Em julho de 1924, um grupo de intelectuais e artistas partiu de São Paulo rumo a Minas Gerais, buscando um Brasil profundo e genuíno, afastado da estética acadêmica e da herança colonial europeia. A chamada Caravana Modernista era composta pelo escritor Mário de Andrade, o poeta Oswald de Andrade e seu filho Nonê, a pintora Tarsila do Amaral, o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, os mecenas Paulo Prado e Olívia Guedes Penteado e o escritor e político Godofredo Rangel. A jornada, além de um exercício de descoberta, consolidaria uma identidade artística nacional autêntica, inspirando novas formas de expressão na literatura e nas artes visuais. Mais do que uma viagem, a Caravana Modernista foi um rito de passagem e um mergulho na essência de um Brasil que aprendia a se reconhecer.

A origem dessa viagem remonta a 1919, quando Mário de Andrade visitou Minas Gerais para se encontrar com o poeta Alphonsus de Guimaraens, em Mariana. Esse primeiro contato com as paisagens e o patrimônio cultural mineiro marcou profundamente o escrito e foi um estopim para a organização da caravana modernista, cinco anos mais tarde.

O grupo percorreu cidades como Ouro Preto, Congonhas, Mariana, São João del-Rei, Tiradentes, Belo Horizonte, Lagoa Santa absorvendo a grandiosidade da arquitetura barroca e a riqueza cultural do seu povo. Fascinados pela genialidade de Aleijadinho e pela oralidade popular mineira, os modernistas encontravam, nas igrejas e nas ruas, não apenas o passado, mas um Brasil vivo e mestiço, digno de ser retratado em palavras e cores vibrantes.

A passagem por Belo Horizonte, no entanto, não provocou o mesmo encantamento que as cidades barrocas. A nova capital, fundada há apenas 26 anos, procurava exalar uma imagem de modernidade e, para isso, foi construída à semelhança das metrópoles europeias. Não era o que os modernistas vieram buscar em Minas Gerais! Oswald de Andrade descreveu o ecletismo arquitetônico da cidade como um "Versailles de estuque", enquanto Mário, em Noturno de Belo Horizonte, capturou a frieza da cidade moderna em versos como:

Maravilha de milhares de brilhos vidrilhos,
Calma do noturno de Belo Horizonte...
O silêncio fresco desfolha das árvores
E orvalha o jardim só.

Se Belo Horizonte não impressionou os modernistas, o mesmo não se pode dizer do encontro com alguns talentosos intelectuais mineiros. Ao chegarem à capital do estado, os membros da Caravana hospedaram-se no Grande Hotel, situado na Rua da Bahia. Nesse local, ocorreu um encontro marcante com jovens escritores que já demonstravam inclinações modernistas. Entre eles estavam Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Emílio Moura, Martins de Almeida e João Alphonsus. Esse encontro foi fundamental para estreitar os laços entre os grupos paulista e mineiro, fortalecendo o movimento modernista no Brasil.

Pedro Nava, em suas memórias, destacou a importância desse momento: "Uma das coisas mais importantes para a vida do nosso grupo foi a visita, logo depois da Semana Santa de 1924, da caravana paulista que andava descobrindo o Brasil". Carlos Drummond de Andrade também reconheceu a relevância desse encontro e, em correspondência com Mário de Andrade, registrou: "Procure-me nas suas memórias de Belo Horizonte: um rapaz magro, que esteve consigo no Grande Hotel, e que muito o estima. Ora, eu desejo prolongar aquela fugitiva hora de convívio com o seu claro espírito". Essa interação deu início a uma correspondência intensa entre Drummond e Mário de Andrade por décadas e que foi crucial para o desenvolvimento literário de ambos.

De Belo Horizonte a Caravana partiu para conhecer outras cidades no entorno. Um dos momentos mais marcantes da viagem foi a passagem pela pequena Lagoa Santa, que, além de sua beleza natural, guardava vestígios de uma história ainda mais remota. Um século antes, o naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund realizou ali descobertas fundamentais para a Paleontologia e a Arqueologia brasileiras. Em suas pesquisas nas cavernas da região, Lund identificou fósseis de animais extintos e os primeiros vestígios do chamado "homem de Lagoa Santa", desafiando a visão eurocêntrica sobre a presença humana na América. A presença dos modernistas na cidade foi registrada no jornal Minas Gerais, de 27 de abril de 1924:

Os ilustres excursionistas vieram percorrer as cidades antigas e os sítios históricos e admirar as igrejas e outros monumentos do século 18, que possuímos. (...) Depois de visitar São João del-Rei e Tiradentes, onde assistiram à Semana Santa, os nossos hóspedes vieram para Belo Horizonte e aqui, quarta-feira última, fizeram uma excursão pela Serra do Cipó, detendo-se longo tempo em Lagoa Santa, onde admiraram as pinturas da Matriz e as belezas naturais do lugar, realizando um passeio na grande lagoa ali existente.

A constatação de que o Brasil era mais antigo do que imaginavam impactou profundamente os viajantes. Não éramos um país novo, mas uma Nação que havia se esquecido de sua própria ancestralidade. Tarsila do Amaral registrou em cores seu olhar sobre Lagoa Santa na obra que leva o nome da cidade. Oswald de Andrade, em Pau-Brasil, sintetizou suas sensações em versos:

Águas azuis no milagre dos matos.
Um cemitério negro.
Ruas de casas despencando a pique,
No céu refletido.

A jornada por Minas Gerais refletiu diretamente na produção artística dos modernistas. Mário de Andrade, inspirado pela viagem, incorporou suas impressões ao livro O Turista Aprendiz, um diário que mescla observação, crítica e lirismo. Tarsila do Amaral, ao revisitar a paisagem mineira, reencontrou as cores de sua infância e deu início à fase Pau-Brasil. Anos depois, ela confessaria:

Encontrei em Minas as cores que adorava em criança. Ensinaram-me depois que eram feias e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado... Mas depois vinguei-me da opressão, passando-as para minhas telas: azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gradações mais ou menos fortes, conforme a mistura de branco.

Oswald de Andrade, por sua vez, absorveu as experiências e compôs o livro Pau-Brasil, no qual propôs uma literatura de linguagem direta e mestiça, valorizando a oralidade e o cotidiano brasileiro. Blaise Cendrars, o viajante estrangeiro, viu Minas Gerais como um poema vivo, reforçando sua visão do Brasil como um país de infinitas possibilidades culturais.

A Caravana Modernista não apenas atravessou Minas Gerais, ela a redescobriu. Nas igrejas de Ouro Preto, nos versos trocados em Belo Horizonte, nas águas e cavernas de Lagoa Santa os viajantes encontraram um Brasil mestiço, intenso e ancestral, que reverberaria para sempre em sua arte. E, enquanto as cores de Tarsila seguem vibrando, os poemas de Oswald ressoam e as palavras de Mário ecoam pelas páginas, fica a certeza de que essa viagem nunca terminou. A poeira levantada pela Caravana Modernista assentou-se nas páginas de livros, nas telas vibrantes, nos versos que reinventaram a língua. E quem percorre hoje os mesmos caminhos ainda pode sentir os ecos desse encontro: um Brasil que se descobre e se reinventa a cada olhar.