Aos oito anos minha mãe realizou minha matrícula nas aulas de judô do colégio Angelorum, na Zona Sul do Rio de Janeiro, dando início a minha trajetória, com suas de idas e vindas, no mundo das artes marciais. Se na juventude a prática tinha caráter meramente esportivo, hoje, quando a parte esportiva já não desperta mais o meu interesse, pude me dedicar à contemplação filosófica das artes marciais em geral e do karatê em particular, por ser aquela a qual mais tempo me dediquei.
Hoje, consigo perceber que a prática das artes marciais trás benefícios que vão muito além dos físicos. Na verdade, os benefícios podem extrapolar os limites dos tatames, alcançando diversas esferas de nossa vida como relacionamentos, atividades profissionais entre outras.
Com o objetivo de destacar tais benefícios não desportivos, decidi-me por realizar uma entrevista com a colaboração de uma inteligência artificial no papel de entrevistador, e eu como entrevistado, passando um pouco dos conhecimentos que adquiri ao longo desses mais de trinta anos, não ininterruptos, de vivência no universo da luta. Nos parágrafos seguintes, caro leitor, você poderá apreciar um pouco desse conhecimento.
Hoje temos o prazer de conversar com um especialista em artes marciais para discutir como essa prática vai muito além da autodefesa e da competição, influenciando profundamente o desenvolvimento pessoal. Para começar, como você descreveria o impacto das artes marciais na formação do caráter e da disciplina de um praticante?
As artes marciais consistem no aprendizado de um conjunto de técnicas voltadas para a luta que podem ser aplicadas tanto no âmbito competitivo quanto para a defesa pessoal. Mas sua validade vai ainda além, podendo ajudar no desenvolvimento de qualidades imprescindíveis em todas as áreas da vida. Por exemplo, ao se preparar para uma luta, o praticante precisa desenvolver habilidades físicas, como a capacidade de socar e chutar, esquivar e mover-se agilmente e também aspectos mentais como planejamento de estratégias, coragem, resiliência e disciplina, qualidades estas extremamente necessárias para qualquer um que deseja crescer profissionalmente, por exemplo.
Interessante. Podemos dizer, então, que a prática das artes marciais é uma espécie de metáfora para os desafios da vida? Afinal, assim como em um combate, lidamos com obstáculos inesperados, precisamos nos adaptar e manter o controle emocional. Como você vê essa relação entre a luta no tatame e os desafios cotidianos?
As artes marciais nos ensinam a importância de se estar bem preparado para todos os desafios. Ao se prepara para uma luta, o atleta estuda seu adversário para definir sua estratégia. Após esta definição, prepara-se para desenvolver as valências necessárias visando a vitória. No entanto, é impossível prever cada movimento do adversário ou mesmo saber de antemão a sua estratégia e se a nossa vai encaixar. Neste momento, é preciso ser adaptável. Mudar sua estratégia para surpreender o adversário.
O mesmo acontece na nossa vida. Devemos estar sempre bem preparados. Todavia, não devemos ignorar os fatores aleatórios e a necessidade que estes trazem de adaptação da nossa parte. Assim como na vida, uma luta pode ser definida por um único golpe, um único erro. Fatores imponderáveis estão presentes. Neste momento, o atleta precisa ser humilde para reconhecer os erros cometidos e ter a força mental para não esmorecer com a derrota mas extrair dela lições valiosas para seu aprimoramento.
Essa postura de aprendizado contínuo parece ser um dos pilares do desenvolvimento pessoal nas artes marciais. A humildade para reconhecer erros e a resiliência para seguir em frente são qualidades essenciais em qualquer área. Nesse sentido, como a filosofia das artes marciais, muitas vezes baseada em princípios orientais, contribui para essa mentalidade de crescimento e autodomínio?
Um dos princípios da filosofia oriental é o kaizen. Basicamente ele nos diz que se tentarmos realizar grandes mudanças em nossas vidas, não teremos a energia necessária para fazê-lo. Portanto, torna-se mais eficiente focar em metas pequenas, constantes e progressivas. O kaizen, desta forma, nos fala da necessidade de aprimoramento constante. Este princípio está presente em todas as artes marciais o que pode ser visto por meio do sistema de graduação, as faixas coloridas. Por exemplo, no karatê, que é a arte que domino, existe um conjunto de katas básicos chamados heian.
