Se há coisa que me desagrada são as férias! Não, não sou um “Workaholic”, como seria de supor depois da afirmação anterior. No entanto, agora me recordo que em pequeno, chorava aos fins-de-semana, por querer ir para a escola. O meu pai ficava a olhar para mim, desconcertado. Ele sabia que a rotina de trabalho de um adulto era desgastante e muitas vezes, dizia aos meus irmãos e a mim — Durmam agora, aproveitem, porque depois vão-se arrepender de não o ter feito! Para ele, dormir era fundamental e fazia-o muitas horas. Era a sua forma de reencontrar o equilíbrio interior e uma certa paz. Os meus irmãos e eu ficávamos a ouvir os seus avisos, de coração aberto, mas sem entender bem onde queria chegar. Eu via que os dias se sucediam como filmes a cores, num conjunto de experiências mágicas que me enriqueciam – e enquanto se dorme, não se aprende! – pensava eu, na minha ingenuidade de criança com pouca experiência de vida. O que é certo é que acordava com as pilhas todas e a escola era o local ideal para fazer uso delas. Gostava de participar nas aulas, dava-me bem com os colegas, conhecia a maior parte dos professores e os quatro cantos do colégio. Os pais tinham-nos ensinado que ser estudantes era a nossa actividade profissional, e isso enchia-nos de orgulho. E logo fizemos um acordo: eles responsabilizavam-se pela nossa sobrevivência, bem-estar, educação, e em troca, teríamos sempre de passar de ano. E assim foi. Nunca nenhum dos três chumbou. Para mim era uma honra cumprir a minha parte do contrato. E saltava da cama, a sorrir para a vida e a descobrir o mundo com a minha curiosidade natural, porque aprender não era só o que ensinavam na escola. O meu avô materno dizia que a Educação se aprendia em casa, a Informação adquiria-se na escola e que a Cultura era a digestão que cada um fazia, para dar uma resposta ao mundo, de tudo o que tinha aprendido. Além disso, a consciência de estar vivo, fazia-me brilhar por dentro. Erros? Também os cometia, como toda a gente. Tentativa e erro sempre fizeram parte da aprendizagem. Só que não é este o tema de hoje, mas sim o porquê do horror das Férias.

Com a chegada à idade adulta, em Lisboa, deparei-me com o facto de que grande parte dos trabalhadores cumpriam as oito horas diárias de serviço em espaços sem luz natural, pouco ventilados ou com ar condicionado, pouco tempo para comer uma refeição decente, e com ordenados que não acompanhavam o crescimento da Inflação. Via-os assim como os novos mineiros das cidades. O mesmo ar infeliz, o olhar vazio e sem esperança que as trabalhadoras ainda conseguiam disfarçar com a maquilhagem do fim da tarde. Havia ainda as horas perdidas nos transportes de regresso a casa. E aos Fins-de-Semana, a grande maioria ainda se fechava em Centros Comerciais, tipo os Cães de Pavlov, de tão habituados que estavam à asfixia do local de trabalho. Percebia que essas oito horas diárias, mais não eram do que um segmento de recta, marcado pelo som de uma sirene ou, mais modernamente, pelo picar do ponto à entrada e à saída. Seguia-se o segmento do Descanso, que era o resto do dia, que incluía as horas de engarrafamento de regresso a casa, a ida ao supermercado, actividades pós-laborais e o cuidar dos filhos, quando os havia. Por último existia um outro segmento de recta denominado de Fim-de-Semana. O nosso tempo estava assim dividido em segmentos de recta! Por ser visualmente agressivo ter o tempo todo cortado em tiras, convencionou-se chamar de período de trabalho e período de descanso. Na Grécia Antiga instituiu-se a necessidade de haver tempo diário para filosofar. Os Cidadão-Livres não deviam ser escravos da rotina. E essa força, sentia-a viva dentro do meu peito. Como cortar a sensação de estar a ser segmentado, não sabia, e ainda hoje não sei.

