Após muitas paradas para as quase inevitáveis fotos e selfies, num cenário cinematográfico, todos vão chegando ao ponto de início da visita. A guia se põe de frente para o pequeno grupo de turistas brasileiros, dando as costas para a vista deslumbrante da cidadela inca... Espera que se posicionem, que respirem; e começa, devagar, a contar uma longa história sobre o povo e o lugar para ela tão conhecidos.

A imagem da cidade no alto de uma montanha quase inacessível e tantas vezes vista em revistas, sites de internet, reportagens de TV e folhetos turísticos é sonho que se materializa naquele instante à nossa frente.... Enfim, estamos na cidade perdida dos incas: Machu Picchu.

Uma das sete maravilhas do mundo moderno. Última atração na viagem de vários dias pelo Peru, como que para fechar o roteiro com uma “chave de ouro”. O ápice; após uma preparação que mais pareceu peregrinação: um voo de Lima à cidade de Cusco, daí mais algumas horas descendo de trem; uma noite em um hotel no vilarejo parador Machu Picchu Pueblo (antes chamado de Aguas Calientes); despertar de madrugada e enfrentar uma fila por horas; tomar um ônibus para subir as montanhas através de uma estrada íngreme e cheia de curvas fechadas e, por fim, descortinar visuais de um dos patrimônios da humanidade, assim definido pela UNESCO.

Importante dizer que essa é a forma mais rápida de se chegar ao local, pois há quem opte por fazer uma longa caminhada de quatro dias pela antiga Trilha Inca, a mais famosa caminhada na América do Sul, revivendo o roteiro dos antigos povos peruanos, que sai de Cusco indo até Machu Picchu, com passagem pelas cidades de Huayllabamba, Pacaymayu e Wiñaywayna.

Talvez empreender tamanho esforço ao fazer a trilha confira à chegada uma percepção de beleza ainda maior, devido à “vitória” pela conclusão do percurso. Mas os “simples mortais” que vieram de trem e ônibus e integram o grupo de visitantes também chegam debaixo de sol forte e luminosidade intensa, aos 2.440 metros de altitude. E após uma subida a pé desde as catracas de acesso ao sítio até a porta da cidade, respirar pode deixar de ser um ato automático e se transformar em uma tarefa que exige muita concentração...

Machu Picchu surge em seu conjunto arquitetônico de implantação surpreendente, numa comunhão plena com a natureza exuberante do entorno (picos de montanhas verdes a perder de vista). Uma imagem que deixa logo claro que a jornada inteira valeu a pena, independentemente do modo como tenha se dado.

Com a guia estrategicamente colocada e os visitantes voltados para o magnífico conjunto, começa a ser contada um muito da história e outro tanto das lendas que envolvem esse lugar. A conversa se inicia pela informação de que os colonizadores espanhóis nunca teriam chegado a Machu Picchu e isso surpreende a alguns. Moradora da cidade de Cusco, que foi centro administrativo e político da civilização inca e, descendente desse povo, ela parece citar o detalhe com orgulho e uma certa alegria. Explica que a cidade fora protegida pela altitude, pelo Rio Urubamba, que corre serpenteando entre as montanhas 450 metros abaixo de Machu Picchu, como também pelo relevo acidentado do entorno. Todos esses elementos teriam funcionado como proteções naturais. Sua posição geográfica provavelmente teria isolado a cidade e deve ter sido o motivo que levou o inca (nome dado ao rei) Pachacuti a construí-la nesse local.

Machu Picchu, que em quéchua (língua original da região andina) significa "velha montanha" ou “pico velho”, ficou escondida sob vegetação e nuvens por cerca de 400 anos, até o início do século XX.

Hiram Bingham

Falava-se muito em uma cidade lendária dos incas: Vilcabamba, capital dos últimos governantes, como Manco Inca. Isso despertou o interesse do professor assistente de História Latino Americana da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Hiram Bingham, que veio à cidade de Cusco a fim de fazer buscas pela região.

