Gosto de casas e por isso falar delas é um prazer. Permito-me navegar pelo assunto com a ignorância dos não letrados no tema, colocando-me inteira no propósito de conhecer as casas, por meio da vida que os moradores imprimem nela.
Pessoas de verdade e não de fotos meramente felizes, costumam mostrar mais verdades sobre uma casa; o calor das emoções, o barulho das gargalhadas e os choros de seus conflitos diários. Cada casa revela seu magnetismo, seu cheiro próprio, sua organização habitual e seu compromisso com as memórias.
Casas minimalistas não me interessam, suas cores apenas beges, sem flores no jarro, santo no altar e bolo no forno é quase como uma declaração do não uso, ou ainda o que é pior, uma forma de dizer ao outro ou ao mundo que se é mais orgânico, suave e empático a algum tipo de economia circular ou ambientalmente correta. Será mesmo? Tenho dúvidas.
Acredito que o acúmulo de memórias não seja o vilão, pessoas vivem e guardam experiências. Expõem suas viagens em fotos, sua afetividade em discos cansados de rodarem nas vitrolas, reaproveitam coisas usadas para outros usos, cuidam de plantas que necessariamente não precisam estar simetricamente alinhadas em jarros modernos, o importante é que não sejam sacrificadas para uma demonstração impecável e chata. Flor é flor, mato é mato e isso compõe a natureza selvagem que ousamos trazer para dentro de casa, por isso há de se ter respeito.
Gosto de cores, tramas, texturas, sobreposições, e muitas, muitas informações. E mesmo para aqueles que estão iniciando sua jornada em uma morada, eles próprios são intuídos a derramarem ali o seu pequeno legado humano, e fazer crescer pacientemente sua identidade.
Nada muito igual me chama a atenção, me inquieta a alma, me chama a reflexão de como estou cuidado da minha morada. O diferente, o imperfeito e o particular me alcançam.
Os arquitetos, engenheiros e designers estudam a lógica da casa, construção, estrutura, harmonização, tendências. São impregnados de seus conceitos tão importantes e tão bem-vindos, mas os curiosos estudam a vida da casa e isso me interessa. Cada época tem uma tendência, uma cor, um material, um jeito de identificar o que as casas querem refletir. Seja conforto, classe, elegância, despojamento, particularidades, tranquilidade, austeridade ou diversão. O que cada casa ostenta fala muito mais daquilo que seus moradores querem viver, e sobretudo mostrar.
As casas evoluem com os indivíduos através do tempo e hábitos daquela época. Desde as cavernas até hoje muito se viu sobre a transformação das casas. Pequenas ou grandes, coloridas ou monocromáticas, abertas ou compartimentadas, grandes ou pequenas, bem estruturadas e construídas ou não, elas revelam para além do status social segredos inenarráveis. Na Europa do pós-guerra as casas foram coloridas para celebrar o término de um tempo tão terrível, revelando assim o que o interno quer mostrar ao externo: Sentimento e cura.
Cada época tem um tipo de apelo, necessidade e comportamento e as casas acompanham esse movimento, com ou sem banheiros, salas de jantar imensas ou sem mesas, horizontais ou verticais, claras ou mais escuras, com muitos objetos ou quase vazias, iluminadas ou sem luz, sabemos o que ela representa. E isso se deu desde sempre, e não é diferente hoje.
O mundo continua movendo-se e as casas também.
A pós-pandemia no mundo e sobretudo no Brasil tem valorizado imensamente as moradias, sendo essas consideradas o porto seguro e demonstração de qualidade de vida.
Lembrando a arquitetura magistral do Brasil, nos anos 1970, em comparação com a atual, notamos diferenças absurdas, o que significa que o gosto e necessidade das pessoas quanto as suas casas mudou, entretanto havia um ar elegantemente natural em seu concreto aparente de grandes formas, e menos fechamentos para esconder partes da casa ou qualquer outra coisa que seja, como podemos apreciar nos dias atuais.
Se em outros momentos as casas foram bem coloridas, hoje vejo se repetir um estilo neutro, orgânico, com assinaturas de móveis e uma gritante cópia de casa para casa. E isso serve a um fim, senso de pertencimento a um estilo de vida e sociedade. Em algumas cidades pelo mundo afora, as casas são pintadas todas da mesma cor e a singularidade está em seu interior, pois é particular e intransferível, mas a tendência atual é uma casa mais aderente a tendência divulgada nas mídias virtuais.
Para além da cor da pintura e da organicidade de uma casa, viver a casa é o mais legal, o bacana de se ter uma moradia. Se identificar com a história contada por meio dos objetos e estilo e que ofereça a sensação de um ninho ou porto seguro é o que podemos entender como verdade.
Viver a casa significa entender o seu propósito, e porque ou para que você a escolheu, sendo uma via de mão dupla entre dar e receber.
Casas precisam ser habitadas, ter sua própria dinâmica, serem assépticas, mas em outros momentos imundas, ao ponto que dê uma vontade genuína de limpá-las. Organizar sua vida em cada toalha que dobra, e realinhar os desejos nos bolos fumegantes saindo do forno traz suavidade. casa é onde se tem a luz acessa propagando a claridade em seus pensamentos, cheiro do manjericão e açafrão dando gosto à comida, roupa limpa na cama que te convida a paz, e gente, sobretudo gente que faça a vida acontecer.
Viver bem é fazer do seu jeito, sem acompanhar o que o outro determina que faça, mas revelando ou representando sua essência.
Nos vemos já!já!