Havia ainda o período das férias. Era o segmento de recta que sobrava depois de onze meses de trabalho intenso e desgastante. O prémio com que se fechava o ciclo de mais um ano para depois se voltar à rotina do trabalho.

As férias tornavam-se preciosas. Eram o período de escape de todo o stress do trabalho. Poder respirar ar puro, num local qualquer junto ao mar, numa aldeia do interior de Portugal ou no estrangeiro, tornava-se uma prioridade. E lá se voltava ao problema do segmento de recta que era partir de viagem no dia previsto e regressar noutro, previamente determinado. Mas isso não seria mais uma violência? Repetir o modelo? Até para descansar seria preciso um calendário? E lembrei-me de todas as férias que tinha feito, as datas de ida e de volta, com o aborrecido que eram os preparativos. Sempre que viajava de avião, a sensação piorava. Era o transtorno da ida para o aeroporto com duas horas de antecedência, o check-in, o Raio X da bagagem de mão e o detector de metais a passar pelo meu corpo, o controlo de Passaporte, a espera para o embarque, o embarque em si que quanto maior fosse o avião mais demorava, as longas horas da viagem porque sempre gostei de conhecer locais distantes, a chegada ao destino, mais o controlo de Passaporte, o Visto, a espera das malas, com o Jet Lag a deixar-me por dois ou três dias dentro de uma bolha. Quando me começava a aclimatar às praias de coqueiros, à água quente e turquesa do mar, à água de côco gelada e à espreguiçadeira à sombra sobre a areia fina, surgia o pânico de saber que dali a dias, teria de regressar ao trabalho. Começava então a ouvir os meus Nocturnos de Chopin Interiores, num sinal claro de que ia entrar em processo melancólico de tristeza profunda. E não havia Samba, Mambo ou Funaná que me arrancasse daquele estado letárgico. Via os dias a passar a uma velocidade tremenda e eu a sentir-me cada vez mais pré-cansado devido à pré-ocupação dos meus neurónios com o facto de já só ter quatro dias, antes do Inferno do regresso a casa. E é claro que ia para o aeroporto já no martírio, a minha Via Sacra pessoal. Era então que subia em mim o Tsunami do Mau Humor. Do táxi a cair aos bocados, com as malas encavalitadas, via o aeroporto ao longe que parecia uma Prisão de Alta Segurança, mais o Check-In com o despachar das malas, o carimbar do Visto de Saída, o Controlo de Passaporte, as horas de espera, as horas de voo num assento desconfortável como uma cadeira eléctrica e o Jet Lag no final. Com tudo isto, ficava tão cansado que de novo queria partir de férias.

E este processo repetiu-se tantas vezes até que li Fernando Pessoa e entendi a mensagem. Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, falava num dos seus Poemas Inconjuntos:

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra coisa todos os dias são meus (…)

E foi nessa consciência absoluta de ter um período limitado de vida, que descobri a liberdade total de viver cada momento. O Agora não estava forçosamente no enclave entre o Passado e o Futuro, porque nele havia a Eternidade. Segundo a Física Quântica, Passado, Presente e Futuro não seguem uma ordem cronológica, existindo no Agora em simultâneo. E havia ainda o Sonho, que sobrevoa o Tempo, uma recta sobre outra recta, o Infinito a materializar-se à minha frente.

Para nós, humanos, que sempre vivemos em Guerra, Dor e Medo, e agora debaixo da chuva tóxica dos Média e das Redes Sociais tão nocivas para a nossa saúde como a Fast Food, esse desequilíbrio dificultava o acesso ao verdadeiro Tempo e ao eterno Mundo dos Sonhos. A Humanidade não estando preparada para fazer um trabalho de busca interior e por outro lado não podendo deixar de sonhar, digladiava-se diariamente com o seu mal-estar, vomitando ódios e raivas sobre tudo e todos. Hoje, esse azedume chegou também aos jovens e às crianças. Não é de todo conveniente, para a evolução do planeta, que o Tempo esteja dividido matematicamente em segmentos de recta. Outra forma de contagem do Tempo terá de ser criada para aliviar o stress. Não acredito que a Sociedade actual, realize qualquer alteração, porque não lhe convém. Mas com as férias e os nossos tempos livres, talvez se comece a encontrar uma outra forma de estar na vida.

