“Menina, fica aqui do meu lado, porque sei quando o homem vai passar na minha direção”. A “menina” era eu, o autor da frase o fotógrafo brasileiro Ricardo Stuckert e o “homem” o presidente do Brasil Luis Inácio Lula da Silva.

Em mais de 16 anos como correspondente internacional essa frase é uma das que me acompanham. Visita presidencial é sempre uma correria, mais ainda quando o presidente é alguém carismático, atencioso, daqueles raros que não se esquiva de repórteres, fotógrafos e jornalistas.

Nas muitas coberturas presidenciais que fiz como repórter cinematográfico, lá estava ele, o “Tuckinha” com suas lentes, câmeras e camaradagem impar. Eu o seguia, na verdade, o perseguia!

O fotógrafo falou conosco sobre carreira, família, política, sobre o documentário brasileiro que concorre ao Oscar, Democracia em Vertigem, e sobre a mostra na Aliança Francesa, em Brasília.

Mais de trinta anos de carreira, você veio de uma família de fotógrafos. Teu pai foi o fotógrafo oficial do último presidente militar e você do primeiro presidente sindicalista. Quais foram os ensinamentos que o “Stuckão” passou para o “Stuckinha”? O que você herdou do teu pai como fotógrafo?

Sou a quarta geração de uma família de fotógrafos. Depois da Primeira Guerra Mundial, meu bisavô, Eduardo Roberto Stuckert, embarcou de Lausanne, na Suíça, em direção à América do Sul, sem destino definido. Na primeira parada, encantou-se com a Paraíba e por lá ficou. Além de fotógrafo, era pintor e tradutor. Passou o primeiro ofício aos filhos, depois aos netos. É uma tradição familiar. Na minha família, entre vivos e mortos, são 33 fotógrafos.

Nasci vendo meu pai, Roberto Stuckert, conhecido como Stuckão, com uma câmera na mão. Ele era fotógrafo da Folha de São Paulo quando foi convidado pelo general Figueiredo para ser o fotógrafo dele na Presidência da República. Ficou 5 anos no cargo. Então, a história da nossa família com a fotografia política começa aí. Meu pai foi o fotógrafo do último presidente militar, eu do primeiro presidente operário e meu irmão, Roberto Stuckert Filho, da primeira mulher.

Eu cresci vendo meu pai trabalhar, a dedicação, a disciplina. E ele me ensinou que o profissional de fotografia tem que estar preparado a toda hora.

Fotógrafo oficial do ex-presidente Lula há quase 20 anos, qual foi a foto mais importante que você fez dele e a mais triste?

Acompanho o ex-presidente Lula desde 2003. Nesses 18 anos, é difícil escolher uma foto. Não tem uma fotografia, mas um conjunto. Cada foto tem uma história. Posso citar algumas que considero importantes como, por exemplo, uma imagem que fiz em Lauro de Freitas, na Bahia, em 2006. Na foto, o menino Everton voa para tocar no rosto do presidente. Naquele momento, é possível ver pelo olhar a cumplicidade dos dois. Outra imagem que me marcou foi feita em Barbalha, no Ceará. Fiz uma foto de várias pessoas abraçando o Lula. Tentei captar a emoção que cada um ali sentia. Em cada rosto, uma expressão diferente...alegria, felicidade, emoção...cada olhar retrata um sentimento. Tento captar isso por meio das minhas lentes. A foto mais triste, que eu não gostaria de ter feito, foi no velório do netinho dele, o Arthur. Foi muito sofrido.

De fotógrafo a diretor de fotografia de um documentário. Você está concorrendo ao Oscar com o Democracia em Vertigem, da diretora Petra Costa. O documentário viajou o mundo, ganhou vários prêmios e elogios de cineastas importantes como Win Wenders e Spike Lee. Como foi essa experiência para você?

A experiência foi maravilhosa. Conheço a Petra há mais de 4 anos. Quando ela teve a ideia de fazer o filme Democracia em Vertigem, conversamos sobre o projeto e ali tive a certeza de que queria participar. É um filme que narra a trajetória política do Brasil em um momento muito importante da nossa história. Como profissional, tenho trabalhado na área política há mais de 30 anos. Foi uma boa oportunidade de levar para as telas aquilo que tenho acompanhado nos últimos anos e mostrar para o público imagens inéditas dos bastidores da política.

Meu trabalho como diretor de fotografia do filme começou conversando com a diretora sobre a importância de mostrar o que de fato estava acontecendo na política no Brasil.

Muitas imagens eu já tinha e fomos definindo quais seriam usadas. Outras imagens, fizemos no decorrer do processo de impeachment da ex-presidente Dilma.

Foi um trabalho em equipe, em que cada integrante deu sua contribuição. Eu aprendi muito durante todo esse processo.

Ver tantas pessoas importantes da área elogiando o filme, é muito gratificante porque eu vejo que estamos no caminho certo.

O documentário é uma história muito comovente porque retrata um período conturbado da política nacional e possui elementos ricos da vida pessoal da diretora. Petra, com sua sensibilidade, conseguiu mostrar ao mundo o quanto a democracia brasileira está debilitada.

