Um dos momentos mais marcantes da minha vida e da minha conexão com a arte aconteceu há alguns anos, durante uma viagem à Itália. Lá, eu tive a oportunidade de contemplar, ao vivo, obras que por tanto tempo admirei e estudei apenas em páginas de livros. As emoções que senti tornaram-se verdadeiros tesouros da minha memória, pois reconheço a preciosidade de viver algo tão transformador.

Diante das obras de Michelangelo, Leonardo Da Vinci, Caravaggio, Boticcelli, Rafael e tantos outros, mergulhei em um universo bem particular. Enquanto o fluxo de turistas seguia seu ritmo frenético em busca de uma selfie, meus pensamentos se voltavam para dentro de mim, em um momento valioso de introspecção. O contraste entre o caos externo e a quietude interna tornou a experiência ainda mais poderosa! É surpreendente como, mesmo rodeada por tantas pessoas completamente diferentes de mim, pude me sentir tão conectada com minha história e comigo mesma.

Não saberia dizer qual obra de arte mais me impactou na Itália (ou se foi a própria Itália). Perdi o fôlego diante da escultura de David de Michelangelo, em uma sensação quase indescritível de reverência e admiração. Antes mesmo de me aproximar, já sentia uma certa grandiosidade no ar, como se a presença dessa obra transcendesse o espaço físico do museu. Quando, enfim, fiquei frente a frente com David, fui tomada por uma mistura de emoções que ia do assombro com tamanha beleza e perfeição até uma profunda introspecção que revelava a minha fragilidade e força.

Fiquei hipnotizada pelo mármore que parecia ganhar vida em cada detalhe. Era como se, ao observar David, eu não estivesse apenas diante de uma obra de arte, mas de um espelho que refletia algo sobre a condição humana e sobre mim mesma. O corpo de David, perfeitamente esculpido, revelava não apenas uma idealização da beleza humana, mas algo muito mais profundo: uma tensão entre força e vulnerabilidade. A escultura parecia viva, condensando em um único bloco de pedra toda a complexidade da humanidade A perfeição da obra me fez refletir sobre o que significa ser Humano, sobre as batalhas que travamos em nosso interior e sobre como a beleza pode, às vezes, carregar o peso de algo muito maior do que apenas a estética.

Percorrer as ruas de Florença, onde Leonardo Da Vinci caminhou, transportou-me para outras dimensões. Ver suas criações de perto, em um lugar tão carregado de história e beleza, despertou em mim uma espécie de reverência emotiva, como se estivesse em contato com o coração da genialidade humana.

Minha admiração por Leonardo vai muito além de sua obra, portanto, compartilhar o mesmo cenário e estar diante de suas criações foi como presenciar algo que extrapola o conceito da arte, da estética e da técnica. Vivenciei uma conversa silenciosa entre o artista, a obra e a minha alma que o observava. Fui tomada por um sentimento ainda mais profundo de admiração, como se estivesse diante daquela mente excepcional que compreendia, ao mesmo tempo, a ciência, a natureza e os mistérios da condição humana. A emoção de ver suas obras de perto foi de uma intensidade rara, como se, por um breve momento, eu tivesse tocado o inefável e revisitado os meus sonhos “impossíveis”.

Percorrendo as galerias do Museu Uffizi, em Florença, fiquei paralisada diante das obras Batismo de Cristo e Anunciação. Quantas vezes as admirei em livros e, agora, estavam ali, diante de mim. Ao observar os traços suaves, os olhares enigmáticos e as nuances sutis de luz e sombra, fui tomada por uma sensação de respeito e encantamento, como se estivesse penetrando um universo de significados ocultos. Leonardo é um mistério da natureza humana! Não surpreende que seu mestre, Andrea Del Verrocchio, tenha decidido abandonar a pintura após observar o anjo de Leonardo, no Batismo de Cristo.

