A tela de cinema muitas vezes nos transporta para mundos de fantasia e aventura, mas por trás da emoção e do espetáculo, pode haver uma mensagem silenciosa e poderosa em ação. Uma dessas ferramentas de influência é o soft power, um conceito que se contrapõe diretamente ao hard power, ou o poder da força bruta e das armas. Enquanto o hard power impõe sua vontade por meio da coerção e da violência, o soft power age de forma mais sutil, quase imperceptível. É um poder "macio", "suave", que opera na dominação da narrativa.

Essa forma de poder se manifesta através dos meios de comunicação, das artes, da música e, de forma muito proeminente, do cinema. Sua eficácia reside na capacidade de imprimir uma versão própria dos fatos, moldando a percepção e o pensamento do público conforme os interesses das elites dominantes. Em vez de uma invasão militar, o soft power promove uma invasão cultural, uma colonização da mente que é muito mais difícil de combater.

Afinal, é infinitamente mais barato, fácil e estratégico dominar pela persuasão e pela narrativa do que pela força. O uso da força é efêmero, custoso e, invariavelmente, gera revoltas e resistência. Grandes pensadores sobre os códigos do Poder, como Maquiavel, já observavam essa dinâmica. Para subjugar um povo, explorá-lo, expropriá-lo e dominá-lo, é muito mais eficaz fazê-lo desacreditar em si mesmo. Uma população que duvida de sua própria capacidade e valor é muito mais maleável e menos propensa a se rebelar.

É nesse contexto que a análise de obras culturais se torna crucial. Elas não são apenas entretenimento; são veículos para a propagação de ideologias. O cinema, em particular, com seu poder de imersão e identificação, é um terreno fértil para a operação do soft power. As histórias que nos contam, os heróis que nos apresentam e os vilões que desumanizam desempenham um papel fundamental na construção de nossa visão de mundo.

Pois bem, e onde isso se aplica ao filme Top Gun, sucesso da década de 1990? No longa, somos apresentados a uma figura clara de um herói indomável, Maverick, interpretado por Tom Cruise. Ele tem sua bela namorada e, supostamente, luta por um ideal maior de liberdade e vitória da nação norte-americana. A imagem de um indivíduo que, apesar de desrespeitar as regras e a hierarquia, consegue completar as missões com êxito e salvar os interesses americanos de uma suposta liberdade e bem comum, é profundamente problemática.

Como seria possível tal conduta em forças armadas, onde comando, disciplina e hierarquia são indispensáveis para o sucesso de qualquer missão? Sem o trabalho cuidadoso de unidade militar, nenhuma operação seria viável. Um piloto não pode simplesmente fazer o que lhe dá na telha. A representação de Maverick desafiando as normas e ainda assim sendo bem-sucedido reforça a ideia de que o individualismo desmedido pode levar à vitória, mesmo em contextos onde a cooperação e a obediência são vitais.

Mas os elementos de semiótica ficam ainda mais sofisticados quando observamos as cenas de confronto e "pega-pega" entre o ator principal e os pilotos russos, que são os inimigos. Nesse contexto, os pilotos russos são desumanizados de forma sutil, porém eficaz, simplesmente por não terem rosto nas cenas. Ao passo que, mesmo usando máscaras, os pilotos norte-americanos mostram inúmeras emoções: tensão, medo, vitória, sucesso. Isso não é um acaso.

A semiótica, para quem não está familiarizado, é uma forma de linguagem universal que se manifesta por meio de símbolos. Não é necessário escrever a expressão "risco de morte" se você vir uma caveira com dois ossos cruzados na porta de uma instalação qualquer. A imagem, o símbolo, já transmite a mensagem. No cinema, a ausência de rosto e a falta de expressões em um grupo de personagens, em contraste com a expressividade do outro, é uma forma potente de simbolismo. Ela cria uma divisão clara entre o "nós" e o "eles", onde o "eles" é destituído de humanidade.

O objetivo aqui não é fazer uma crítica de arte cinematográfica, mas sim ilustrar como se opera o sofisticado poder da narrativa via soft power. Pense, por exemplo, em como todos os grandes impérios usavam e ainda usam águias em suas bandeiras e símbolos. Isso também é uma forma de soft power e dominação semiótica. A águia, um predador no topo da cadeia alimentar, simboliza força, visão e supremacia.

Quando existe uma estratégia de representar o brasileiro por meio de um papagaio chamado Zé Carioca, isso não é à toa. Zé Carioca é um papagaio antropomorfizado, retratado como preguiçoso, malandro, que gosta de enganar as pessoas, sempre se esconde de seus credores e gosta de flertar com muitas mulheres. Essa representação, aparentemente inofensiva, carrega consigo um conjunto de estereótipos negativos que, ao longo do tempo, podem se incrustar no imaginário popular.

Quando você começa, desde cedo, a incutir no inconsciente das crianças que sua representação nacional é um papagaio que apenas repete o que os outros falam, e ainda detém essa representação de estereótipo, fica muito mais fácil subjugar esse adulto quando for oportuno. É por isso que os brasileiros muitas vezes falam mal do Brasil. Não é algo aleatório; é uma programação macro de autossabotagem dirigida, apresentada e conduzida pelo imperialismo das elites que, hoje, já não é mais só norte-americana, mas sim financista transnacional.

Até porque os próprios Estados Unidos se autossabotam em detrimento da coletividade, visando os interesses das elites financistas supranacionais. É um jogo complexo, onde as fronteiras nacionais se dissolvem em prol de interesses globais. A desvalorização de uma nação, de seu povo, de sua cultura, pode ser uma ferramenta poderosa para a exploração econômica e a manutenção do status quo.

Conhecer ferramentas de dominação, poder, semiótica e soft power é libertador e, a um só tempo, perigoso. Na próxima vez que você vir um brasileiro falando mal do país, lembre-se: ele foi adestrado para isso. Tenha paciência e caridade para ensinar, se for possível. E se não for, apenas compreenda o mecanismo. Afinal de contas, a caridade não exclui a prudência.

Será que, ao desvendar os véus do entretenimento e das narrativas cuidadosamente construídas, não estamos apenas arranhando a superfície de um universo muito mais intrincado de influências? Quais outras sutilezas nos aguardam nas entrelinhas das produções que nos consomem, e como a próxima peça desse quebra-cabeça invisível se revelará?