O ser humano tem a sua vida, a sua existência, estruturada em referenciais biológicos e sociais. É um ser-no-mundo e nesse sentido ele é igual a qualquer outro ser, como por exemplo os animais. As diferenciações surgem pela apreensão, a percepção do lugar ocupado, da dinâmica espacial.

Cada organismo tem configurações específicas que lhe permitem apreender o que está à sua volta, ou seja, a apreensão do próprio ambiente. Nós, humanos, por meio da transcendência dos limites impostos pelas contingências orgânicas, biológicas e relacionais, conseguimos estruturar cultura, civilização e assim, como seres no mundo, nos estruturamos.

Essa polaridade relacional cria sujeito e objeto em constante processo reversível. Isso não ocorre com animais, ou com os vegetais, pois mesmo quando eles reagem têm um curto caminho de ação pela falta de condições propulsoras, como a transcendência. Ou seja,a transcendência, ir além do próprio centro, do próprio contexto estruturante, embora partindo dele, em outras palavras, chegar ao céu apesar de estarmos presos à Terra, é o que nos humaniza, é o que nos diferencia do animal, do organismo biológico estruturante.

O pensamento é o prolongamento das percepções, que por sua vez são estruturadas no estar no mundo com o outro, no existir

Quanto mais limitados são os processos relacionais, o mundo que se vive, menores, mais restritos os dados perceptivos. Viver em uma prisão ou estar isolado no Himalaya pode ser considerada uma vivência de amplitude, no entanto, estar no considerado centro do mundo - tal como Wall Street - pode apenas configurar o que se acha bom ou ruim, o que vai ser útil para si ou o que é inútil, resultando em uma vivência de restrição.

Enfim, limitação ou ampliação de "universos" vai depender dos pontos de convergência, dos pontos de divergência dos estruturantes dos processos autorreferenciados . Pensar no medo - omissão - pensar na vaidade - narcisismo - faz perceber os destruidores de humanidade, os redutores do humano à sobrevivência, consequentemente à alienação de si mesmo.

O si mesmo é a possibilidade de relação. Quando esse processo é determinado por referenciais iguais ou homogêneos à adaptação, à submissão, à sobrevivência, esses são, então, seus estruturantes básicos. Nesse contexto, vive-se para comer, vive-se para o prazer, vive-se para ambições revolucionárias e religiosas, por exemplo.

Ser transformado por objetivos, metas ou propósitos (necessidades), atropela a realização das possibilidades, da transcendência. As estruturas e dimensões que se realizam e esgotam pelas necessidades aplacam o exercício de possibilidades, induzem a repetir o que deu certo e então é a repetição que prevalece.

O novo amedronta e assim são destruídas as possibilidades: é a existência reduzida à sobrevivência. É um movimento fatal para o indivíduo, pois ele passa a ser motivado e comandado pelo que dirige, ajuda e seda suas necessidades, nomeadamente, a fome, a sede, o sexo e o sono. Esse processo cria também os provedores, os salvadores, como é o caso de um pai, uma mãe, o governo, o partido, a organização terrorista, ou as organizações religiosas que decidem e solucionam a vida. Virar marionete é fazer parte do arsenal necessário para manutenção do status quo, das guerras, das religiões e outros fatores alheios aos próprios problemas.

Quanto maiores os fatores manipuladores, designadamente a família, o clube, a igreja ou o estado, maior a desistência de si mesmo e das suas possibilidades relacionais. A antítese, o questionamento, é uma maneira de quebrar a priori, de quebrar os tentáculos neutralizadores. Esses questionamentos às vezes só podem ser exercidos por meio da discordância, e outras vezes pelo abrir mão, pela renúncia. Todavia, será sempre um gesto diferente, inesperado, não contabilizado, que vai permitir a mudança ou um novo enfoque.