Quando falamos em infância, para muitos vêm a ideia de cuidado e proteção somente. Sabemos que isso é um ponto importante, quando relacionado ao todo, porém quando acontece de forma separada e o cuidado ganha lugar de destaque, de grande relevância, é esquecido diversos outros pontos fundamentais para um bom e completo desenvolvimento da criança. Essa ideia, que ao meu olhar é completamente retrograda, mas infelizmente muito atual!

Se fizéssemos um resgate do passado, sabemos que a criança era desconsiderada, vista como um ser frágil e incapaz, sem vez, sem voz para tomar qualquer tipo de decisão, não participava, não entrava no mérito das decisões educativas. Essa incompletude era vista pelos adultos, um olhar limitado diante dos assuntos, decidiam por elas, havia uma inversão em relação a imagem da infância.

A convecção da ONU veio para quebrar paradigmas e trouxe um novo olhar sobre o direito das crianças em 1989.

Segundo o sociólogo Cláudio Baraldi1:

A criança, mesmo pequena é um ator social competente e ativo, dotado de saberes, capaz de dar sentido às experiências vividas, de intervir no ambiente que o cerca e de influenciá-lo, capaz de expressar suas ideias ou de resistir em relação aos pedidos do adulto.

Relacionado a esse direito da participação, é pensado uma série de artigos: O direito de ser ouvida nos assuntos relacionados a ela (art.12), o direito à liberdade de expressão (art. 13), o direito à liberdade de pensamento (art. 14), o direito à livre associação (art. 15), o direito à brincadeira e participação de atividades recreativas, culturais e artísticas (art. 31).

Neste sentido:

A criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão, considerando que a mesma deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na carta das Nações Unidas, especialmente com espirito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade.

Mesmo após esse novo olhar à criança, ainda existe muita resistência à mudança, entretanto não podemos negar quão grande foi o passo que demos rumo ao reconhecimento da capacidade da criança, ter voz.

O adulto se coloca na posição de ouvinte, de mediador, de promotor para que o aprendizado aconteça, a socialização, para que relação com o mundo e com as pessoas seja permeada de forma potente, produtiva.

Perceber a criança ativamente, exercendo seu papel de cidadã pensante é, olhar para o corpo, fala e postura desse ser. Treseder2 considera várias etapas desse processo:

  • Escuta das crianças;
  • Ajuda oferecida por adultos que possam expressar seu ponto de vista;
  • A efetiva tomada em consideração do ponto de vista das crianças;
  • Envolvimento das crianças nos processos decisionais;
  • Compartilhamento de poder e responsabilidade na tomada de decisão.

Portanto, ter esse respeito à criança e à primeira infância é transformar o mundo e as pessoas!

Buscar caminhos incluindo os pequenos nos processos, deixando-os com mais autonomia e liberdade é fortalecer vínculos, desenvolver seres seguros, críticos, questionadores, responsáveis por oferecer e discutir experiências diferentes, criativas, inovadoras.

O envolvimento da criança em seu próprio processo de crescimento é fundamental e, ter o adulto como mediador, que possa impulsionar de forma favorável e inteligente é essencial para seu amadurecimento.

Pensando na ideia de que a mente tem uma natureza social é a principal contribuição de Lev Vygostky3 para a psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento, a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não estão maduras, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão amanhã, mas que estão atualmente em fase embrionária. Essas funções poderiam ser chamadas de os brotos ou as flores do desenvolvimento, em vez dos frutos do desenvolvimento.

Em resumo, fica claro o importante papel do adulto em se colocar como ouvinte, observador, promotor de caminhos para que as crianças tenham diversas possibilidades e experiências em seu cotidiano, olhar, calar e entender todas as funções humanas e suas variadas linguagens, é uma poderosa ferramenta de organização cognitiva, física e emocional.

Notas

1 Baraldi Baraldi, C., & Cockburn, T. (Eds.) (2018). Theorising Childhood: Citizenship, Rights and Participation. Palgrave Macmillan.
2 Treseder, P. (1997). Empowering Children and Young People. London: Save the Children Fund.
3 Vygotsky, L. S. (1978). Interaction between learning and development (M. Lopez-Morillas, Trans.). In M. Cole, V. John-Steiner, S. Scribner, & E. Souberman (Eds.), Mind in society: The development of higher psychological processes (pp. 79-91). Cambridge, MA: Harvard University Press.