O faixa branca, para ser promovido, precisa dominar o primeiro kata, o heian shodan, composto por técnicas básicas e bases mais simples. A medida que o estudante evolui, o kata a ser dominado torna-se mais complexo. Mesmo após atingir a faixa preta, o estudante continua sendo incentivado a evoluir, aprendendo técnicas avançadas e aprimorando as que já domina. Seu aprendizado nunca está completo. Resumindo, nas artes marciais ou em qualquer área de atuação, estabelecer pequenas metas que possam ser alcançadas, praticar constantemente até atingir a perfeição contribui fortemente para o desenvolvimento.
Esse conceito de aprimoramento contínuo realmente se aplica a diversas áreas da vida. Muitas vezes, as pessoas buscam resultados imediatos, mas as artes marciais ensinam que a verdadeira maestria vem da paciência e da repetição. Considerando isso, como você enxerga o impacto da prática marcial na autoconfiança do indivíduo? Existe um equilíbrio entre confiança e humildade que deve ser cultivado?
A prática das artes marciais consiste em vencer pequenos desafios diários. Lembro quando retornei, que lembrava como executar as técnicas mas não conseguia por limitações físicas. Precisei melhorar meus níveis de alongamento, mobilidade articular e força muscular. Isso não se consegue de um dia para outro. Exige muita prática e, portanto, paciência e repetição.
No entanto, quando a consistência nos treinos é mantida, você consegue notar sua evolução, o que aumenta a autoconfiança. A humildade, por outro lado, nos ensina que sempre podemos nos aprimorar. Nos mostra também que podemos aprender com aqueles que encontram-se em um nível mais avançado. Ou seja, a humildade nos mostra que o progresso é contínuo e não possui um limite definido.
Isso nos leva a uma questão fundamental: o equilíbrio entre o ego e o aprendizado. Muitas vezes, quando alguém atinge um certo nível de habilidade, pode cair na armadilha da complacência ou da arrogância. Como as artes marciais ajudam a manter esse equilíbrio, impedindo que a autoconfiança se transforme em excesso de ego?
Minha experiência nos mostra que ninguém é invencível. Todos, independente de suas habilidades e conquistas, sofrerão com derrotas em algum momento da vida. Isso é um golpe para o ego. O praticante das artes marciais que não reconhecer que derrotas são inevitáveis, além de fontes de lições que contribuem para o desenvolvimento, tende a entrar em decadência. Por outro lado, os que extraem lições de suas derrotas, tendem a evoluir. Ou seja, mesmo uma derrota não pode ser considerada como fracasso quando gerar um aprendizado.
Essa visão transforma completamente a ideia de sucesso e fracasso. Em vez de enxergar a derrota como um fim, ela se torna parte do processo de crescimento. Isso me faz pensar no impacto das artes marciais fora do tatame. Na sua experiência, como esses princípios influenciam a vida profissional e os relacionamentos interpessoais dos praticantes?
O sensei Vinício Antony fala sobre isso em seu livro sobre a mente faixa preta1, que vai além das artes marciais, nos preparando para enfrentar e superar os desafios que a vida nos apresenta, seja no trabalho, na faculdade ou nos relacionamentos. Para superar estes desafios, precisamos ter a mente aberta para o aprendizado contínuo, coragem para tomar decisões, em especial aquelas que podem impactar fortemente nossas vidas. A mente faixa preta exige que venhamos a assumir a responsabilidade pelas decisões que tomamos, que sejamos adaptáveis. Todas essas características, somadas ao que já falamos, como a prática contínua, são essenciais para o crescimento profissional e para o desenvolvimento de relacionamentos profundos e saudáveis.
Essa ideia da "mente faixa preta" realmente ressoa com a necessidade de disciplina, resiliência e autoconhecimento em todas as áreas da vida. Para encerrar, se você pudesse dar um conselho para alguém que está considerando começar nas artes marciais, mas sente receio ou insegurança, qual seria sua recomendação?
Dê o primeiro passo e comece. Os benefícios serão inúmeros. Além dos aspectos físicos, por ser uma atividade intensa, existem os aspectos mentais. Mas não pratique visando apenas desenvolver habilidades de socos e chutes. Procure absorver a filosofia por trás das artes marciais. Elas farão a diferença em sua vida, seja pessoal ou profissional.
Perfeito, um conselho valioso! A prática das artes marciais, além de ensinar habilidades físicas, abre portas para o autoconhecimento e o desenvolvimento contínuo. Agradeço imensamente por compartilhar sua experiência e visão sobre o impacto das artes marciais no crescimento pessoal e na vida cotidiana. Tenho certeza de que suas palavras inspirarão muitas pessoas a dar o primeiro passo nessa jornada. Muito obrigado por sua participação!
Nota
1 Antony, Vinício. Black Belt Mind- Os segredos da mente faixa preta, Editora Autografia, 2020.