Em sua primeira expedição o explorador encontrou inúmeras ruínas, durante meses de busca, mas estava focado na ideia de localizar Vilcabamba e não deu muita importância ao que foi “achando” pelo caminho. Certo dia, no entanto, Bingham encontrou o camponês Melchor Arteaga à beira do Rio Urubamba, a cerca de 110 Km de Cusco e soube que havia construções no alto de uma montanha perto dali. Com muita obstinação e um bocado de sorte, num tempo sem satélites artificiais, GPS e outros recursos, o explorador chegou a Machu Picchu, encontrando suas ruínas em grande parte preservadas, implantadas em uma lateral da montanha coberta por nuvens, árvores, muito mato e arbustos, a milhares de metros acima do nível do mar.

Era uma construção extensa, erguida em blocos confeccionados com o próprio granito existente na montanha. Bingham tinha concretizado uma descoberta de muita grandeza histórica e a registrou em fotografias que compõe um álbum com 23 volumes.

A farta documentação fotográfica que produziu, aliada a seu conhecimento acadêmico, certamente contribuiu para o reconhecimento do explorador como o descobridor do sítio arqueológico. Mas há controvérsias quanto a Bingham ter sido o primeiro estrangeiro a visitar Machu Picchu... De acordo com antropólogos peruanos, o local teria sido visitado anteriormente por britânicos, outros americanos e alemães, que não fizeram registros oficiais sobre o fato, possivelmente por desconhecerem a importância do achado.

Em seu livro Lost City of the Incas: The Story of Machu Picchu and Its Builders (Cidade perdida dos Incas: a história de Machu Picchu e seus construtores), publicado em 1948 e que se tornou best seller, Bingham narra em detalhes a busca pela lendária cidade de Vilcabamba, a qual teve fim com a descoberta não dela, mas sim de Machu Picchu, em 24 de julho de 1911.

Bighman retornou a Machu Picchu em 1912, numa segunda expedição, com autorização para realizar os estudos arqueológicos no sítio. Conta-se que chegou a 40.000 o número de achados, entre objetos de cerâmica, metal, entre outros, que foram levados para estudo nos Estados Unidos com a autorização do governo peruano. O compromisso era de que esse material riquíssimo retornasse ao Peru em alguns meses, mas de todas as peças levadas para a Universidade de Yale, apenas 300 foram devolvidas. Hoje, o governo do Peru tenta junto ao governo americano o retorno das peças ao seu local de origem...

A descoberta de Machu Picchu foi assunto na edição do magazine National Geographic de abril de 1913, causando muita sensação e trazendo notoriedade para Bingham que, posteriormente, entrou para a política, tendo sido governador do estado americano de Connecticut e Senador dos Estados Unidos. O explorador faleceu em 1956, aos 81 anos, sem saber que uma das ruínas que deixara para trás na expedição de 1911, a caminho de Machu Picchu, era na realidade Vilcabamba... que foi redescoberta em 1964 pelo arqueólogo Gene Savoy.

O maior império da América pré-colombiana

Machu Picchu teria sido apenas um ponto no vasto império inca, que se estendia do sul da Colômbia ao norte do Chile, ocupando parte do Equador, Bolívia e Peru. Um Estado centralizado, com sede em Cusco, dividido em três zonas: costa, deserto e planalto, em que o imperador possuía poderes militares, políticos e religiosos. A população teria chegado a cerca de doze milhões de habitantes e o império durou por volta de 300 anos, até a chegada dos espanhóis em 1532, quando se fragmentou, ao ser derrotado pelas tropas de Francisco Pizarro.

Dizem os escritos do padre espanhol Barnabé Cobo, migrado para o Peru muito depois da consolidação do domínio, que quando da chegada de Pizarro o império iniciado pelo rei Pachacuti já se encontrava enfraquecido pela disputa do trono entre os irmãos Atahualpa e Huascar. O rei Huayna Capac, conhecido por ter sido um governante muito cruel, enfrentava rebeliões civis e decidira dividir o império entre os filhos, acreditando que os dois encontrariam um consenso e governariam juntos, o que não aconteceu...

