Há um ditado muito popular que diz que na vida devemos fazer três coisas: ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro.

Entendo que se trata de um apelo para que sejamos seres produtivos, fecundos, generosos, criativos... Um chamado para que possamos multiplicar e refletir sobre a vida e ao mesmo tempo contribuir para o desenvolvimento de outrem e do planeta, tornando este último mais e melhor habitável. Temos desta forma um excelente veículo de lapidação de nosso egoísmo, um canal para que possamos por em prática e realizar a missão de nossas almas, mantendo-se assim no caminho da evolução.

Muitos que se sentem em sintonia com isto, de maneira espontânea investem o seu tempo, a sua energia e até mesmo o próprio recurso no desafio de engendrar vida a um novo ser. Em linguagem psicanalítica, dir-se-ia que investimos no objeto muito de nossa catexia libidinal. E quanto mais investimos, quanto mais atenção e energia direcionamos ao nosso objeto, mais ele retorna para nós: nosso rebento tende a se desenvolver com saúde física e mental, independência e perfeita comunhão com o mundo à sua volta; a árvore, cada vez mais vigorosa, parece querer buscar o céu com seus galhos; o livro ganha em densidade, qualidade e complexidade; aquele animal de estimação que adotamos ao encontrá-lo na rua em estado de inanição, ganha peso, saúde e peraltice. São inúmeros os exemplos...

E tudo estaria perfeito nesse quadro de profunda harmonia se não fosse o inesperado. Fato é que um aprendizado ainda mais enigmático está oculto no subtexto daquela frase. No planeta Terra, somos submetidos a lições e provas que, ao olhar incauto e pouco experimentado, são duras e cruéis. Assim, a vida sobre a qual nos debruçamos com tanto ardor e afinco para a sua plena realização, pode nos ser subitamente arrancada e/ou ceifada: pais perdem seus filhos, árvores precisam ser abatidas em nome do progresso, nossos animais de estimação perdem a vida nos mais estúpidos acidentes, enfim... São situações que nos pegam “de calça curta”. Vemos acontecer todos os dias que tudo que foi passo a passo construído, “tijolo por tijolo”, pode ser destruído de repente, sem mais delongas. Somos então obrigados a deixar ir quem tanto amamos ou do que/de quem tanto nos ocupamos por tanto tempo.

Parece que há um sacrifício que devemos realizar ou no mínimo uma lição muito dolorida que devemos aprender, já que nada é por acaso.

À primeira vista, entretanto, o fato nos parece incompreensível. “Como assim? Não era para plantar e fecundar a vida? Por que tenho que perder a vida que criei e fiz florescer após tanto esforço e suor? Por que a vida me é sistematicamente arrancada de minhas mãos?” São algumas das perguntas que nos fazemos em meio às lágrimas. E assim, não mais que de repente, os festejos e o farfalhar da vida cedem lugar ao silêncio e ao negrume do luto.

Ficamos sem ação. Sentimo-nos traídos e em estado de perplexidade.

Por um longo tempo nos recusamos a juntar os cacos do que ficou e a prosseguir com nossa jornada.
Na tentativa de elaboração do luto voltamos a nossos livros, excelentes guias de superação. Através de seu olhar profundo, conseguimos experimentar novas e diferentes contrações de nossas emoções face ao que nos parece ser “uma grande rasteira da vida”.

Assim, Chevalier & Gheerbrant (1996) ressaltam que “a morte nos lembra que é preciso ir ainda mais longe, e que ela é a própria condição para o progresso e para a vida” (p. 623). Enquanto símbolo relaciona-se ao aspecto perecível e destrutível da existência. Mas a morte é também a introdutora aos mundos desconhecidos dos Infernos ou dos Paraísos, o que revela a sua ambivalência. Assim, ela é revelação e introdução. Todas as iniciações atravessam uma fase de morte antes de abrirem o acesso a uma vida nova. Nesse sentido, seu valor psicológico está em libertar o sujeito das forças negativas e regressivas, ela desmaterializa e libera as forças de ascensão do espírito. Se ela é por si mesma filha da noite e irmã do sono, ela também possui, como sua mãe e seu irmão, o poder de regenerar. Os místicos, assim como os médicos e os psicólogos, notaram que em todo ser humano, em todos os seus níveis de existência, coexistem a morte e a vida, isto é, uma tensão entre duas forças contrárias. A morte em um nível é talvez a condição de uma vida superior em outro nível.

