Christophe Chabouté, quadrinista francês bastante reconhecido, no livro Museu, concatena várias histórias que se desenvolvem no espaço do Museu d'Orsay, em Paris. Parece simples o que se conta: à noite, os objetos de arte ganham vida, saem do lugar, conversam entre si e observam. No entanto, ao fazer isso, o quadrinista consegue captar, a partir do olhar do outro, traços importantes do ser humano, já que a visão afastada de seres feitos de pedras ou de tinta, tentando entender os visitantes do museu ou as pessoas que passam nas ruas próximas, acabam revelando o humano a nós mesmos.

A tentativa de entendimento das pessoas pode se dar, por exemplo, ironicamente e com humor, por meio das reflexões sérias de Héracles sobre o funcionamento do banheiro do museu, inspecionado noite após noite, sem que a estátua inorgânica, tão distante do ser humano que representa, possa entender o seu funcionamento ou a sua função.

Ao lado disso, a reflexão sobre o outro se adensa, quando, por meio de um ponto de vista invertido, os quadrinhos passam a mostrar não apenas as obras de arte, mas os olhares dos frequentadores do museu, espantados algumas vezes, tristes em outra, ao reconhecerem, na arte, o que falta a eles, o que se perdeu ou o que se deseja.

Percorrem o livro, por exemplo, vários momentos em que, por meio do ponto de vista invertido, vê-se o rosto de visitantes que se deparam com uma obra de arte específica, não revelada até o final. O livro mostra olhares de surpresa, de espanto, de repúdio, de vergonha, de timidez, de desejo e de irritação. Descobrimos, ao final, que olhavam a obra A origem do mundo, de Gustave Courbet.

Aprende-se muito sobre o ser humano também em outra sequência do livro. Nela, aparece o enamoramento entre a figura feminina de um quadro e um homem que passeia com um cão, todos os dias, nas ruas próximas ao museu. É um “doce idílio”, como explica uma das estátuas, idílio vivido pela mulher do quadro, posta perto da janela, pelos colegas, à noite, para que possa esperar pelo amado. O quadro em que aparece a mulher é Berthe Morisot au bouquet de violettes (1872), de Edouard Manet.

Conforme o tempo passa, os quadrinhos, sem palavras, entrecortados por outras cenas e histórias, mostram, pouco a pouco, o espanto da mulher, frente à constatação do adoecimento do cão de seu amado, até o seu desaparecimento. Logo depois, acompanha a tristeza do homem, a passear sozinho, cabisbaixo.

A solidão é destacada por quadros vazios, preenchidos apenas por uma silhueta esguia e pequena, vista desde a janela. Percebe-se, no olhar da figura feminina, o amor não dito, mas também a empatia que comove, como se fosse o homem, não ela, a obra de arte.

No entanto, mais a frente, quando o museu é mostrado durante o dia, preenchido por visitantes, o homem solitário aparece, pela primeira vez, no interior do Orsay. Ele se faz presente, aos poucos, nos desenhos dispostos quadro a quadro, até tomar a cena, num espanto, frente ao quadro de Berthe Morisot.

Os dois se encontram, afinal. O olhar do homem se modifica, como se percebesse, na obra, algo que lhe dissesse respeito. Nesse momento, Chabouté fala do enamoramento impossível entre seres de mundos separados, mas também fala de arte, já que está no olhar do homem a percepção, no quadro, de algo que faz parte do indizível, aquilo que, apesar de exposto como objeto, relaciona-se intimamente a ele mesmo. No final da história, aparece o homem, na loja do museu, num ato que parece ser muito prosaico, a comprar uma cópia do quadro de Berthe Morisot.

Wilhelm Worringer, no livro Abstração e empatia, mostra como, ao nos depararmos com a obra de arte, vemos a nós mesmos, objetificados, num encontro do ser consigo mesmo, a partir do objeto artístico. Talvez esse movimento que, de certa forma, se assemelha ao encontro amoroso, seja uma das revelações mais bonitas da história em quadrinhos de Chabouté.

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A ideia de escrever o texto acima nasceu a partir de uma tarde ao lado dos meus filhos, Matheus e Arthur, minha nora Beatriz, alguns amigos e meu netinho Henrique, num dos encontros do Clube do livro que Matheus, Bia e seus amigos mantêm, em Ribeirão Preto, no Brasil.

Todos falaram muito bem de diferentes HQs. Beatriz falou do livro Museu, inspirando-me a escrever sobre ele, depois de ter lido suas páginas, com indicação feita por Matheus. Só não falou Henrique, claro, ainda um bebê, no meu colo, mas atento a tudo. A todos agradeço.

Em outros encontros do Clube do livro, o pequeno Henrique também estava presente, levando seu pequeno livro de histórias. Com o tempo, aprendeu a se divertir muito, ao escutar a leitura de livros infantis. Hoje, quando começa a andar, mostra-se ainda muito interessado na biblioteca de seus pais, curioso para entender o que se esconde atrás de tantas cores.