Estudar a gramática a partir da sua utilização diária é algo desafiador. Não queremos criar uma gramática tomando como base o português brasileiro, mas ter como base o seu uso diário para tentar entender como ela tem se constituído ao longo da história, buscando trazer sentido a seu aprendizado hodiernamente.

Em tempos de desvalorização do ensino gramatical, propomo-nos aqui a trazer algumas abordagens que vão na contramão do que se faz atualmente; nadar contra a corrente é, portanto, inevitável. E não o fazemos apenas por prazer, mas por necessidade, pois, a cada dia tem se tornado maior o número de pessoas que não dominam o idioma e que sequer conseguem obter o mínimo esperado de um leitor. E o ensino da Gramática vai além de saber regras, como estamos aqui mostrando.

Para nortearmos nossa reflexão, tomaremos como base a Gramática Histórica, de Ismael Coutinho, a partir da qual buscaremos mostrar como as palavras evoluem e algumas leis fonéticas que podem nos orientar.

As mudanças na língua

Coutinho1 nos conta que as modificações na língua, ao contrário de alguns que pensam ser de caráter individual e que se espalha para o coletivo, dão-se de forma contrária:

As causas das inovações, assevera Delacroix, sendo as mesmas para todas as crianças colocadas num lugar dado e numa época dada, nas mesmas condições sociais, climáticas, biológicas, produzem naturalmente em todas elas os mesmos efeitos.

Para Coutinho, essas modificações apresentam um tríplice caráter, sendo elas inconscientes, graduais e constantes. Expliquemo-las.

O primeiro aspecto, a inconsciência nas mudanças, ocorre devido à busca de se falar de acordo com as tendências da época. E essas podem variar. Com isso, uma determinada palavra, em uma época pode ter maior ou menor prestígio/uso que em outra.

O caráter gradual das mudanças, por sua vez, se manifesta segundo um preceito da biologia: Natura non facit saltus (a natureza não dá saltos). Assim, o uso constante de uma determinada forma – mesmo que, em princípio esta seja considerada errônea tendo como base o latim – a torna comum, incorporando-a ao vocabulário da língua.

Por sua vez, a constância na mudança é algo que Heráclito de Éfeso já nos dizia no século V a.C. E a língua não foge a essa regra. E, falando em regra, agora abordaremos três leis próprias da fonética.

As três leis fonéticas

Na língua portuguesa, há três leis que presidiram a evolução das palavras: a do menor esforço, a da permanência da consoante inicial e a da persistência da sílaba tônica.

Lei do menor esforço

O ser humano, em todas as suas atividades, busca o que lhe traga menor esforço; portanto, na língua não seria diferente. Assim, se possível, o falante buscará simplificar a maneira de falar. Para tanto, basta ver o uso de vossa mercê que hoje é registrado apenas como você e que, na fala, na maioria das vezes, é reduzido apenas para .

Essa lei, no entanto, não é apenas uma forma de se economizar a fala, mas é também um modo de se buscar uma eufonia e um ritmo mais fluente. Assim, Coutinho nos lembra que as consoantes intervocálicas surdas latinas sonorizam-se, em português, nas suas homorgânicas, e as sonoras geralmente caem.

Alguns exemplos dessa lei se dão em palavras como: caballu, que se torna cavalo e tabula, que se torna távoa e depois tábua, como dizemos atualmente. Nelas as consoantes antes das vogais u e a caíram e, no caso de caballu, as duas letras “l” se transformaram em apenas uma.

Outras palavras em latim que perdem a doppia, como se diz em italiano: suffere – sofrer; aggredire – agredir; abellana – avelã; pannu – pano; stuppa – estopa.

Lei da permanência da consoante inicial

Se uma consoante estivesse no fim de uma palavra, a possibilidade de queda, com o tempo, era bastante grande. O mesmo ocorreu, quando no meio da palavra. Porém, se ela estivesse no início da palavra, isso não ocorreria. Coutinho2 tenta explicar tal fato relacionando-o a uma atenção especial que nos merece o início da palavra, suficiente às vezes para determinar o seu sentido exato, antes mesmo que ela nos seja transmitida integralmente.

Isso talvez justifique a permanência da letra h em hoje (no latim hodie). Veja outras palavras que mantiveram a consoante inicial:

  • Braciu – braço, breve, broncu – bronco;
  • Dracone – dragão;
  • Frenu – freio, frigidu - frio;
  • Granu – grão, gradu – grau.

A lista seria enorme, mas esses encontros consonantais nos dão uma ideia de como essa lei é altamente aplicável.

Lei da persistência da tônica

Apesar de alguns metaplasmos e de algumas deslocações do acento tônico, percebe-se, na língua portuguesa, uma manutenção dele – o que acabou por guardar a unidade da palavra original latina.

Palavras como habere, absentia, substantia, talparia, pugnu – que originam no português haver, ausência, substância, toupeira e punho, respectivamente – dão uma noção de como essa lei se mostra bastante presente em nossa língua.

Exceções, como sempre, há. Delas, no entanto, trataremos em outro momento. Por hora, queremos mostrar que a língua possui uma regularidade e essa se dá até mesmo em seu nível diacrônico.

Assim, percebe-se que estamos tratando, na gramática, de uma organização de algo vivo, mutável e que reflete o tempo vivido, não estando imune a suas idiossincrasias. E pensar a língua como algo imutável, puro e casto, sem as contaminações temporais é pensá-la como algo inumano, uma vez que o homem vive em permanente mudança.

Porém, para não incorrer em uma lógica positivista, é preciso dizer que, felizmente, na língua, tais modificações não ocorrem com a velocidade que muitos desejariam; caso contrário, seria impossível viver em uma comunidade linguística.

Notas

1 Coutinho, Ismael de Lima. Gramática histórica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1977.
2 Coutinho, Ismael de Lima. Gramática histórica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1977.