Sobre a lei de destruição, assim está descrito no Livro dos Espíritos: “Preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e a melhoria dos seres vivos.” (p. 389).

Lembrando ainda que de um ponto de vista esotérico, os acontecimentos em nossas vidas sempre possuem um propósito. Ao experimentarmos uma situação dolorosa, precisávamos dela para desenvolver os aprendizados necessários para nossa evolução ou para que a nossa personalidade fosse lapidada.

Tudo está certo.

Vivemos dentro de um ambiente planetário com leis naturais, que se comunicam conosco o tempo todo. E elas dizem: “Semelhante atrai semelhante... A cada um será dado conforme suas obras...” Fato é que manifestamos em nossa vida a essência de nossos pensamentos e sentimentos. Portanto, nada está errado. Nada que veio para nossa experiência de vida, veio de forma injusta. Tudo acontece como consequência dos nossos pensamentos, sentimentos e emoções. Tudo tem o seu propósito, tudo sem o seu objetivo. Tudo está perfeito.

Talvez a 12ª carta do Tarô – o Enforcado – seja a que mais luz venha lançar à nossa questão. Nela um homem jovem é suspenso por um pé em patíbulo verde-escuro, sustentado por duas árvores amarelas. O Enforcado tem as mãos nas costas à altura da cintura e sua perna esquerda está dobrada por trás da outra à altura do joelho. Segundo Chevalier & Gheerbrant (Ibid.), ‘O Enforcado’ ou ‘O Sacrifício’ ou ‘A Vítima’ – representa a expiração sofrida ou voluntária, a renúncia; o pagamento de dívidas, a punição, o ódio da multidão e a traição; a escravidão psíquica e o despertar libertador, as correntes de todas as espécies, os pensamentos culposos, os remorsos, o desejo de se liberar de um jugo; o ato de se desinteressar, o esquecimento de si mesmo, o apostolado, a filantropia, as boas resoluções não executadas, as promessas não cumpridas, o amor não compartilhado.

À primeira vista, essa carta é a da derrota e da impotência total. Entretanto, os braços e as pernas do Enforcado desenham uma espécie de cruz sobre um triângulo, signo alquímico da realização da grande Obra. É preciso ir além das aparências. Esse Enforcado não é vítima, antes de tudo, de uma servidão mágica? Observando mais atentamente, notamos que a corda não passa em torno de seu pé, sendo possível questionar como é que ela o sustenta. Na realidade, o Enforcado simboliza aqui toda pessoa que, absorvida por uma paixão, sujeita de corpo e alma à tirania de uma ideia ou de um sentimento, não tem consciência de sua escravidão. Mas o símbolo do Enforcado desemboca ainda em outro plano. Sua aparente inatividade, sua posição indicam uma submissão absoluta que promete e assegura um maior poder oculto ou espiritual: a regenerescência ctoniana. O Enforcado renunciou à exaltação de suas próprias energias, ele se afasta para melhor receber as influências cósmicas.

O Enforcado marca bem o final de um ciclo, o homem se invertendo para enfiar a cabeça na terra, poder-se-ia dizer, para restituir o seu ser pensante à terra da qual foi moldado. Essa restituição, contudo, é a condição de sua regeneração.

Partimos, pois, de uma singela ação para chegar aos intrincados meandros dos mistérios e das influências cósmicas.

Tudo que sabemos e que está ao alcance de nossa visão ainda é muito estreito face aos desígnios universais. Ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro, são tarefas introdutórias de quem ainda está na infância da vida. Ter a dimensão do que nos aguarda seria talvez por demais aterrador para nossas consciências medianas.

Vamos então dar um passo de cada vez e viver a experiência no nível e plano em que nos encontramos. Se esforçar para tirar uma boa nota na escola, no entanto, é nossa obrigação.

Para finalizar, não vamos nos esquecer que o amor e os cuidados que dedicamos a um ser vivo para que ele cresça e atinja a sua plenitude faz parte do nosso ato de doação - um exercício de desprendimento, portanto - e já serviram aos fins da criação por si mesmos. Chegar à pujança completa já é um grande feito. Muitos não chegam a isto.

Resta a cada um de nós, ao fim e ao cabo, encarar a coexistência da vida e da morte um fato natural e aspecto fundamental no ambiente em que vivemos e que, ‘por acaso’, nos esquecemos.

Referências

  • Chevalier, J. & Gheerbrant, A. - Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1996.

  • Kardec, A. - O Livro dos Espíritos. 91. Ed. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 2007.