Ötzi, com 5.200 anos de idade, cujo corpo congelado foi descoberto em 1991 nos Alpes tiroleses carregava consigo bagas de abrunheiro-bravo (Prunus spinosa). Por volta desta altura (± 3.000 a.C.), que corresponde à fase terminal do Neolítico, já há muito que as plantas espontâneas comestíveis (daqui em diante denominadas por PEC’s) eram uma opção regular na dieta do Homem. Permaneceram assim durante séculos, especialmente nos períodos de maior escassez de alimentos. A pouco-e-pouco, acabariam por cair em desuso. Hoje, nas sociedades atuais, a divulgação das PEC’s como recurso natural sustentável surge como o resultado da revalorização dos saberes tradicionais locais.

Revalorização das plantas espontâneas comestíveis

Na exígua sacola, só a ancestral cultura acompanha o forasteiro, ajudando-o a adaptar-se a outra realidade. Confeciona novos alimentos, tempera-os de carências e práticas vividas, adiciona-lhes outros condimentos e cria valores que permanecem.

(Cid Simões, Valores da Nossa Terra – Valores & Paladares, 1998)

Em Portugal, tal como na restante Europa, as PEC’s foram até há bem pouco tempo consumidas durante épocas de escassez ou de crise, especialmente em comunidades rurais pobres. Em tais períodos (cite-se, como exemplo, a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial), as PEC’s eram consumidas para enganar a fome.

O seu conhecimento era vital para as comunidades — era, de facto, importante saber-se que os caules e as folhas dos saramagos (Raphanus raphanistrum) eram comestíveis, e, que outras ervas representavam sustento. De notar que José de Sousa Saramago (1922−2010), Nobel de Literatura do ano de 1998, deve o seu apelido à alcunha da família do seu pai, conhecida por "os Saramagos".

Saramago é uma planta silvestre com uma flor de quatro pétalas, branca ou amarela. Quando fui registado, o empregado do registo civil acrescentou a alcunha ao meu nome, e eu tornei-me o verdadeiro Saramago da família.

(José de Sousa Saramago)

O doce, por ser de difícil acesso durante os períodos famintos, era obtido a partir dos órgãos de algumas PEC’s, hábito especialmente bem conhecido entre os mais novos. Era comum mascar-se a raiz de escorcioneira (Scorzonera hispanica) como se de uma pastilha elástica se tratasse. De modo similar, os miúdos sorviam o néctar de várias plantas como soagem (Echium vulgare), azedas (Oxalis pes-caprae) ou pútegas (Cytinus hypocistis).

Ainda que as PEC’s estejam associadas de forma negativa a períodos de escassez de alimentos, têm sido objeto de crescente interesse das populações rurais. Os detentores do conhecimento culinário relativo às cozinhas regionais, na sua maioria locais anónimos, em conjunto com autarquias empenhadas em salvaguardar o património gastronómico regional, têm desempenhado um papel fundamental na recuperação e valorização dos seus usos e saberes. Eventos como a "Feira das Ervas Alimentares de Orada" em Borba, ou as "As Ervas da Baronia" no Alvito, vêm promovendo a cozinha regional alentejana feita à base de PEC’s. Nestes eventos exploram-se receitas à base de espargos (Asparagus sp.), carrasquinhas (Scolymus hispanicus), catacuzes (Rumex bucephalophorus subsp. hispanicus), entre outras.

Novos desígnios para as plantas espontâneas comestíveis

Nos dimos cuenta de que lo más cercano se pude convertir en lo más exótico y misterioso simplesmente por desconocimiento, porque a pesar de que estamos rodeados de um entorno, en realidade nunca hemos vivido en auténtico contacto con él.

(Andoni Luis Aduriz, Mugaritz: La Cocina como Ciencia Natural, 2012)

No domínio da alta-cozinha contemporânea têm surgido nos últimos anos conceitos relacionados com Natureza, biodiversidade e sustentabilidade. Regra geral, alude-se à terra, às origens e aos recursos.

Michel Bras foi o precursor do naturalismo culinário. Seguiu-se Marc Veyrat com a sua "cuisine sauvage". Veyrat colaborou algumas vezes com François Couplan, um reputado etnobotânico francês. Juntos viriam a escrever os livros Herbier Gourmand e Dégustez les Plantes Sauvages

Nos anos seguintes assistir-se-ia a um movimento naturalista que reunia uma série de jovens chefes promissores. Talvez os que mais se evidenciaram foram René Redzepi, ex-chefe do restaurante Noma (Copenhaga, Dinamarca), e Andoni Luis Aduriz, chefe e proprietário do restaurante Mugaritz (Guipuzcoa, Espanha). Tanto um como outro estão presentes no top 10 dos 50 melhores restaurantes do mundo há já vários anos.

Analisando com atenção os menus dos dois restaurantes (Noma e Mugaritz) depressa se conclui que as PEC´s são um recurso constante nos mesmos. Os dois chefes exploram-nas e atribuem-lhes novos desígnios. A isso, somam-se conceitos relacionados com a noção de vegetal, fragilidade, perfume, emoção, entre outros. Por ocasião de um trabalho do autor intitulado A naturalist cuisine: new designs for edible wild plants, no VI Congreso International de Etnobotánica, ICEB 2014, listaram-se todas as espécies autóctones usadas nos restaurantes Noma e Mugaritz, somando quarenta espécies pertencentes a vinte famílias de plantas. As mais representativas dizem respeito à família Asteraceae e Brassicaceae (cinco espécies cada), Apiaceae (com quatro espécies), Amaryllidaceae e Lamiaceae (com três espécies).

No restaurante Mugaritz foram listadas vinte e duas espécies e no restaurante Noma vinte e três, sendo que apenas seis são usadas em ambos os restaurantes: milefólio (Achillea millefolium), alho-dos-ursos (Allium ursinum), alho-das-vinhas (Allium vineale), N/D (Oxalis acetosella), morugem (Stellaria media) e trevo-comum (Trifolium pratense).

A lista mostra que apenas nove espécies possuem usos etnobotânicos em Portugal Continental, o que é pouco, tendo em consideração o número total de PEC’s litadas, que foram quarenta no total. A partir daqui que se pode concluir? Que não soubemos tirar o devido proveito? Não, de todo, apenas que agora elas se vêm confinadas a outros usos. Para tal, tem contribuído o trabalho de alguns chefes de cozinha que as têm sabido valorizar, empregando-as em novos usos. Cite-se a título de exemplo um prato de Andoni Luis Aduriz: "Rodaballo salvaje bajo una salazón de talos de borraja y concentado de sus espinas", em que os caules de borragem (Borago officinalis) são submetidos a uma salmoura através do processo de impregnação a vácuo, ao qual se junta rodovalho (Scophthalmus rhombus), pickles de borragem e fumet (caldo de peixe).

Com este exemplo, podemos dizer que as PEC’s são parte integrante dos produtos destinados a enriquecer e harmonizar novos pratos, dando mostras de que é possível atribuir-lhe novos sentidos, fazendo destas um recurso importante para a elaboração de novas criações culinárias. Ninguém iria adivinhar que tal pudesse acontecer, mas, uma coisa é certa: o Mundo é o local perfeito para que tudo possa acontecer.