Segundo Cobo, isso teria sido um facilitador na investida espanhola e pode justificar como uma pequena tropa que contava com apenas 180 homens e cerca de 40 cavalos conseguiu dominar a região. Os incas eram infinitamente superiores em número, mas estavam muito divididos. Lutavam com porretes de bronze contra armas de fogo e, segundo dizem, tinham muito medo dos cavalos dos espanhóis, por acreditarem que os animais, até então desconhecidos nos Andes, seriam imortais e até poderiam comer os humanos... Nesse momento da narrativa, a guia acrescenta que os espanhóis teriam escondido dos incas o corpo de um cavalo morto, a fim de reforçar a crença na imortalidade dos animais e facilitar as batalhas, pois nas lutas, ao ver os cavalos, os incas saiam correndo, apavorados...

Apesar de Atahualpa ter saído vencedor da que ficou conhecida como “A Guerra dos Dois Irmãos” foi capturado em seguida pelos espanhóis em uma armadilha montada por Pizarro, que o teria convidado para um jantar cujo real objetivo seria aprisionar o inca..., mas o pior ainda estaria por vir: preso, o rei teria negociado o próprio resgate com os espanhóis, sendo este de 18 toneladas de ouro e prata. Os incas teriam pago integralmente o resgate, sem com isso obter a libertação do prisioneiro, que permaneceu encarcerado e foi enforcado tempos depois pelos colonizadores. Pachacuti teria escolhido essa forma de morte, em alternativa à decapitação, a fim de preservar seu corpo íntegro e não prejudicar as cerimônias funerais incas, dando seguimento às crenças e costumes de seu povo, que embalsamava seu reis em fardos funerários e acreditava em sua imortalidade, desfilando com eles em datas festivas e religiosas, em procissão.

Mas a conquista definitiva do território inca pela Espanha só aconteceu em 1572, ao que tudo indica, na cidade de Vilcabamba, com a morte do último líder da resistência indígena do povo inca: Tupac Amaru, filho de Manco Inca.

Aculturação e resistência cultural

Depois de consolidar o domínio e para reforçá-lo, os colonizadores prosseguiram com o projeto de aculturação do povo inca, buscando que sua história e cultura fossem esquecidas: desrespeito às crenças, imposição do espanhol em detrimento da língua quéchua e construção de igrejas católicas sobre templos, como o Templo do Sol – Coricancha, situado em Cusco, exemplo claro desse intento.

Dos dois lados da Cordilheira dos Andes aconteceram fatos parecidos e, naquele momento surgiu a sensação de “elo afetivo”: um sentimento de pertencimento a esse outro povo sul-americano, ao lembrarmos os milhões de indígenas que povoavam a costa brasileira na época do descobrimento...

Mas florescera uma resistência inca, e não só através de batalhas, mas cultural: na Catedral de Cusco, uma das maiores do mundo, a cruz Andina está representada na base dos pilares da construção. E ao simbolizar o demônio em uma pintura na catedral, os artistas locais usaram o rosto de Francisco Pizarro, o dominador espanhol, como personificação do mal... As folhas de coca, símbolo sagrado para os incas, também estão entalhadas pelos altares católicos da igreja e ainda hoje se vê pelas ruas da cidade, muito forte, o culto à deusa Pachamama - a mãe Terra.

Uma história cheia de superação, trabalho incansável (os incas viveram literalmente a carregar pedras), bravura, lendas e heróis como Pachacuti, nono governante inca; o líder que iniciou a expansão do império e que se encontra representado numa escultura erguida em Machu Picchu Pueblo, como que recepcionando os visitantes a caminho da cidade sagrada que ele construiu “entre as nuvens”.

Pachacuti ou Inca Yupanki era conhecido como O Construtor, tendo dedicado sua vida a erguer templos, palácios e fortalezas. As refinadas características construtivas encontradas em Machu Picchu apontam para sua autoria, bem como o período de sua construção, que se acredita ter iniciado por volta de 1450.

