A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresenta, em seu capítulo introdutório, as dez competências gerais da educação brasileira. Tal conteúdo pode ser considerado o maior avanço que este documento traz para as novas maneiras de pensar e fazer a educação no país. Tais competências foram pensadas para que os estudantes possam (e consigam) desenvolver todas as dimensões propostas pelas competências gerais, legitimando, assim, o papel da educação, enquanto transformadora de realidades, ou seja, uma educação que, efetivamente, seja capaz de contemplar todas as dimensões de desenvolvimento do ser humano nos aspectos cognitivos, físicos, sociais, emocionais e culturais.

Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.

O novo Ensino Médio, por sua vez, é uma reforma na grade curricular aprovada durante o governo do ex-presidente Michel Temer pela lei nº 13.415/2017 , que alterou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu mudanças na estrutura do ensino.

Além de ampliar o tempo mínimo do estudante na escola de 800 horas para 1.000 horas anuais, o novo sistema define uma organização curricular mais flexível e adota uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece um currículo comum obrigatório para todos os alunos. As redes e escolas terão até 2022 para se adaptar à nova legislação.

Para que o novo Ensino Médio seja aplicado de maneira efetiva, a BNCC precisa garantir a todo estudante brasileiro, de escolas públicas e privadas, aprendizagens comuns e obrigatórias, que preparem os jovens para o mundo do trabalho e permitam um pleno exercício da cidadania.

Uma dúvida que paira no ar quando se fala neste assunto é como vai funcionar a BNCC/EM? Como acontecerá sua aplicabilidade? O documento tenta responder tal questão.

De acordo com a Lei nº 13.415/2017, estabelece-se que a matriz da BNCC/EM ocupará no máximo 1.800 horas, sendo complementadas pelos itinerários formativos apresentados no artigo 35-A desta lei, definindo “direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio”, nas “áreas base” da formação acadêmica dos estudantes, a saber: “Linguagens e suas tecnologias”, “Matemática e suas Tecnologias”, “Ciências da Natureza e suas Tecnologias”, “Ciências Humanas e Sociais Aplicadas” e, por fim, “Formação Técnica e Profissional”.

Diante do mérito da aplicação da BNCC nas escolas, os problemas poderão se ressaltar ainda mais, desde o início dessa estrutura, pois é perceptível que as redes de ensino podem aprovar um currículo comum reduzido a poucas horas, visto que o documento não apresenta uma carga horária mínima para o cumprimento do que fora apresentado no artigo 35-A da Lei, mas apenas uma carga horária máxima, que não pode ser ultrapassada. Sob um ponto de vista didático, também se pode questionar o conceito de educação “flexibilizada”, apresentada como solução para os métodos atuais de ensino (como está sendo anunciado por especialistas), pois tal modelo pode incentivar um ensino especializado precário durante os três anos de Ensino Médio.

Para o Ensino Médio, a BNCC reconhece, de maneira explícita, o compromisso do Estado e dos governos com a promoção de uma educação integral e desenvolvimento pleno dos estudantes, pois este compromisso já fora assumido na Constituição de 1988 e pelo Plano Nacional de Educação de 2014.

Tendo tais questões em vista, imaginando os mais diversos cenários e possibilidades para este documento, é importante trazer pontos de reflexão ou mesmo algumas hipóteses para a aplicação da BNCC nas disciplinas das ciências humanas, especificamente a Filosofia.

Ao inserir a Filosofia na grade curricular obrigatória do Ensino Médio, pode-se afirmar que a mesma possua uma função determinada para a formação da subjetividade do estudante, principalmente no que concerne o desenvolvimento do senso crítico e a capacidade de desenvolver discussões argumentativas nos mais diversos assuntos. Portanto, tornar-se professor de Filosofia é tomar consciência prévia de que se está entrando em um campo ainda em construção. Segundo Belieri3:

