Este artigo trata-se da compreensão e reflexão da democracia digital em seus paradoxos e possíveis efeitos, bem como o aparecimento de uma nova síndrome guiada pelos algoritmos com o advento da cultura do solipsismo. Para tanto, utilizaremos três pontos de análises que será desenvolvido no desencadear do texto. O primeiro refere-se à questão irrefutável da tecnologia em nossas vidas. Uma determinação na qual não existe a marcha à ré. As inovações caminham sempre na ideia de futuro. A segunda será destinada a relação de poder, a distribuição da autonomia e responsabilidade pela atmosfera diante da justiça social. Entretanto, designa-se a responsabilidade individual mediante a uma esfera virtual de comprometimento social. É o poder nas vias dos algoritmos e vice e versa. E na terceira análise, teremos a questão filosófica da realidade pela cultura do solipsismo. Será que a democracia digital é o caminho para o compromisso com a realidade social ou teremos uma intensificação de um distanciamento do outro, e do que pertence ao outro? Esses esclarecimentos serão distribuídos no desenrolar de nossas ponderações. Sempre queremos o que buscamos ou buscamos o que queremos?

Essas indagações serão pautadas na questão que envolve o tempo. O passado, o presente e a ideia de futuro consecutivamente serão motes de aproximação com a ciência. O assunto refere-se às mudanças de paradigmas, entre elas destaca-se, do patriarcal ao paradigma do cuidado, da responsabilidade e da ética. Por sua vez, o cotidiano das pessoas está cada vez mais penetrando nas discussões tecnológicas. E o que isso pode significar? Pode constituir novas formas de relações sociais e por sua vez novas leis deverão aparecer ou até mesmo as leis poderão submeter-se ao novo paradigma para retratar ações de necessidades humanas. Não é de estranhar que, cada vez mais, a justiça social está bem mais dinâmica e o aporte de questões de gestão social se enquadram nas dimensões da realidade científica bem como, as discussões nas políticas públicas. Mas, ainda estamos presos às leis antigas que não cabem mais na era da tecnologia disruptiva, além de possuirmos posturas do século XX e o século XXI batendo em nossa porta gritando – não é desse jeito! Temos que compreender que tivemos na história, antes do século XIX, muitas rotas, depois surgiram o século das demarcações e por sua vez muitos conflitos, logo após o século dos testemunhos e atualmente há um mix ditado pela big data que refletem em nossas vidas.

O wi-fi chega a ser mais importante do que qualquer forma de comportamento. Isso reflete nas relações e nos costumes, que refletirá na dimensão das leis. A grande questão é que o futuro na dimensão política deixou de ser uma propaganda de segurança. Hoje, pensar no futuro traz um sinônimo de incerteza, é um efeito dominó, como gerir normas diante de imprevistos e incertezas? Claro, que é bem mais difícil, não estamos acostumados em enxergar o mundo sem um padrão e sem um modelo de autoridade. Dessa forma, Rosseau afirma que “o costume é a maior de todas as leis, pois se grava nos corações”. (apud CALDEIRA, 2017, p.24). O Brasil é um país de muitos costumes. Nossa história começa entre os índios e os sertanejos que fizeram riquezas em várias dimensões. Não são as receitas que formam a riqueza de um país, mas os manejos dos ingredientes que asseguram um tesouro. Registramos que a produção começava pela família e por sua vez, as estratégias de condução, organização e conduta ditavam regras e conflitos. Como diz Caldeira (2017), “cada unidade se governava a si mesma, pelo costume”.

Democracia digital: uma nova vibe?

Sabemos que o termo democracia é muito estudado, analisado, questionado, falado, mas, mesmo assim, não é um termo claro. Faça uma pesquisa em sua casa, escola, trabalho, sobre o conceito de democracia e irá perceber que no Brasil a democracia é apenas uma atmosfera de participação de governo do povo, do que um significado, um sentido. E por que isso acontece? Pode ser que a dificuldade esteja em nossa história sob o paradigma patriarcal. Nessa sopa de refutações, questionamos então, se existe democracia em países que sofreram explorações e dominações? Uma sociedade que valoriza mais formadores de referências e citações corre sérios problemas em relação à estética da vulnerabilidade num distanciamento do outro entre suas potencialidades. Com isso, as leis tornam-se objeto de estudo para devidas alteração em curto prazo, em detrimento de uma dinâmica da era digital. Então, fica o questionamento, para você o poder revela ou corrompe? Para compreendermos a democracia devemos refletir todas as formas de poder. Foucault diz: o poder está em todos os lugares, e será exercido dependendo de seus argumentos.

Trata-se (...) de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações (...) captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam (...) Em outras palavras, captar o poder na extremidade cada vez menos jurídica de seu exercício.

(Foucault, 1979:182)

Enfim, para refletir sobre democracia devemos pensar como é feito a distribuição do poder em suas dimensões. Citamos aqui alguns cientistas midiáticos (a esse respeito consultar os programas do Café Filosófico, CPFL) da atualidade que falam de democracia. Por exemplo, Mário Sérgio Cortella diz que a democracia organiza a opressão, já o Luís Felipe Pondé, afirma que a democracia institucionaliza conflitos, vocação de objeto de esperança, ideia de poder – Não é a razão que rege o discurso da Democracia. E o Leandro Karnal diz que a democracia é possível de ser melhorada, posição de crença, idealismo, excelência defeituosa. Nossa discussão remete a essência da democracia.

