Tenho feito pequenas entrevistas com poetas, historiadores, fotógrafos, editores, com questões geralmente voltadas a diferentes temas, mas sempre preocupadas com aspectos da arte e da cultura. Dando continuidade a essas entrevistas rápidas, convidei Luciana de Fátima Marinho Evangelista para responder a algumas questões. As três perguntas a seguir se ligam ao seu percurso de historiadora e se voltam ainda à relação desse percurso com as artes.
Luciana é doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com defesa realizada em 2020. O mestrado, em História Social, foi desenvolvido na Universidade Estadual de Londrina (UEL), com finalização em 2012. Já a graduação, também em História, foi feita na Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Jacarezinho (2007). Todo seu percurso, portanto, foi realizado em excelentes universidades públicas do Brasil. Hoje em dia, é professora em outra importante universidade pública, a Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus em Assis. Desenvolve importantes pesquisas sobre ensino de história, arte e imagem, assim como acerca de memória e de patrimônio cultural. É membro do Grupo de Pesquisa Ensino de História da UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – (GPEH) e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Didática da História (LEPEDIH), laboratório ligado à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Atenta à formação dos alunos, assim como às questões que envolvem o espaço público, preocupada com questões de gênero e de preconceitos variados, Luciana realiza importante trabalho na Unesp de Assis, como educadora e pesquisadora, no interior do estado de São Paulo, no Brasil.
Poderia falar do seu percurso de pesquisadora e de professora universitária? Quais são as motivações e os desafios?
Comecei a dar aula na universidade aos 24 anos. Retornei como professora para a universidade na qual estudei, depois de um ano e meio de formada em História pela UENP. Era outro momento político e econômico do Paraná e no Brasil, e minhas professoras e professores tiveram um papel muito importante na minha trajetória. Sem o incentivo delas e deles, eu não teria tido coragem de enfrentar desafios nem fazer escolhas que me trouxeram tantas realizações.
O gosto pela pesquisa e pela docência me proporcionou encontros felizes em universidades, onde fiz mestrado (UEL) e doutorado (UFF), trabalhei como professora temporária (UENP, UEM e UEL) e agora sou professora efetiva (UNESP). Nessa experiência, enfrentei muitos desafios: prestar concursos e elaborar uma tese definitivamente não foi fácil, apesar disso, valeu muito a pena. Durante o doutorado, por exemplo, minha vida se dividia entre estudar em Niterói e trabalhar em Maringá.
Sempre que eu desembarcava no aeroporto Santos Dumont, minha mente era invadida por letras de músicas como “Este samba é só porque, Rio eu gosto de você” ou “O Rio de Janeiro continua lindo, o Rio de Janeiro continua sendo”. Na época, meu orientador, Paulo Knauss, era diretor do Museu Histórico Nacional. Por isso, muitas reuniões de orientação e seminários de pesquisa aconteceram nos bastidores do museu. Paulo é uma pessoa incrível, com uma mente brilhante, e foi fascinante ter todas aquelas trocas naquele ambiente do museu. Além disso, houve visitas a outros arquivos e museus no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Curitiba e em Jacarezinho. Bem, isso é um pouco da história da escrita da tese intitulada “Arte para ser vista e admirada: a pintura mural de Eugênio de Proença Sigaud, a partir da catedral de Jacarezinho, Paraná” e da trajetória que possibilitou a minha entrada na Universidade Estadual Paulista, como professora efetiva.
De que maneira a arte se relaciona com seu campo de atuação?
Minha atual pesquisa institucional investiga a presença da Arte Pública em Assis-SP e as possibilidades de aprender História em contextos não formais, principalmente o espaço público da cidade. No doutorado, eu estudei as pinturas murais do arquiteto-pintor, E. P. Sigaud. Comunista e ateu, ele era conhecido como o “pintor dos operários”.
A Arte é capaz de modificar o mundo?
Sim. Não penso que ela seja doutrinadora, como alguns tentam acusá-la. No entanto, acredito em seu potencial de nos afetar, provocar e criar experiências fora da linguagem, como bem defende Hans Ulrich Gumbrecht. Por esse motivo, defendo que a arte deve ser acessível a todas e todos. No meu caso, eu vejo o quanto foi importante ter vivido a adolescência ao som de Legião Urbana ou de Belchior, cujas músicas ofereciam boas ferramentas para lidarmos com os dramas da realidade. Além disso, em retrospecto, percebo a relevância da relação que construí com a obra artística de Eugênio de Proença Sigaud.
Se ele não defendesse que a arte fosse acessível e não acreditasse na arte como um fazer político, talvez não tivesse produzido as pinturas com seus personagens com corpos disformes e com as feições de moradores de Jacarezinho, cidade onde passei boa parte da minha vida. Fui atravessada por essas pinturas ainda bebê e a minha primeira referência de arte foram aquelas figuras negras de pés e mãos grandes. Hoje, penso que a inquietação causada pela peculiaridade dessas pinturas fez parte da constituição da minha sensibilidade para a existência do diferente.