Alguns consideram que as aulas de Filosofia devem se constituir em momentos de discussão de situações-problema do cotidiano, o que propiciaria o desenvolvimento do pensamento crítico, verificado pela capacidade argumentativa de o aluno posicionar-se diante de diversos problemas da realidade. Outros consideram que o ensino dessa ciência deve possibilitar aos alunos o acesso ao conhecimento já produzido nesse campo, considerando ser essa a condição para que os estudantes possam desenvolver um pensamento filosófico

A BNCC, contudo, é clara, ao menos conceitualmente, sobre os objetivos da Filosofia enquanto disciplina da área de ciências Socias e Aplicadas, pois ela possui o papel de permitir aos estudantes que:

desenvolvam a capacidade de estabelecer diálogos – entre indivíduos, grupos sociais e cidadãos de diversas nacionalidades, saberes e culturas distintas –, elemento essencial para a aceitação da alteridade e a adoção de uma conduta ética em sociedade.

Tal posicionamento evidencia que a Filosofia permitirá um projeto de formação integrada, de forma ampla, ou seja, existe a possibilidade de criar uma filosofia homogênea, com propostas claras de ensino, dando liberdade para o professor, de acordo com a realidade, definir conteúdos, mas que consiga contemplar a história da Filosofia como um todo, e contra hegemônica, que possa abranger todos os estudantes, independente de classe social, religião, cor, etc., abrindo, assim, campos de possibilidades para escolha de conteúdos pertinentes ao contexto em que está inserida, gerando novas culturas e, sendo otimista, novas filosofias.

A disciplina, portanto, está encarregada de possibilitar o acesso a conceito, dados e informações que permitam aos estudantes atribuir sentidos aos conhecimentos da área e utilizá-los intencionalmente para a compreensão, a crítica e o enfrentamento ético do dia a dia.

A BNCC também apresenta desafios aos professores de Filosofia, pois estes terão de apresentar bases sólidas aos estudantes para que os objetivos de aprendizagem sejam cumpridos, pois, a BNCC pretende estimular ações nas quais professores e alunos sejam sujeitos do processo de ensino e aprendizagem.

A BNCC, sem anular o “modelo clássico” da formação por aulas, oferece outros modelos formativos (laboratórios, oficinas etc.), válidos para todas as unidades curriculares. Nisso há uma possibilidade forte de encontrar itinerários formativos em Filosofia, até mesmo com um aporte de modernidade metodológica. E esse “avanço” necessita de atualizações dos professores, para que se adaptem às novas metodologias, sem deixar de lado os outros métodos, principalmente quando se referem à leitura de textos, aulas expositivas, fomentando o interesse do perguntar, entre outros.

Vale ressaltar que a intenção foi dar margem aos professores, colégios e Estados, segundo o assessor da primeira fase da BNCC Professor Edgar Lyra (2015), para definir caminhos de convite dos estudantes ao filosofar sem deixar de enfatizar experiências fundamentais no processo escolar, na ausência das quais não se poderia dizer que uma introdução à Filosofia teria efetivamente lugar, especialmente em sua diferença relativa aos outros componentes curriculares e práticas mais gerais de saber e crítica:

Considerando as aprendizagens a ser garantidas aos jovens no Ensino Médio, a BNCC da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas está organizada de modo a tematizar e problematizar algumas categorias da área, fundamentais à formação dos estudantes [...]. Cada uma delas pode ser desdobrada em outras ou ainda analisada à luz das especificidades de cada região brasileira, de seu território, da sua história e da sua cultura.

Esses objetivos, acima expostos, possuem como finalidade favorecer ao estudante as condições para discutir os problemas sociais, históricos, culturais e filosóficos em qualquer sociedade e correlacioná-los com as questões contemporâneas. Assim, é papel dos professores, também, desenvolver métodos que garantam as condições de relacionar o ensino e a vida para enfrentar os problemas pessoais e sociais com as abordagens filosóficas, com criticidade e critérios adequados.

Notas

1 Brasil. Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – Versão Final. Brasília, DF: Senado Federal, 2018.
2 A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017.
3 Belieri, C. M.; Sforni, M. S. de F. Ações docentes no ensino de Filosofia no Ensino Médio. Quaestio - Revista de Estudos em Educação, Sorocaba, SP, v. 19, n. 3, 2017.