“A crença democrática é a crença no homem comum… é a crença na capacidade de todas as pessoas para dirigir sua própria vida”. John Dewey, 1939. Em uma época em que a democracia vem sendo tão maltratada pelos militantes estatistas, que subordinam a liberdade à igualdade, convém refletir um pouco sobre a essência da democracia (consultar aqui).

A Cultura do Solipsismo

Refletiremos a transcendência dos seres humanos em uma sociedade guiada por algoritmos, impressão 4D, hologramas entre outras audácias da tecnologia. A imagem fala mais do que a escrita. E as selfs constroem as personalidades das pessoas: “Es más fácil para la mayor parte de la gente encontrar un dinosaurio que un vecino” (Alain Touraine). A verdade é que os estudos proxêmicos estão em alta. A distância que colocamos em relação ao outro, chega a ser um problema nas interações e socialização no cotidiano das pessoas.

Edward T. Hall, antropólogo, foi pioneiro na conceitualização e estudo do espaço no relacionamento interpessoal. Utilizou o termo proxêmica para descrever a teoria do uso humano do espaço na comunicação. A proxêmica estuda o significado social do espaço, ou seja, estuda como o homem estrutura inconscientemente o micro-espaço (disponível aqui).

O solipsismo poderia ser colocado como narcisismo, mas o uso dos algoritmos fazem mais do que isso, você passa a acreditar em sua autoimagem, trancado em nós mesmo construímos uma falta de preocupação com o mundo. Limitações e restrições passam a fazer parte de nossas dimensões de tempo, espaço e vida.

O termo deriva do latim solus (só), + ipse, (mesmo), + "-ismo". A base do conceito solipsista é a negação de tudo aquilo que esteja fora da experiência do indivíduo. Seria, no caso, um ceticismo extremado. Tão extremo que a concepção do termo leva em conta, até mesmo, a inexistência do mundo, caso não haja alguém para experimentá-lo. Dessa forma, a sustentação do solipsismo é o empirismo, ou seja, a prática do indivíduo. Na epistemologia, o solipsismo tem como perspectiva: "Nada se pode conhecer a não ser os próprios conteúdos mentais". Assim, o solipsista - aquele que tem como fundamento o solipsismo - nega tudo que esteja além dele mesmo: "Não posso saber que ao meu lado está uma janela; tudo o que sei é que tenho na minha mente a ideia ou imagem da janela, o que é bem diferente". Já na ontologia, o termo se refere a uma perspectiva mais radical, levando em conta que apenas o "eu" e as próprias experiências são reais, tudo o mais é ilusão. Isso faz com que o indivíduo acredite que nada além dele seja real, nem mesmo as outras pessoas, sendo tudo concepções mentais. Ao longo da história da filosofia, o termo e seu conceito já foram rechaçados por diversos pensadores, como Edmund Husserl e Maurice Merleau-Ponty (disponível aqui).

Podemos dizer que há uma cultura da imagem, que transportam as pessoas para uma tendência universal. Muito perigosa aos despolitizados que criaram condutas de poder entre o ódio e a certeza de estarem com a razão sem fundamentações. O problema talvez esteja na construção de metáforas que a educação utiliza para aliar-se ao mundo do consumo. A exemplo disso encontramos outdoors espalhados pelas cidades evidenciados os alunos e empresas que atingiram os primeiros lugares. Também temos o aumento de bullyng, o ódio e a falta de ética. A cultura do solipsismo tenta mostrar que a vida está sendo construída por uma subjetividade planetária e que esbarra nas dimensões das leis terrenas. A questão é a cultura do solipsismo refletirá na legitimação das leis?

Concluímos que a democracia digital é uma tendência e que precisamos de pessoas responsáveis e éticas na elaboração de plataformas e programas em detrimento de um paradigma prudente para uma vida decente com afirma o Boaventura de Sousa Santos. Ficaremos atentos aos perigos da cultura do solipsismo mediante a cibercidadania. Será um exercício a mais, entre as rotas e os testemunhos, caberá ainda o que temos de mais natural, o sentimento. Para isso, proponho que a cidadania do afeto poderá refazer sonhos, no entendimento de que o direito seja compreendido não como defesa, mas como exercício entre as demandas da tecnologia da informação por um novo modelo de sociedade. O mundo digital não deve ser um refúgio, mas uma oportunidade para novas vivências. Há uma linha tênue entre a curiosidade e a prudência, por isso, deve-se aprender a criar estratégias ou até mesmo apostar numa mudança de paradigmas, entre o patriarcal para o cuidado. O cuidado nas questões culturais, nos afetos, nas singularidades e nas intertemporalidades.

Referências:

Abranches, Sérgio. A era do imprevisto: a grande transição do século XXI. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

Caldeira, J. História da Riqueza no Brasil. Rio de Janeiro: 2017.

Coleman, S.; Brumler, J. G. The internet and democratic Digital citizenship: theory, practice and policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

Ferreira, Nuno Miguel Miranda. O conceito de democracia segundo Joseph Schumpeter. Disponível aqui. Acesso em 20/05/2018.

Foucault, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

Galegale, Bernardo Perri. Mediação cultural no âmbito da WEB 2.0. Disponível aqui. Acesso em 20/05/2018.

Gomes, W. S. Participação política online: Questões e hipóteses de trabalho. In: Maia, R. C. M.; Gomes, W.; Marques, F. P. J. A. (Orgs.). Internet e Participação política no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2011.

Maturana, H. La Objetividad: Un argumento para obligar. Espanha: 2002

Silva, Sivaldo Pereira da; Bragatto, Rachel Callai e Sampaio, Rafael Cardoso: Democracia digital, comunicação política e redes : teoria e prática. Rio de Janeiro: Folio Digital: letra e imagem, 2016.