Uma pesquisa recente realizada aqui no Brasil mostrou que 11 milhões de brasileiros, cerca de 5% de sua população, acreditam que a Terra é plana. Os números, em um primeiro momento, me deixaram surpreso. Diria ainda mais, assustado. Ao mesmo tempo, uma vez que chamou minha atenção para este fato, me levou a realizar uma investigação mais detalhada acerca deste tema, buscando uma melhor compreensão desta aparente contradição de que, numa sociedade em que, cada vez mais, a ciência se torna popular, há uma explosão de negacionismo científico e de pseudociências.

Como primeiro passo, investiguei algumas das práticas mais populares ligadas às pseudociências e, com isso, me deparei com a prática de coach quântico. Segundo afirmam tais coaches, por meio de nossas crenças pessoais, somos capazes de alterar a realidade adequando-a às nossas crenças e necessidades. Ou seja, se você acreditar firmemente em algo, você é capaz de tornar esse algo real.

A suposta base para essa prática seria a Mecânica Quântica, mais especificamente a dualidade onda-partícula. Grosso modo, a dualidade onda-partícula diz que uma partícula quântica, ou seja, um ente na escala do muito pequeno, como fótons e elétrons, exibem um comportamento dual, ora comportando-se como partícula, ora se comportando como onda. Essa característica é evidenciada por meio do experimento realizado, ou seja, um determinado experimento é capaz de revelar apenas a natureza ondulatória e outro experimento revela apenas a natureza de partícula. Não há um único experimento que seja capaz de evidenciar as duas naturezas ao mesmo tempo. Neste sentido dizemos que o experimento escolhido determina a natureza do ente quântico.

Mas note que, em nenhum momento foi dito que a escolha determina a natureza do ente em nível quântico. Os experimentos apenas mostram as limitações da compreensão humana a cerca da realidade a sua volta. Não somo capazes, ainda, e talvez jamais sejamos capazes de compreender plenamente o mundo microscópico. Ou seja, a base do ensino dos coaches é proveniente de uma deturpação dos conceitos da mecânica quântica.

Quero deixar bem claro, que minha intenção não é ser dogmático e afirmar categoricamente que os coaches são charlatães e que o que eles ensinam não funciona. Apenas quero afirmar categoricamente que o seu ensino não encontra fundamento na Física Quântica. Que, na verdade, é apenas uma estratégia de marketing, uma tentativa de dar ares de ciência à prática.

Já o terraplanista, ele nega um fato científico amplamente verificado, que é o formato aproximadamente esférico de nosso planeta, buscando, inclusive, alternativas para escrever efeitos observados. Por exemplo, a queda de corpos não é, na visão dos terraplanistas, um efeito provocado pela força gravitacional, uma vez que não haveria gravidade em uma Terra plana, mas que seria o resultado da diferença entre as densidades do corpo que cai e do ar, ou seja, seria devido a efeitos hidrostáticos.

Do meu ponto de vista, o terraplanismo é uma forma de deturpação da ciência ainda mais preocupante do que o coach quântico. Enquanto o primeiro é resultado de uma completa ignorância acerca das leis da física e, portanto, uma demonstração clara do fracasso de nossa educação básica, o segundo faz uso de uma visão esdrúxula da física quântica, uma área um tanto quanto nebulosa da física, que abre margem para diferentes interpretações, como estratégia de marketing, dando ares de seriedade e cientificismo à prática.

No entanto, o mais relevante não é apenas contemplarmos tais fenômenos de proliferação do negacionismo e das pseudociências. Antes, o mais importante é buscarmos compreender a sua origem e, a partir dessa compreensão, buscarmos estratégias eficazes para combater essa tendência. Depois de muita reflexão, cheguei a algumas conclusões.

Primeiro, percebe-se que são poucos os que, de fato, sabem o que é ciência, isso mesmo entre professores e cientistas, o que revela, de certa forma, uma fragilidade de nosso sistema educacional. Na verdade, não apenas do nosso sistema educacional brasileiro. Mas vou me ater ao universo que conheço para minha análise. Vou aprofundar minha idéia com um exemplo de minha área de expertise, a física.