O que mais te desafia: a política ou a floresta, por quê?

É difícil responder. Ambos os temas são um desafio. Na Floresta, você tem que pedir permissão para entrar. A Floresta tem o tempo dela, é dona do seu próprio tempo. Não tem essa ansiedade da cidade. A gente acha que pega um celular e liga, e manda uma mensagem, e a pessoa responde. Lá, tem todo um ritual, você tem que respeitar a cultura, tem que respirar a cultura, tem todo esse trabalho deles, essa calma e essa sabedoria. Você tem que aprender a reduzir isso para conseguir perceber e se adaptar a uma cultura milenar. Nós achamos que somos donos do mundo, chegamos e reaprendemos a arte de parar, respirar e conversar, coisa que não fazemos mais hoje, porque tudo é online. Lá, é olhar nos olhos, tocar, sentir; as pessoas são puras. Quando você entra na Amazônia, não tem como prever as coisas. Não dá para saber se vai chover, se vai fazer sol, se vou conseguir fazer aquela imagem que planejei. Existe uma relação mútua de respeito. É um desafio constante. A política também. Para entrar nesta área, você precisa ser profissional, as pessoas precisam confiar em você. E os dois temas estão relacionados. Você precisa da política para garantir que os direitos dos indígenas sejam respeitados, os territórios sejam demarcados e a floresta protegida. Quando a política se omite disso, todo o planeta é prejudicado. Por isso a fotografia é tão importante. Por meio das minhas imagens, quero conscientizar as pessoas sobre a importância de preservar os povos que nela habitam.

Da selva política para as florestas. Quando e como surgiu a paixão pela população indígena brasileira?

Em 1997, como fotógrafo da revista Veja, fiz uma viagem à Comunidade de Nazaré, no Amazonas, onde vivem os índios Yanomami. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de fotografar os povos originários do meu país.

Lá conheci a índia Penha Goés. Ela tinha 22 anos, um filho de 2 e uma história registrada em um olhar. Em 2015, decidi reencontrá-la para fazer novamente a foto que fiz quando Penha tinha 22 anos. Quando a encontrei novamente, não via aquela menina de 20 e poucos anos, mas uma mulher de 39 que mantinha a mesma pureza no olhar de 17 anos atrás. Ali tive a certeza de que eu tinha uma missão não apenas de fotografar a indígena que marcou a minha trajetória profissional, mas de prestar, humildemente, um tributo aos povos indígenas do meu país.

Acho muito importante divulgar a cultura brasileira e mostrar a forma como os povos originários vivem hoje. Existem jovens que estão nascendo e que nunca viram ou verão um índio na vida. Eu acho que a fotografia tem esse papel de levar para milhares de pessoas uma cultura como a indígena

Qual foi a tribo mais difícil de fotografar. Por quê?

Todas as aldeias têm uma dificuldade de acesso. São muitas horas de vôo e de barco. Mas tudo isso é recompensado. Quando você chega, fica maravilhado. É uma beleza e uma energia que eu não consigo descrever. É um trabalho recompensador mesmo com as dificuldades.

Os indígenas são sábios, guardiões dos rios, florestas...nos ensinam continuamente a importância de respeitar e preservar a natureza.

Índios ou politicos?

Sem a política, talvez eu não tivesse voltado a fotografar os índios brasileiros. Eu trabalhei em um governo que sempre olhou para as questões ambientais e indígenas. Eu aprendi muito com isso e sempre soube da importância de fotografá-los para termos um registro do nosso povo, da nossa cultura e também para chamar a atenção para a importância da preservação desses povos e da demarcação dos seus territórios.

Como sou um fotojornalista que cobre política, vivo política e respiro política, quando vou para uma floresta, para uma aldeia, entro em outro tempo. O tempo é o tempo deles, o tempo que eles querem responder, que querem conversar, da maneira deles. Não tem essa ansiedade da cidade. A gente acha que pega um celular e liga, e manda uma mensagem, e a pessoa responde. Lá, tem todo um ritual, você tem que respeitar a cultura, tem que respirar a cultura, tem todo esse trabalho deles, essa calma e essa sabedoria. Você tem que aprender a reduzir isso para conseguir perceber e se adaptar a uma cultura milenar. Nós achamos que somos donos do mundo. Na floresta, reaprendemos a arte de parar, respirar e conversar, coisa que não fazemos mais hoje, porque tudo é via eletrônico. Lá, é olhar nos olhos, tocar, sentir; as pessoas são puras. Meu grande ensinamento foi ter que pedir permissão para entrar. Uma permissão espiritual para entender a cultura do outro.

Como surgiu a idéia da exposição? Ela viajará pelo Brasil e para o exterior?

Sempre quis fazer uma exposição com as fotos. Com o convite da embaixada da França, foi possível viabilizar este projeto. Tenho muita vontade de levar esta exposição para outros lugares. Seria uma ótima oportunidade para mostramos a cultura dos povos originários do Brasil para o mundo.

Todo dia é dia de índio ou agora no Brasil é só no dia 19 de abril(data que se comemora o dia do índio no Brasil)?

Todo dia é dia de lutar pelos direitos dos povos da floresta e pela demarcação dos seus territórios.