O livro “As Velas Ardem Até ao Fim” é um tratado sobre a amizade, uma profunda reflexão sobre a condição humana. O romance foi publicado em 1942 e é uma obra literária que ainda hoje se destaca pela profundidade de sua reflexão sobre as relações humanas, particularmente sobre o sentimento da amizade entre dois seres humanos.

Cada vez que abro novamente este livro consigo compreender que a amizade não é um estado de espírito ideal, mas uma lei humana rigorosa. Nas palavras do autor "(...) Era mais poderosa que a paixão que persegue os homens e as mulheres com um força desesperada para se unirem, a amizade não podia levar à desilusão, porque não queria nada do outro, podia-se matar o amigo, mas a amizade que se forma na infância entre duas pessoas, é um sentimento que talvez nem a morte pode matar: a sua recordação continua a viver na consciência das pessoas, como a recordação de um acto heroico silencioso."

Este relato, escrito num cenário melancólico e repleto de nostalgia, conduz-nos calmamente para uma viagem frágil, sensível e imensa, que transcende as dimensões de tempo e espaço. A história desenrola-se num castelo isolado, nas montanhas da Hungria, onde dois antigos amigos, Henrik e Konrad, se reencontram após mais de quatro décadas de separação. O encontro, cheio de tensão e expectativa, serve como o palco para uma série de revelações emocionais e confrontos silenciosos.

Através de uma prosa cuidadosamente elaborada, formada por um intenso diálogo e até por diferentes monólogos, o leitor tem acesso às camadas mais profundas da introspeção e da natureza humana. Márai é descritivo, mas utiliza uma linguagem poética para retratar os sentimentos conflituosos de ambos os protagonistas, criando uma atmosfera de melancolia e reflexão que ecoa ao longo de cada página.

Centrado na amizade e na lealdade, as personagens Henrik e Konrad, outrora inseparáveis, são confrontados com as consequências de certas escolhas passadas, bem como de segredos guardados por décadas. À medida que a noite avança e que as velas ardem lentamente, os dois homens mergulham numa viagem de autoconhecimento e de uma certa reconciliação.

No fundo, este livro permite-nos compreender que os seres humanos podem aprender tudo o que quiserem sobre a verdadeira natureza das relações, mas que não é o conhecimento em si que os tornará mais sábios. Como afirma o autor "(…) Não, o segredo é que não há recompensa e temos de suportar o nosso caráter e a nossa natureza da melhor maneira possível, porque nenhuma quantidade de experiência ou discernimento irá corrigir as nossas deficiências, a nossa autoestima ou qualquer sentimento de culpa."

No entanto, Márai dá-nos um caminho de possível solução, ao "(...) aprender que os nossos desejos não encontram nenhum eco real no mundo, porque devemos aceitar que as pessoas que amamos não nos amam ou não nos amam da maneira que esperamos. E temos de aceitar a traição e a deslealdade quando surge, ou o mais difícil de tudo, que alguém seja melhor do que nós em carácter ou inteligência.

Uma das características mais marcantes de "As Velas Ardem Até ao Fim" é a forma como o autor mostra que cada ser humano guarda as cicatrizes do passado e a esperança no futuro. As conversas, repletas de entrelinhas, revelam a fragilidade da condição humana e a inevitabilidade do tempo que passa por nós. O ambiente no castelo, com suas sombras e segredos inevitáveis, serve como reflexo simbólico dos conflitos internos dos personagens. À medida que as horas passam, as personagens são confrontadas com a realidade das próprias escolhas e arrependimentos.

É um livro, mas é um tratado ao mesmo tempo, que faz-nos refletir sobre ideias concretas, uma vez que, ao confrontar-se com o passado, cada personagem terá que reconciliar-se com verdades dolorosas que desapareceram durante tanto tempo. O simbolismo deste livro está ainda presente no silêncio que paira sobre o castelo e que é quebrado apenas pelo som de palavras não ditas e emoções reprimidas: uma verdadeira atmosfera de suspense e de expectativa constante.

Por fim, ao longo do romance, Sándor Márai reúne uma série de emoções e ideias que temos relativamente às próprias experiências humanas, desafiando-nos a questionar as nossas próprias decisões, convicções sobre o amor, a amizade e a reconciliação. Podemos conseguir tudo na vida, lutar contra tudo à nossa volta e a vida pode até parecer dar-nos tudo o que queríamos. Podemos até decidir não partilhar tudo, mas não mudamos nunca os interesses mais profundos do outro, as inclinações ou ritmos do outro, a alteridade essencial, por mais próximo que esteja. O amor mais difícil é a coragem de aceitar.