Ter segredos faz parte da vida. Nossa infância, repleta de pequenas travessuras que seriam repreendidas veementemente pelos pais ao serem descobertas, é apenas o início de uma existência cheia de coisas inconfessáveis. Já adultos e completamente torturados pelos ditames sociais, sufocamos ainda mais nossos desejos secretos e pequenos (ou grandes) delitos.

Ser um livro completamente aberto é uma utopia. Todo mundo tem algo que guarda para si, algo que nunca foi compartilhado nem mesmo com as pessoas mais próximas, padres, pastores e terapeutas. Pequenos delitos, desejos reprimidos, culpas inconfessáveis. Há segredos que nos pesam como correntes invisíveis… Mas, e se houvesse um lugar onde pudéssemos nos livrar desse fardo anonimamente?

Foi essa a proposta da artista taiwanesa-americana Candy Chang com o projeto Confessions, uma instalação interativa que ofereceu ao público a possibilidade de compartilhar seus segredos sem julgamento. Inspirada pelas paredes de oração dos santuários xintoístas e pela prática católica do confessionário, a artista criou um espaço onde pessoas de diferentes origens e vivências pudessem expurgar seus segredos mais íntimos.

Candy Chang é uma artista cujo trabalho explora a interseção entre o cívico e o sagrado por meio de instalações, vídeos e pinturas baseadas em confissões manuscritas do público. Com formação em arquitetura, design e planejamento urbano, iniciou sua trajetória no street art antes de direcionar sua arte para questões psicológicas, coletando testemunhos sobre desejo, medo e esperança. Filha de imigrantes taiwaneses, Chang se inspira na caligrafia chinesa para ressignificar reflexões coletadas ao longo de suas intervenções. Ela é TED Senior Fellow, World Economic Forum Young Global Leader e recebeu prêmios de instituições como National Endowment for the Arts e Rockefeller Foundation. Atualmente, vive às margens do rio Scioto, em Ohio.

A primeira edição de Confessions aconteceu entre julho e agosto de 2012 no hotel The Cosmopolitan, em Las Vegas. O local não foi escolhido ao acaso: a cidade que carrega o famoso lema "O que acontece em Vegas, fica em Vegas" parecia o cenário perfeito para um experimento artístico sobre segredos e anonimato.

A instalação contava com cabines de confissão privadas, onde os visitantes eram convidados a escrever seus segredos em placas de madeira. Depois de preenchidas, as confissões eram anexadas às paredes da galeria, criando um santuário coletivo de vulnerabilidade humana. Algumas das confissões mais impactantes foram expostas em telas maiores, permitindo que todos pudessem lê-las e, talvez, se reconhecer nelas.

As mensagens iam do trivial ao profundamente íntimo:

  • “Eu vendi heroína para meu amigo e ele arruinou sua vida.”

  • “Amo gatos e odeio minha irmã.”

  • “Eu roubei mais de 15 mil dólares da empresa em que trabalho.”

  • “Tenho medo de morrer jovem como minha mãe.”

  • “Eu sou apaixonada pelo meu melhor amigo.”

  • “Detesto todos os meus amigos que estão tendo filhos e se tornando pessoas tediosas.”

  • “Eu gosto mais de pornografia do que o meu marido”.

A força do trabalho de Chang está em sua habilidade de transformar espaços públicos em ambientes de introspecção e conexão. Seus projetos artísticos sempre envolvem a participação ativa do público, trazendo à tona questões de identidade, mortalidade e pertencimento.

Ao longo da exposição, mais de 1.500 confissões foram coletadas, tornando-se uma experiência catártica tanto para aqueles que escreviam quanto para os que liam. O projeto não se limitou a Vegas e, nos anos seguintes, expandiu-se para cidades como Londres, Atenas, Minsk e San Diego, reunindo mais de 20.000 confissões ao redor do mundo.

Antes de Confessions, Chang já havia chamado atenção internacionalmente com Before I Die, um mural interativo onde as pessoas podiam compartilhar seus desejos e aspirações antes de morrer. Before I Die foi replicado em mais de 5.000 cidades em 75 países, e suas obras já foram exibidas na Bienal de Arquitetura de Veneza, no Smithsonian American Art Museum e no SFMOMA.

Com Confessions, a artista levou essa proposta um passo adiante. Ao proporcionar um espaço seguro para que as pessoas compartilhassem seus segredos mais profundos, ela criou um ambiente de empatia e identificação. O projeto revelava que, apesar das diferenças de cultura, idade ou experiência, todos carregamos fardos semelhantes – e há algo profundamente libertador em perceber que não estamos sozinhos.

Atualmente, o projeto não está mais em exibição permanente. Ele teve sua última grande edição em meados dos anos 2020, mas segue sendo lembrado como um dos trabalhos mais impactantes de Candy Chang. Embora não esteja mais disponível para novas confissões, sua essência continua viva em discussões sobre arte, anonimato e expressão pessoal.

A artista segue desenvolvendo novos projetos de arte interativa, explorando temas como memória, pertencimento e saúde mental. Seus trabalhos continuam a transformar espaços públicos em plataformas para reflexão e conexão humana, mantendo viva a ideia de que a arte pode ser uma ponte entre o íntimo e o coletivo.

A proposta da artista nos leva a uma reflexão inevitável: o que aconteceria se tivéssemos um espaço seguro para confessar nossos segredos mais profundos? Afinal, tem quem não considere se abrir mesmo para um terapeuta como citado no início. Então, será que nos sentiríamos mais leves se pudéssemos fazer isso anonimamente como o projeto da artista propõe? Menos sozinhos? Ou isso seria apenas uma alternativa covarde de não enfrentarmos nossas próprias questões obscuras? A verdade é que todos carregamos verdades inconfessáveis – algumas que gostaríamos de libertar, outras que preferimos manter enterradas.

E você? Se pudesse confessar algo anonimamente, o que escreveria?

Referências

Global participatory public art project Before I die.
Site da artista Candy Chang.
Candy Chang explores Vegas revellers' confessions in thought-provoking showh.
Public art project Confessions.
Intimate display of anonymous secrets.
Exposing Thousands of Anonymous Confessions.
Conheça Candy Chang, arquiteta que criou o painel "Antes de morrer, eu quero...".
“I am passionate about the relationship between public space and mental health.”.
Candy Chang ’95.
How Candy Chang's Public Art Projects Are Changing Communities Everywhere.