Eu aguardava com ansiedade o momento de me reencontrar com uma obra de Caravaggio, como quem revê um velho amigo. Em 2012, em uma exposição da Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, fui fisgada pelo poder de suas pinceladas. A intenção de Caravaggio era pintar a verdade, não a beleza e, talvez por isso mesmo, suas obras carreguem uma beleza genuína que me provoca uma fascinante inquietação. Sua biografia conturbada e seu espírito contestador na vida e na arte o levaram a desafiar tanto as normas de comportamento sociais quanto os padrões artísticos acadêmicos de sua época. Diante de Caravaggio, fui levada a reflexões profundas sobre a sociedade e minha postura diante dela.

Quase acreditei que me transformaria em pedra diante da Medusa de Caravaggio. A intensidade da imagem é avassaladora, o momento congelado da cabeça decepada de Medusa, com os olhos arregalados de terror e a boca aberta em um grito silencioso, parece transbordar do escudo para a realidade. Cada serpente retorcida em sua cabeça parecia viva, prestes a escapar do quadro. Senti uma mistura de repulsa e atração por aquela beleza sinistra, que me fez refletir sobre a dualidade do medo e do fascínio pelo desconhecido.

Já A Inspiração de São Mateus me trouxe uma emoção completamente diferente. A serenidade e o mistério presentes no quadro me envolveram de forma quase espiritual. São Mateus, com sua expressão atenta, parece receber diretamente a sabedoria divina enquanto o anjo delicadamente guia sua mão, quase como se sussurrasse segredos do céu. Caravaggio capturou não apenas um momento de inspiração, mas a própria essência da comunicação divina. O contraste entre a escuridão do fundo e a luz suave que ilumina o santo e o anjo cria uma atmosfera de intimidade, como se eu fosse uma observadora daquele momento sagrado. Experimentei uma quietude interior, uma sensação de paz e transcendência. Quando entrei na Igreja San Luigi dei Francesi, em Roma, sabia que lá havia telas de Caravaggio e que certamente me emocionariam, mas não imaginava que, através delas, encontraria aquela conexão espiritual tão profunda.

A viagem à Itália, em um momento pessoal de grandes mudanças, provocou um impacto visceral e transformador em mim. Aquele cenário me transportou a momentos bons e ruins da minha trajetória pessoal, responsáveis por quem sou hoje. As experiências vividas me fizeram valorizar cada esforço que me permitiu o privilégio de estar ali. Estar frente a frente com manifestações artísticas tão sublimes me fez compreender a potência de cada leitura e estudo que me possibilitaram desfrutar, com maior profundidade, o que vivenciei.

Minha jornada pela arte europeia ultrapassou o simples ato de observar pinturas e esculturas. Foi uma imersão profunda na história, na cultura e na alma humana. Cada cidade, cada museu, cada obra despertou algo diferente em mim, pois a arte tem o poder de transformar nosso olhar e, ao mesmo tempo, transformar quem somos. É uma experiência que não apenas enriquece o intelecto, mas também toca o coração, suscitando emoções que não sabíamos que existiam.

A grandiosidade e a beleza atemporal das obras nos fazem refletir sobre a condição humana, sobre o que é criar, viver, amar, sofrer, sonhar. O encontro com a arte não é meramente visual; é um diálogo entre o observador e o que é observado. A cada pincelada, a cada jogo de luz e sombra, algo de nós mesmos é revelado, algo que não percebíamos antes. Meus encontros com a arte foram como espelhos, refletindo partes de mim mesma que estavam escondidas ou adormecidas. Ao ver de perto a genialidade dos grandes mestres, tornei-me mais sensível à beleza ao meu redor, mais atenta às emoções que a arte desperta, mais consciente da passagem do tempo e da minha própria história. O que antes era apenas belo, agora se transformou em uma fonte de reflexão e inspiração para meus projetos de vida, uma maneira de me conectar com algo maior. As cores, formas e emoções evocadas pela arte europeia permanecem dentro de mim, como ecos de uma experiência inesquecível que continua a me moldar dia após dia.