Roland Barthes (1966) é de opinião que a história da narrativa começa com a história da humanidade, as guerras entre os homens são guerras de linguagem, a conquista do poder e do território começa com a palavra; o que leva a perguntarmo-nos se a utilização das abordagens hermenêuticas poderá ajudar as pessoas e seus respectivos dilemas, no seu quotidiano? Segundo Rorty (1989) e Peavy (1991) a imaginação é a nossa ferramenta para engendrar metáforas, para dizermos as nossas histórias e assim redescrevermos quem somos, qual o nosso contexto e o que se torna significativo para nós, na nossa vida. As primeiras narrativas eram desenhos, pinturas rupestres, imagens toscas representando um mundo de sobrevivência humana. Mas como olharão os vindouros para os nossos livros encadernados ou para as nossas esculturas?

Note-se que é importante ter em conta que as próprias histórias contêm em si elementos de ordem prospectiva que nos podem ajudar a organizar o nosso futuro e, portanto, a questionar o presente. Daí que o sociólogo David Cooper (1974) proponha que os livros sejam diálogos em que o que se vai passando no livro se torne criação conjunta de todos nós, pois existe um tempo para as mentes, um tempo para abandonar as nossas mentes e um tempo para as recuperar. Em termos ricoeurianos, poderíamos dizer que há um tempo para nos apropriarmos da “coisa do texto” e um tempo para nos distanciarmos dela para reencontrarmos o nosso próprio sentido das coisas, no nosso contexto, já que escutar-se a si próprio é sempre uma condição prévia para ouvir a mensagem de outrem.

A partir da década de 90, o interesse nas “histórias” é crescente. A própria editora do Journal of Moral Education, Carol Witherell, sublinha a sua importância num artigo seu (1991, pp. 84-85): “If stories come to you, care for them. And learn to give them away where they are needed. Sometimes a person needs a story more than food to stay alive, that is why we put these stories in each other’s memory. This is how people care for themselves”.

Autores como Charles Taylor, (a quem Ricoeur repetidamente se refere na sua obra Le discours de l’action), David Carr, Bruner, Tappan, Wright, defendem o diálogo e o poder da imaginação como duas componentes essenciais ao processo de desenvolvimento moral: “Imagination plays a central role in the formation of the self, including its narrative structure. It is imagination that enables us to ask the ‘What if’ and ‘as if’ questions that can guide our explorations of human events and actions ” (Witherell 1991, p. 86), daí que não seja de estranhar a referência a Ricoeur: “Stories, Paul Ricoeur tell us, offer us models for the redescription of the world. Wether biographical or fictional, stories provide meaning and belonging in our lives. They attach us to others, to our history, and to ourselves”. (Wright 1982, p. 153). A arte literária promove, assim, uma imaginação moral!

Também outros autores, especialistas neste domínio, se referem a Ricoeur, sempre que a valorização da narrativa, em relação ao desenvolvimento moral, está em jogo. Polinghorne (1990) defende que “quando abrimos o livro da experiência humana, constatamos que ele está escrito em linguagem natural”. Será precisamente esta linguagem que passa a assumir o estatuto de facto psicológico de primeira ordem, assumindo-se como tema essencial da segunda revolução cognitiva (Harré & Gillet 1994).

A linguagem passa a ser assumida como o próprio fenómeno psicológico. Como nos foi relembrando Vygotsky (1962), desde muito cedo que nós percebemos a realidade através da linguagem; daí que narrativa, neste contexto, seja definida como “uma estrutura de significação que organiza os acontecimentos e acções humanas numa totalidade, atribuindo deste modo significado às acções e acontecimentos individuais de acordo com o seu efeito na totalidade” (Polinghorne, 1988, p. 18). A narrativa surge, assim, não como uma representação de uma realidade cognitiva essencial mas como um elemento central da experiência do indivíduo, uma forma de construir um conhecimento indissociável da experiência de existir.

O homem não se sente isolado no cosmos, está aberto para um mundo que, graças ao símbolo, se torna familiar. Por outro lado e retomando a perspectiva ricoeuriana, as valências cosmológicas do simbolismo permitem-lhe sair da situação subjectiva e reconhecer a objectividade das suas experiências pessoais. Por outras palavras, quem compreende um símbolo não só se abre para o mundo objectivo como também consegue sair da sua situação particular e ter acesso à compreensão do universal.