Mesmo sem compreender,
quero continuar aqui onde está constantemente amanhecendo.

(Caio Fernando Abreu)

Em 1938, o filósofo Johan Huizinga escreveu Homo Ludens. Nesta obra ele conclui que o jogo é parte constitutiva do homem, tão básico como o fazer, o jogar é um dos elementos que ajudam a humanidade a construir a civilização. Anos mais tarde, outro filósofo, Alfredo Bosi, pede emprestada a definição de jogo do Huizinga e utiliza-a para definir a arte: *«uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida quotidiana».

Na arte, como no jogo, manipula-se o tempo e o espaço e cria-se uma temporalidade própria, através das regras previamente estabelecidas, mas que podem, e são, constante ultrapassadas ou reinventadas. O homo sapiens, faber e ludens pode ser também o homem criador ou o artista. A pergunta que muitos tentam responder é: onde e quando começa a criação? O que difere o ato criador de um outro ato, também capaz de criar objetos?

Esta questão é fulcral para o artista Gustavo Jesus. Na sua obra o jogo é um princípio ativador de um conjunto de ideias que o artista quer partilhar connosco. Muitas destas ideias são, de facto, questões que percorrem seu trabalho desde o princípio: qual é o ponto exato em que a arte se torna arte? O que leva o artista a criar? De diversas maneiras o artista implica-se naquilo que faz, penetra nos seus objetos, deixa que estes objetos o penetrem ou que o envolvam como um casulo. E dentro deste casulo o artista nasce. É a obra que faz nascer o artista, como um exercício de maiêutica, tudo está conectado, arte e artista fazem parte de um todo cosmogônico e para desenlaçá-los é preciso fazer as perguntas certas.

Para o artista, a sua obra é autojustificada, mas na sua inquietação, necessita encontrar respostas que podem estar na própria arte ou além dela. Como Huizinga que considerava o jogo parte essencial do homem e como Bosi que comparou a arte ao jogo, Gustavo Jesus joga com a arte e com as palavras, com os conceitos, com as questões que lança para si mesmo e para os espetadores.

Todos somos convidados a penetrar nos espaços em que a obra se instala, nos espaços entre as obras, no espaço em constante suspensão – não nos apercebemos onde começa a obra e onde finda o processo de criação. Os objetos oscilam entre o peso e a leveza, entra uma presença marcante e uma ausência prevista, entre o jogo e a vida. Muita coisa acontece nos espaços vazios, nos intervalos, nos espaços entre as palavras, entre o dito e o não dito. Na obra de Gustavo Jesus, o intervalo é visível e é entre uma peça e outra que a arte se revela – num espaço-entre, onde tudo começa e volta a recomeçar, onde a obra nunca se finda, porque está em constante (re)criação.