de obras literárias no livro didático, que eram lidos pela professora para responder às atividades de interpretação. Se acaso líamos em voz alta esses fragmentos, era apenas para verificar se não omitíamos alguma sílaba. Quando a professora comentava sobre os trechos e seus autores, não falava diretamente aos alunos, não observava como eles reagiam, se algo no texto, ou mesmo na biografia desses autores, despertava-lhes curiosidade ou se relacionava com suas vidas. Isso tornava a leitura esvaziada de sentido e desconectada do mundo.

Pelo menos duas décadas se passaram e criar o gosto pela leitura literária ainda é um desafio para a escola, principalmente quando observamos alunos submetidos a um ensino didático raramente prazeroso. Alguns dos problemas observados nesse modelo são o uso da literatura como pretexto para o estudo gramatical, atividades que exigem apenas o resumo da obra, da biografia do autor e a identificação das características do período literário. Ou seja, um modelo de ensino que prejudica a conexão entre a literatura e mundo. Ler nessas condições torna-se uma tarefa árida e tortuosa1 para a maioria dos alunos, que sairão da escola afirmando não gostar de ler.

Além disso, a quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura” (2020), realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL), pelo Itaú Cultural e pelo IBOPE Inteligência, apontou que jovens entre 14 e 17 anos e de 18 a 24 anos estão entre o maior percentual de redução do número de leitores brasileiros. Analogamente, trata-se da faixa etária que corresponde aos anos finais do ensino fundamental e ao ensino médio. Segundo o estudo, os principais fatores que competem com a leitura, para essa faixa etária, são a televisão, as redes sociais e a internet.

A partir desses fatores, podemos entender que o ensino de literatura nas escolas necessita se conectar com os estudantes. Uma das maneiras de tornar isso mais possível é trabalhar o que Antonio Candido2 apresentou como a dimensão humana da literatura. Para esse teórico, a literatura nos ajuda a desenvolver nossa humanidade, na medida em que refinamos a sensibilidade para olhar para o outro e compreender a complexidade das relações sociais e culturais.

Desse modo, podemos também nos tornar mais empáticos, pois conectamos raciocínio e emoção ao aprendemos sobre o mundo, sua diversidade e seus problemas, vivendo na pele de personagens de diferentes culturas, localidades e tempos. Por toda essa riqueza, esse laboratório de experiências sobre o humano, a literatura é uma necessidade e ao mesmo tempo um direito.

O escritor Todorov3 também destaca que a literatura cumpre seu papel ao fazer parte da experiência humana e ao dialogar constantemente com o mundo, numa comunicação inesgotável, que não tem nada a ver com verdade, mas com amor. Nessa perspectiva, o ensino de literatura necessita considerar os interesses pessoais e coletivos da cultura contemporânea. Isso inclui compreender a relação dos jovens com a cultua digital, o modo como eles se relacionam, comunicam, aprendem e produzem sentido.

Para a escritora Aline Valek, a interação com a literatura permanece vibrante na internet e pode surgir em locais surpreendentes, como fóruns, fanfics, newsletters e, até mesmo, ultrapassar os limites dos textos, como ocorre em podcasts. De acordo com Aline, esses novos espaços de diálogo, como grupos de leitura e comunidades online, proporcionam uma troca rica de experiências, perspectivas e diálogos profundos sobre os textos literários. Isso torna a comunicação e a interação com os escritores que apreciamos mais acessíveis, ampliando as referências para ambos os lados, tanto para leitores quanto para autores. Quantas possibilidades as tecnologias digitais e a internet podem gerar para o ensino de literatura?

É possível possibilitar relações entre clássicos da literatura e textos da cultura de massa e de gêneros próprios da cultura digital. Essa abordagem tem muito mais chance de despertar a curiosidade dos jovens para a atemporalidade de temas, sentimentos e elementos inerentes à condição humana4 presentes nas obras que compõem o legado literário brasileiro, contribuindo para a qualidade da formação leitora e para o desenvolvimento da criatividade, do pensamento crítico e das habilidades socioemocionais dos estudantes.

A integração entre o ensino de literatura e as tecnologias digitais oferece um benefício adicional ao incentivar a prática da autoria entre os jovens. Isso ocorre porque eles se sentem motivados a criar e publicar seus próprios textos online. A escola pode apoiar essa iniciativa ao encorajar a publicação em diferentes plataformas, como blogs, Instagram, Facebook, podcasts, e-books ou audiobooks organizados pela instituição. Além disso, a promoção de eventos como feiras literárias, seminários e grupos de leitura proporciona aos jovens a oportunidade de compartilhar suas produções, apresentar comunicações e participar de debates sobre os textos criados.

Desse modo, o potencial da literatura vai muito além do cumprimento do currículo educacional ou das leituras obrigatórias para o vestibular. Sendo assim, um caminho para o resgate do gosto pela literatura na escola pode ser trabalhar a dimensão humanizadora da literatura, sem perder de vista jamais a conexão com o mundo em que os jovens vivem, interagem e constroem suas identidades.

Notas

1 Kleiman, A. Oficina de leitura – teoria e prática. São Paulo: Pontes, 2007, cap. 2-3, p. 11-16.
2 Candido, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011.
3 Todorov, Tzvetan. A literatura em perigo. 3. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010, p. 96.
4 Mendes, Nataniel; Silva, Elizabeth Corrêa da. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.65 Salvador jan./mar 2022.