Ele me deu um beijo na boca e me disse:
A vida é oca como a touca de um bebê sem cabeça
E eu ri à beça
E ele, como uma toca de raposa bêbada
E eu disse: chega da sua conversa
De poça sem fundo
Eu sei que o mundo
É um fluxo sem leito – e é só no oco do seu peito
Que corre um rio(Caetano Veloso, 1982)
Em tempos de tanta repetição, reprodutibilidade e descartabilidade, são poucos os artistas brasileiros que conseguem construir uma trajetória na contramão de um desejo imediato de mercado ou de temas sociais mais em voga. Adriano Costa (São Paulo, 1975) é um deles, justamente pelo raro apreço em não particularizar o debate da arte em torno do imediatismo de certos temas e histórias. Sua politização (que é de ordem estética, diga-se) é mais sutil e se deflagra quando das obras em conjunto no espaço expositivo, na sugestão de seus títulos e nas imagens que se formam a partir de cada exposição.
De um lado, é possível ancorar a produção dele a partir da verve experimental e ambiental de Hélio Oiticica e da ironia e da radicalidade nos usos dos materiais pela Geração 80, de Paulo Monteiro a Leda Catunda. Podemos dizer que é nessa tradição que está enraizada a sua produção. Já do outro, há uma boa condição dialógica com produções internacionais em voga, a exemplo de parte das práticas da alemã Isa Genzken, do norte-americano Paul Thek, entre outros. Podemos afirmar que tais conexões indiretas advém de seu contato permanente com a produção atual, uma espécie de perspectiva de presença diante do que se tem concebido no universo criativo da arte contemporânea.
Como é sabido, Adriano vem paulatinamente afirmando sua produção em contexto internacional: ele acompanha um circuito institucional, muitas vezes em programas de residência ou em exposições coletivas que abordam temas e processos históricos, como também participa do circuito privado de galerias e de espaços independentes. Apesar de normalmente organizar a exposição com trabalhos distintos e independentes, a intercomunicação que é estabelecida em loco entre as obras e o espaço dão sentido amplificado à sua produção. É algo que ele nunca perde de vista. De certa maneira, pode ser redutor pensar os seus trabalhos apenas como dispositivos autônomos, dissociados de um contexto expositivo. Entretanto, colocando em perspectiva, faz parte de sua atuação entender como cada um dos elementos que se distribuem em certo espaço arquitetônico podem engendrar uma melhor relação dialógica com o público.
De uma formação em faculdade pública, na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, à atuação em um contexto global mais amplo, sem necessariamente representar o rótulo de artista brasileiro ou latino-americano, ele segue firme em seu propósito intuitivo de trazer o mundo exterior para o universo interior de sua arte. Nesse propósito podemos também incluir um olhar sobre as reverberações de quem viveu a vida cultural noturna de São Paulo. E essa é uma das tônicas possíveis de 1 metro de cabelo.
(Texto de Diego Matos)