E daqui lanço um apelo, como Militante das Viagens Só de Ida, a todos aqueles que não querem seguir no stress das férias nos segmentos de recta – Vamos tornar consciente o Infinito do Agora e impedir que o desgaste da frustração provocada pelo stress nos roube energia. Vamos aproveitar a experiência ganha com a Pandemia e o trabalho a partir de casa, para ganhar qualidade de vida. Falo ainda para os reformados, desempregados, jovens ainda sem compromissos familiares, digam “Não!” às férias programadas. Digam “Não” às viagens de Ida e Volta! Não aos segmentos de recta! As viagens devem ser interrompidas porque assim o queremos, para deixarmos de ser escravos da Rotina. Para isso há que haver uma mudança no regime alimentar, praticar Yoga ou Meditação, dormir bem, beber muita água, fazer caminhadas na Natureza, evitar assistir a programas de TV, nem estar preso horas a fio aos acontecimentos nas Redes Sociais. Este é o passo para o despertar do Agora dentro de ti. Recomeça a equilibrar a vida, a fazer mais por ti e o sentido do Agora estará presente. Quanto maior for a consciência do Agora, mais se manifestará a noção de Infinito, de Sonho e de Recta.

O passar dos anos, trouxe-me a este ponto decisivo que foi deixar de ser escravo da rotina. Sei que sou disciplinado e posso cumprir horários, mas hoje o meu maior prazer está na escrita. Faço-o horas a fio, quando me dá na gana. É uma actividade individual, que não depende de mais ninguém. E porque me dá prazer, não lhe posso chamar de trabalho, nem de Hobby. O mesmo aconteceu com a minha vida inteira de actor e depois de cantor. Nunca senti que fosse uma obrigação representar ou cantar. E agora revejo-me na escrita que também tem um ponto de partida, mas nunca se sabe quando chegará o final. E se há coisa que gosto é de livros com finais em aberto. Lendas e histórias para crianças terminam quase sempre com “e viveram felizes para sempre”. Na base está o atingir da Felicidade, esse estado de alma que ultrapassa a riqueza material. É no respeito por nós próprios, pelos outros e por tudo o que nos rodeia, que a chave se encerra. A Felicidade, tal como o Amor, são exercícios diários. E não é que o tempo começa a passar mais devagar? Parece que se está regressando à Infância e às longas tardes de Verão, onde havia tempo para tudo o que se quisesse e ainda dormir a sesta, lanchar e brincar com os amigos.

Torno a dizer NÃO à sensação de frete que se tem quando se faz um trabalho de que não se gosta! E logo o Sonho entra em cena, elevando o nosso potencial vibracional, multiplicando Sinapses e Neurónios. O espaço de discussão pública, que nunca existiu em Portugal, chegou às Redes Sociais e agora grita aos quatro ventos, insultos e difamações. A vontade dos Egos sobrepôs-se à essência das almas. Voltar atrás e admitir humildemente os erros, os preconceitos e a má-educação? Isso, nunca! Parece difícil de entender que tem de existir uma Ética Comportamental Planetária, em que tudo e todos devem ser respeitados. Há que deixar de alimentar as Redes Sociais e voltar a conviver, dar abraços e comer juntos, alimentando afectos. Este trabalho pessoal, fez-me perceber que morrer em vida, era deixar de sonhar e isso fez-me mudar de vida. Assim, refugiei-me numa ilha perdida no Egeu, onde os Deuses do Olimpo ainda se manifestam, reflectindo-se no mar, nas estrelas e na paz ensolarada que aqui se respira. É certo que o Olimpo se encontra decepcionado com a Humanidade. Quem não ficaria, depois de ela ter tomado o freio nos dentes e, sem saber para onde ir, segue correndo em todas as direcções? Há que esperar. A Mudança está em cada um de nós.