Passar a vida se sentindo sem condições de realizar os próprios desejos acumula frustração que passa a ser estruturante do espaço de vida do indivíduo acomodado ao conforto de não ser confrontado, de não ter que decidir ou resolver. O berço esplêndido ou a cama dura podem suportar e descansar esse indivíduo que nada faz, mas que tudo pensa e quer realizar. Tudo receber, ou nada receber, é esmagador de possibilidades, desde que ao sedar necessidades, ou ao contê-las com o pouco satisfatório, se transforma os processos relacionais do estar no mundo, da convivência com o outro, em filtros para realização das demandas necessárias.

Sinalizado pelas necessidades satisfeitas ou pelas insatisfações das mesmas, o indivíduo tem suas trajetórias, seus caminhos de vida, seus relacionamentos orientados para o que causa satisfação, sedação ou realização. Ser guiado pelo que é obrigatório ou indispensável para satisfazer necessidades biológicas (fome, sede, sono, sexo) é um contexto que também ensina e orienta em direção a realização de direitos, escolhas e propósitos no sistema social, na sociedade. Assim surgem os bem-sucedidos e os marginais ou párias sociais. Extremos equilibrados pela maneira pela qual lutam pela competência, tentando encobertar falhas da incompetência.

Vaidade, violência, revolta e ressentimento resultam desse processo estruturado na realização de necessidades, na transformação das possibilidades humanas em contingências, em ferramentas para sobreviver. Viver em função do sucesso, do chegar ao topo - riqueza, consideração e brilho social - é o lema que orienta inúmeros indivíduos. Quando atingem as marcas requeridas e consideradas marcas dos vencedores, eles tornam-se vaidosos, satisfeitos, mas também insatisfeitos pelo desgaste da constante expectativa e necessidade de manter o conseguido. Desse modo, mais tem que ser sempre mais, qualquer diminuição ameaça e exclui. Os vencidos, os que não atingem o topo, são os caídos, diminuídos, sem expressão. Viver sem marcas, sem fichas configurativas de poder é frustrante. Esse processo extenua, desgasta, derrota o que corre atrás de algum lugar ou alguma coisa. Constatar a impossibilidade, saber que não adianta sonhar ou imaginar “dias melhores” deprime e frustra. É a constatação da incompetência de há muito alardeada por seus circundantes. O “viver é lutar” foi transformado em viver é cansar.

Se o outro não for o que deve ser imitado, se não houver inveja, nem competição, se houver aceitação dos próprios limites e estrutura, as possibilidades serão desenvolvidas ao invés de neutralizadas pelas necessidades. O indivíduo agiria e vivenciaria tudo enquanto possibilidade relacional de estar no mundo com o outro em vez de buscar atingir o melhor para não ser o pior, transformando toda característica humana em valor de troca, de barganha, válida apenas para capitalização de poder e controle.

Conviver é estar junto, não é preciso distinguir igualdade, diferença, capacidade ou incapacidade. Sentir-se incompetente é avaliar-se, tomando como referencial valores extrínsecos a si. Avaliar é se transformar em medida que nada expressa, pois não há quem a configure.