Apesar dessa “insignificância” territorial, Machu Picchu, que se estima ter sido construída ao longo de 50 anos, não foi apenas mais uma cidade inca... O fato de ter ficado intocada por todo o período colonial até o início do século XX, a forma como foi descoberta, as lendas que alimenta, sua belíssima implantação e os refinados conhecimentos técnicos de engenharia nela aplicados fizeram da cidade um local especial e para muitos fascinante, além da beleza do conjunto arquitetônico e seu entorno; sem falar da parte “espiritual”, uma vez que muitos consideram o local como um centro energético, um sítio místico... pois os incas acreditavam que quanto mais perto do céu estivessem, mais próximos estariam de suas divindades...

Em Machu Picchu tomamos contato com essa história rica, instigante, cheia de surpresas... E se torna difícil não lamentar a queda de uma civilização que produziu uma cidade como ela. Um povo telúrico, em conexão com a natureza que o abrigou, com uma estrutura social organizada e seu sistema de terras partilhadas. Um povo que acreditava no deus criador do mundo: Viracocha, mas que cultuava Pachamama acima de tudo, pois era da terra que extraíam seus maiores bens: os alimentos, o ouro e a prata.

Descobrindo Machu Picchu

Agora mais contextualizado, após o longo relato sobre a história do povo inca e de Machu Picchu, o grupo inicia uma caminhada pelos passeios íngremes, pelas escadas de pedra, passando a ouvir sobre a sofisticação e precisão de engenharia utilizada na construção da cidade, representante mais espetacular do que restou de uma civilização inteira. E o grupo vai acompanhando com visão, audição e corações sul americanos, num crescente de interesse pelo monumento fantástico.... Os olhos passeiam pelos recantos, passagens, ruelas, blocos, construções de pedra, caminhos e espaços abertos que compõem o conjunto arquitetônico.

A cidade é dividida por um muro em duas zonas: um trecho agrícola, onde se situam os terraços de plantações e, no outro, os recintos, pátios e templos. Em viagem por toda a região vemos esses terraços ao longo das estradas: eles estão por toda parte. Grandes “degraus” escalonados, construídos nas encostas das montanhas e de onde vieram os gêneros que alimentaram toda uma civilização.

Machu Picchu é composta por cerca de 110.000 m2 de área construída, com 170 recintos, pátios e templos. E saber que 60% do que se construiu em Machu Picchu está em suas fundações surpreende: são avançadas soluções estruturais e de drenagem subterrânea, num sistema de camadas de pedra e cascalho e também dutos de escoamento de água a céu aberto. Esse complexo sustenta a cidade no alto da montanha, evitando a erosão pelas intensas chuvas a que está sujeita por longos períodos do ano e ajudando a protegê-la do alto risco de ruir por tremores de terra, uma vez que a cidade se localiza entre duas fendas geológicas sísmicas... A empreitada de construir Machu Picchu exigiu muito apuro tecnológico, trabalho braçal e é o melhor exemplo da riqueza do conhecimento de uma civilização que não desenvolveu a escrita, mas se refinou em várias ciências.

Num canto da montanha, chega-se ao canteiro onde as pedras utilizadas nas construções eram extraídas e tratadas: de onde saiu toda a matéria-prima para a construção de Machu Picchu. Pode-se ver blocos quase prontos para o transporte e encaixe (já que não se utilizava argamassa ou materiais de rejuntamento nas principais construções). Tudo indica que os moradores abandonaram a cidade repentinamente, pois várias pedras foram deixadas inacabadas. Provavelmente partiram no intuito de proteger e preservar o local, para depois retornar...

A guia explica como as pedras eram “fraturadas” para compor as paredes: a técnica de fazer buracos nas rochas, por onde se inseriam tocos de madeira, os quais eram molhados para se expandirem e irem rachando a pedra pela pressão causada em seu interior. Fala do polimento e tratamento dados às construções mais ilustres, dos encaixes perfeitos dos blocos; das pedras menores com algum aglutinante nas construções menos importantes da cidade.