Costumo dizer que ensinamos a física como disciplina, mas não como ciência. Por exemplo, ensinamos os estudantes a aplicarem as Leis de Newton a fim de resolverem problemas envolvendo dinâmica das partículas ou de sistemas de partículas. O estudante aprende a fazer diagramas de corpos livres, calcular forças de atrito, trações em fios etc. No entanto, nada aprendem sobre o método que foi utilizado para a dedução dessas leis, o método científico. Creio, hoje em dia, ser de fundamental importância que, desde os primeiros contatos com as disciplinas científicas, o estudante seja apresentado ao método científico. É importante que ele saiba por que o método é tão eficiente, mas também reconheça quais são as suas limitações.

Minha segunda conclusão é que a comunidade científica sofre uma crise de credibilidade como resultado das ações de membros destacados desta mesma comunidade. Muitos cientistas, em especial nos últimos quarenta anos, ganharam uma grande notoriedade na mídia, divulgando a ciência, o que por um lado, é positivo. Todavia, não raro, estes cientistas pop stars adotaram uma postura dogmática, um tanto arrogante, afirmando de forma categórica que o que não tem comprovação científica é bobagem, portanto irrelevantes. Com essa atitude, passaram a impressão de que os resultados científicos são verdades irrefutáveis, e quem deles discorda é um mero ignorante. Como exemplo, houve um verdadeiro ataque por parte de cientistas à religião e aos religiosos. Como era de se esperar, houve uma reação por parte dos religiosos, indignados por causa da falta de respeito para com suas crenças.

Este tipo de atitude não é digna de quem se diz um cientista. Um verdadeiro cientista reconhece as limitações do método científico, que a ciência consiste em uma busca eterna pela verdade e que o conhecimento científico é, por natureza, um produto inacabado. As limitações da ciência podem ser técnicas, quando a tecnologia disponível limita a nossa possibilidade de compreender plenamente os fenômenos que nos rodeiam. Podem ser, ainda, de natureza epistemológica, uma vez que existem problemas onde não se cabe buscar na ciência a sua resposta. Como exemplo, a existência ou não de um ser divino, dizer se o universo foi ou não criado por um ser todo poderoso, definir o que é um homem ou uma mulher, não são um problema de interesse científico. Primeiro, porque a ciência somente lida com hipóteses que possam ser testadas por meio de experimentos controlados ou por observações rigorosas o que não é possível em se tratando da detecção de um ser todo poderoso. Segundo, porque, como dizia Heidegger, uma das limitações da ciência é não ser capaz de definir a essência do ser. Características como essas encontram-se dentro do campo da filosofia conhecido como ontologia.

Mas a crise de credibilidade da ciência pode ter uma origem ainda mais grave. Ela pode ser proveniente da divulgação de supostas descobertas científicas motivadas não pela ciência em si, e nem pelo desejo de se trazer benefícios para humanidade, mas por interesses financeiros.

Como exemplo neste sentido, temos o movimento anti-vacinas que ficou em evidência nos tempos da COVID-19, e que parte da imprensa tentou associar a movimentos conservadores. No entanto, esta atitude negacionista é muito mais antiga, tendo sido abordada no segundo episódio da primeira temporada da série americana Dr. House, no longínquo ano de 2004. Muitos acreditam que a tentativa de nos convencer da importância da vacinação tem como verdadeiro objetivo favorecer as grandes indústrias farmacêuticas, que estão na verdade a serviço do selvagem capitalismo liberal. Ou seja, diferentemente do que é divulgado por boa parte da mídia, o negacionismo não é um fenômeno restrito a conservadores.

Embora não se possa discordar de que interesses financeiros existem, a grande verdade é que as vacinas evitaram milhões de mortes ao longo dos últimos dois séculos, além de limitações físicas profundas provocadas por doenças como a poliomielite. Também é verdade que nem vacinas e nem um grande número de medicamentos hoje disponíveis e acessíveis existiriam se não fosse por meio das grandes indústrias farmacêuticas, que possuem os recursos necessários para pesquisa e desenvolvimento destes medicamentos. Assim, como podemos observar do que foi exposto, o desconhecimento pela grande maioria da população mundial acerca do método científico, somados às atitudes dogmáticas de divulgadores científicos e uma atuação inadequada da imprensa, tornaram o ambiente atual propício para a proliferação das falsas ciências e de atitudes negacionistas.