Sempre que penso, leio e investigo sobre os doces brasileiros mais tradicionais, me deparo com histórias, mitos e lendas das mais diversas. Desde a chegada dos portugueses, que foi de extrema importância para o desenvolvimento do Brasil doceiro, já que, antes de sua chegada, não existiam adoçantes produzidos pelo homem, como o açúcar. Tudo que era consumido de doce era produzido pela natureza, como o mel e as frutas, por exemplo. Já na Europa, existia a grande febre do açúcar, um pó doce que tinha o poder de transformar produções amargas e mudar o nosso paladar por completo.
Além disso, é importante imaginar que as sociedades europeias tinham como objetivo o desenvolvimento de práticas que mostrassem aos outros como tinham dinheiro e status. Havia também um cronograma rígido de refeição, com diversos pratos e sempre uma sobremesa para fechar e fortalecer a importância da alimentação.
Em países produtores de açúcar, onde era comum que algum descendente europeu fosse dono de algum engenho (local onde se produzia o açúcar), a forma de mostrar o forte poder dos senhores donos dos engenhos era, além de produzir o açúcar, consumir muito açúcar. Existem vários livros de receitas antigos que têm açúcar em abundância, e não apenas nos pratos doces, mas também em pratos salgados.
Após o início da produção de açúcar no Brasil e a adição dos pratos doces na cultura brasileira, foram desenvolvidas, a partir das características portuguesas, sobremesas e doces clássicos do Brasil. Como os doces são inseridos na nossa cultura? A partir do momento em que temos mudanças na cultura do Brasil, como nos horários de refeição, temos também o acréscimo das diferentes refeições, como entrada, prato principal e sobremesa, por exemplo. Mas, como no Brasil não existiam os doces, os portugueses entregavam seus livros de receita para as mucamas, nome dado às mulheres escravizadas que chegaram ao Brasil e trabalhavam dentro das casas dos senhores de engenho, cozinhando, limpando e cuidando dos filhos desses senhores. A partir das receitas de famílias portuguesas, elas criavam receitas considerando o uso do açúcar e também os produtos encontrados no Brasil colônia.
A partir do momento em que essas mulheres mudam os receituários para se adequar ao Brasil, temos o surgimento de receitas e pratos doces que são tradição dentro da nossa cultura, como o quindim, doce produzido com gemas, coco e açúcar. Em Portugal, ele tem o nome de Brisa do Lis e leva ingredientes quase iguais; a única mudança é o uso das amêndoas, que, de acordo com livros e estudos de antropólogos e historiadores, era um ingrediente inexistente no Brasil e, por isso, foi substituído pelo coco, que, apesar de não ser um ingrediente brasileiro, foi plantado e se tornou parte da nossa cultura alimentar.
Além disso, também temos as diversas produções que vieram com os povos escravizados, que não trouxeram apenas seu aprendizado simples, mas também foram aos poucos introduzindo, dentro do nosso paladar e da nossa cultura, os doces que eles achavam importantes. É o caso da cocada, que é um doce existente tanto no Brasil quanto em alguns países do continente africano.
Outro componente importante da nossa doce história é o "leite moça", como chamamos o leite condensado, e esse nome foi até mesmo patenteado pela Nestlé de tão famoso que foi ficando. É com esse produto que fazemos diversas das nossas produções mais tradicionais, como pudim, brigadeiro e beijinho, até mesmo o doce de leite, que produzimos cozinhando o leite condensado na panela de pressão.
Todas essas características formam o que conhecemos hoje como a doçaria brasileira, que é uma parte importante da mesa de todo brasileiro, principalmente daqueles que gostam e querem receber bem, pois, depois de um bom almoço ou jantar, sempre vai bem um docinho.