No alto de uma colina situa-se a Torre do Vigia. É o local que permite a melhor visão possível de todo o complexo de Machu Picchu. De onde se divisa o setor das residências: pequenos cômodos entre vielas e escadarias. As cobertas se foram, mas restam as altas empenas nas paredes laterais das construções, indicando mais de 60% de inclinação nos antigos “telhados”. Adaptação aos altos índices pluviométricos e ao frágil material das cobertas, que teriam sido de palha, colocadas e amarradas sobre estruturas de troncos de madeira da região. Esses elementos se encontram reproduzidos em algumas construções, como na Casa dos Guardiões; o que permite ao turista a sensação de entrar em uma construção de Machu Picchu, com seu ambiente sombreado, como há séculos passados, numa perfeita viagem no tempo.

Na praça principal há um extenso gramado; local onde possivelmente se desenrolavam os eventos do dia a dia da comunidade. Lhamas engraçadinhas circulam pelos espaços. Todas possuem nome e são acompanhadas por biólogos. Trazem nas orelhas as placas identificadoras. “Marta” se chega amistosamente ao grupo, observa-nos, para depois seguir sua atividade de “guardiã”. Os animais conferem ao ambiente um quê de cidade viva. São dezoito ao todo. Pastam, caminham pelas pedras, sobem e descem livremente. Parecem estar à espera do retorno dos incas, voltando de suas tarefas nos terraços de agricultura...

O Templo do Condor, com o que parece ser a ave enorme esculpida em pedra é certamente um dos pontos mais misteriosos do sítio arqueológico. A Praça das Três Janelas, todas em forma trapezoidal, como todas as aberturas e paredes nas construções incas... A forma foi muito utilizada a fim de dissipar a energia dos sismos e conferir maior estabilidade às construções. Sempre as bases largas, bem assentadas e seguras dos experientes engenheiros incas.

Na praça das “tres ventanas” se tem uma ampla visão da paisagem. Talvez fosse templo; talvez um local para encontros sociais e festivos. Depois o Templo do Sol: o coração da religiosidade de Machu Picchu, centro das atividades dos sacerdotes.

No ponto mais alto de Machu Picchu encontramos Intihuatana (“lugar onde se amarra o Sol”). Um relógio solar por onde se inicia o setor sagrado da cidade. É comum se ver turistas estendendo as mãos sobre ele, em busca de captar energias que acreditam emanarem da pedra. Uma escultura delicada, perfeitamente alinhada com os pontos cardeais, que auxiliava a definir as fases de plantações e colheitas, assim como a contar a passagem do tempo. A identificar os solstícios de inverno e verão, tão importantes para um povo cuja cultura era calcada na agricultura.

Chegamos ao aposento do rei Pachacuti. É o único dotado de um recinto extra, uma espécie de banheiro, o que indica para a necessidade que havia de se dar alguma privacidade a alguém que era considerado por sua comunidade como um deus... O momento de estar na casa do “Inca”, do líder responsável pela expansão do império e construção de Machu Picchu guarda uma emoção especial... Era daquele lugar que se conduzia a vida de doze milhões de pessoas? No pequeno cômodo eram pensadas e tomadas as decisões importantes para o povo?

A cidade é alimentanda pelas águas que correm no complexo circuito de aquedutos, construídos a uma inclinação de 3%. São calhas, pequenos canais e bicas, que garantiam o atendimento a toda a população, estimada em cerca de mil pessoas.

Ao lado da “montanha velha”, encontra-se o pico Huayna Picchu (montanha jovem), mais alto e ligado a Machu Picchu por uma escadaria. Ao que tudo indica, um local para observações astronômicas. Hoje, mais um ponto de interesse para os turistas. Os ingressos para Huayna Picchu são muito concorridos. São apenas duas subidas por dia em horários específicos e não são permitidas mais de 200 pessoas na trilha. O roteiro dura entre uma a duas horas e exige muito esforço e precaução, devido aos trechos perigosos e muito íngremes, por isso muitos preferem não se lançar na aventura de subir Huayana Picchu. Desde o alto da montanha se tem uma visualização perfeita dos setores, do traçado e desenho urbano de Machu Picchu, mas muitos dizem que essa não seria a melhor visual da cidadela e o principal ponto focal dos turistas continua sendo mesmo a “cidade perdida”, a “montanha velha” dos incas.

