Um dia desses, caminhando pelas vibrantes ruas do Porto, me deparei com uma placa que dizia o seguinte: Feijoada brasileira, venha provar a melhor. Aquilo me fez quase cair de joelhos só de lembrar das minhas origens… Que saudades da comidinha lá de casa!
Depois de algumas horas perambulando pelo centro, a minha barriga mais parecia um maracatu, tamanho era o barulho emitido quando a fome chegou e com ela a melhor hora do dia; o almoço. Como não poderia deixar de ser, logo após ser recepcionado pelo empregado de mesa, e sem nem mesmo olhar a ementa, já fui logo declamando, “feijoada, por favor”. E em poucos minutos lá vinha ela num suntuoso desfile pelo salão, para enfim, pousar na minha mesa, para o meu prazer e ostentação.
O problema é que a famosa churrascaria nem sequer servia o divino prato como manda a regra; com os seus triviais acompanhamentos, todavia, aquilo não era nem de longe o que o cartaz anunciava. Foi triste, um caldo ralo e frio, com três rodelas de linguiça e uma cachaça de quinta categoria, perdi a fome. Porém, diante daquele ultraje, passei a me perguntar… Como isso é possível?
Mas voltando um pouco no tempo, vamos ver como esse prato surgiu, ganhou o mundo e acabou nas mãos de alguns pseudo-chefes.
Tudo começa lá na região do Alto Douro e Trás-os-Montes, local onde parece ter surgido uma iguaria tão ímpar como dantes nunca visto, e que se tornaria tão popular e chique, que poucos acreditariam.
A Feijoada, isso mesmo, esse prato que tem origem européia e, que fincou suas raízes na terra Brazillis para de lá conquistar paladares mundo afora, é a nossa estrela dessa matéria. Desde a tradicional transmontana, com seus feijões encarnados, couve e cenoura, carne de porco para os menos favorecidos e vitela para os mais abastados; até a duvidosa mistura com frutos do mar, a feijoada parece estar presente em várias regiões e nas mais variadas versões, como no bom Cassoulet, por exemplo.
Geralmente confecionada de um dia para o outro, esse prato tão forte carrega em sua história diversos mitos, como o mais famoso deles e que ainda persiste no Brasil, aquele que diz que essa comida teve origem nas senzalas onde a Feijoada era feita com as sobras que os senhores de engenho atiravam ao lixo; pura falácia. Essa narrativa talvez tenha se perpetuado por muito tempo, pela falta de curiosidade de alguns e pela insistência da classe dominante em mostrar os negros sempre como comedores de resto, algo que não condiz, pois por mais que fossem maltratados, os senhores de escravos precisavam deles fortes para o trabalho braçal e para reprodução. O que hoje é sabido, é que tal alimento com tanta fartura e consistência, jamais seria consumido pela classe escravizada.
Sua verdadeira origem (a versão brasileira) reside nos cardápios variados dos frequentadores da corte, na cidade do Rio De Janeiro, onde logo chegou aos bares e restaurantes, sendo anunciada como Feijoada à Brasileira, em alusão ao prato já consumido na europa. Reza a lenda que ela é tão forte que pode até levantar defunto, se bem servida então; com farofa, torresmo, couve, ou simplesmente com arroz branco, como nas suas origens, hummm. Mas o que não pode faltar mesmo é uma boa cachaça para abrir os caminhos, antes de pisar no sagrado terreiro.
O que acontece com a feijoada, não é algo isolado, é cada vez mais comum, principalmente nas grandes cidades onde as pessoas não tem tempo para quase nada (e quando o tem desperdiçam no trânsito), a proliferação do tipo de estabelecimento como o mencionado no início do artigo. Coisas das mais bizarras as mais inusitadas; desde sushi de fruta ou frito, a guacamole em conserva, é possível encontrar quase de tudo, e uma vez que estamos cada vez mais distraídos com o fatídico advento das redes sociais, é muito fácil comermos qualquer coisa sem perceber coisas como, textura, sabor, aroma e afins; afinal o que vale mesmo é tirar as fotos dos pratos e esperar pelos “gostei”.
Foi-se o tempo em que comer bem era de fato algo, como ir a uma boa tasca e provar um verdadeiro vinho da casa, ou numa padaria, comer um belo pão de cereais e não um pão branco feito com uma mistura já pré-pronta (apenas adcione água), é cada vez mais dífícil encontrar algo de verdade, agora tudo se resume a lugares de pura ostentação, onde trabalham chefes malucos que se acham deuses e fazem comida de mentira.
Certa vez, estava eu a ver tv, o que é algo raro e, me deparo com uma propaganda que dizia mais ou menos assim: “Venha provar a primeira pizza feita por inteligência artificial”, pasmem! Acho que vou instalar a app e pedir uma pizza sabor micro chip taiwanês. Comer bem é algo simples, não precisa de firulas nem frescuras, só precisa ser original e simples, é certo que nos grandes centros pode ser algo um tanto mais salgado, mas não pode fugir do trivial, aquilo que é fundamental. É preciso voltar as origens, onde tudo era apetitoso e saboroso; o fato é que lendas a parte, a verdadeira comida tem um pouco de tudo e de todos; um povo forte, que insiste persiste e nunca desiste.
E por falar em origens, existe algo melhor do que uma boa comida caseira? Aquela que quando comida nos faz ver um filme em nossa cabeça, nos remetendo a lembranças tão remotas que nem sabemos se são nossas mesmo, pouco importa onde você coma, se Olinda ou em Dubai, o que importa é que seja comida de verdade, seja numa cobertura ou num mercado público desde que seja comida e comida é vida, apenas sinta-se bem alimentado; nada de plástico, falsos sabores ou malucos estrelados. Para terminar, na próxima vez que você for a um restaurante, tascar, bar ou coisa assim, desligue o telefone ou use o modo silencioso, olhe a sua volta e respire fundo, concentre-se no momento e se estiver acompanhado viva a experiência junto com essa pessoa, guarde o gostei para esse momento juntos, permita-se e quem sabe assim você nunca mais será vítima de uma propaganda enganosa que anuncia um caldo preto ralo vendido como a oitava maravilha.
Pra mim pouco importa se ela for Portuguesa ou Brasileira, eu quero é uma verdadeira Feijoada. Bom apetite!