Há quem defenda a ideia de que Machu Picchu não era uma cidade comum, para residência, e sim um ambiente próprio para cultos e estudos astronômicos e de agronomia, como uma universidade... Essa é a tese do arquiteto peruano Oscar Zereceda, em seu livro Machupicchu – Universidad Inka.

O povo inca realizou experimentos avançados em Agronomia e Agricultura, com o desenvolvimento de 35 variedades de milho e milhares de espécies de batatas, cultivando-as nos já citados terraços. Cada pavimento era dedicado a um tipo de cultura específico, considerando irrigação e temperatura diferentes nos diversos patamares: as culturas mais apropriadas para o frio plantadas sempre nas regiões mais altas, a mais adaptadas ao calor na parte mais baixa.

Há, no alto de algumas montanhas localizadas no Vale Sagrado dos Incas, pequenas construções que eram dedicadas à guarda de sementes. Elas eram mantidas em compartimentos muito frios, em regiões de maior altitude, para que ficassem preservadas. Esses locais possuíam um sistema de ventilação que garantia a constante renovação do ar nesses espaços, num manejo de muita técnica. Do ponto de vista social, destaque-se a elevada consciência de partilha e coletividade. Desde muito cedo todos trabalhavam e não havia a estrutura de família nuclear como a conhecemos. As crianças iam para o campo desde cedo, por volta dos oito anos de idade, onde não necessariamente ficariam vinculadas a seu pai ou a sua mãe.

E essas coisas todas vão sendo ditas, pois são feitas muitas perguntas à guia sobre a vida do povo que ali viveu. Sobre sua mística. Cada uma é respondida, até que a visitação termina e ela se despede, ciente do trabalho bem cumprido... muitas informações e conhecimento partilhado. Percebe-se a emoção e alegria que paira no ar em meio ao pequeno grupo, agora mais rico.

Aos poucos, os turistas se dispersam para usufruir do tempo livre que ainda resta de permanência na cidade. Todos os principais pontos foram visitados e a maioria das pessoas busca um lugar para apenas sentar e ficar em contemplação. Sentir um pouco mais o clima mágico do lugar, antes da descida. Guardar na memória a belíssima imagem de Machu Picchu e não só levá-la em fotos e filmes...

Pelos espaços abertos há pessoas meditando, comendo o lanche trazido desde a madrugada. Outras ainda subindo e descendo escadarias, acompanhando seus guias. Um silêncio quebrado apenas por visitantes mais animados. Um horizonte longínquo e verde, além das construções. O Rio Urubamba correndo lá embaixo, ao longe.... Deixar-se ficar mais e mais talvez seja o desejo de muitos naquele momento, mas a fila dos ônibus para a descida aguarda. É tarde.

Retorna-se a Machu Picchu Pueblo. Um vilarejo dormitório cheio de hotéis, albergues, pequenas estalagens, muitos restaurantes, lojinhas e mercados. Um lugar que foi sendo construído na medida da necessidade dos viajantes e se espreme entre altas montanhas e o rio cheio de pedras alvas, da mesma natureza das que construíram Machu Picchu.

Um almoço típico (“Lomo Saltado”) ao som de música andina, um pisco sauer (drinque tradicional peruano) para comemorar. Sonho realizado. E o desejo de voltar a visitar no futuro essa cidade perdida no tempo já se torna uma realidade...

Os raios de sol do longo dia já se vão esmaecendo. Ouve-se o barulho de mais um trem... É preciso fazer o caminho de volta e subir para Cusco. A saudade é algo que faz parte do roteiro: da beleza do lugar e desse povo que nada deixou escrito, mas muito legou através de sua extensa “literatura de pedra” e arte. Que viveu quase nas nuvens, mas parece ter amado e respeitado como ninguém a mãe Terra...

Hora de voltar para casa, ainda com as vibrações harmônicas do ambiente de Machu Picchu e sob a energia fecunda de Pachamama...